21- o princípio da liberdade dos meios de prova é absoluto?

CONCEITO

Provar, segundo Tourinho, é “estabelecer a existência da verdade.”[1] Para Mirabete, é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz”. Diz-se que um fato ficou provado, quando após a análise dos elementos contidos nos autos, chega-se a conclusão de que é certa a sua existência, até então apenas suposta.

Também se chama de prova os elementos trazidos aos autos pelas partes ou pelo próprio Juiz.

Objeto da prova é aquilo que precisa ser provado, ou seja, são os fatos sobre os quais cuida a lide.[2]

Não se provam os fatos notórios e evidentes — notoria vel manifesta non egent probatione. Notórios são os fatos que pertencem “ao patrimônio estável de conhecimento do cidadão de cultura média, em uma determinada sociedade.”[3] Já evidente é o que é certo, inexorável, sem necessidade de questionamentos e comprovação.

Há também as chamadas máximas de experiência, que são as informações obtidas através da vida prática. Como diz Tourinho, sabem os Juízes das Comarcas de Jaú, Barra Bonita, Lençóis Paulista, todas do Estado de São Paulo, que, durante a safra canavieira, é grande o movimento de caminhões e até treminhões pelas estradas.”[4] Se o juiz julga um processo de furto ocorrido no sertão nordestino, em época de seca prolongada, no qual o réu alega estado de necessidade, não são necessárias provas de que a seca assolava tal região.

PRINCÍPIOS GERAIS DA PROVA

Princípio da auto-responsabilidade das partes: cada parte tem que suportar as conseqüências de sua inatividade, negligência, erro ou atos intencionais, pois à parte cabe apresentar em juízo os elementos comprobatórios do que pretende demonstrar.[5]

Princípio da audiência contraditória: nada mais é que o princípio do contraditório, aplicado às audiências de instrução. Tal princípio impõe que toda prova admite a contraprova e é vedada a produção de prova sem o conhecimento da outra parte.

Princípio da aquisição ou comunhão das provas: a prova pertence aos autos, podendo ser usada por qualquer parte, mesmo que não interesse à parte que a tenha produzido.[6]

Princípio da oralidade: a produção da prova, como regra, deve ser feita através da palavra falada, ou seja, os depoimentos são orais, não se admitindo a produção de prova por declarações escritas.[7]

Princípio da concentração: a produção de prova é concentrada na audiência, possibilitando maior agilidade.

Princípio da publicidade: como decorrência da publicidade dos atos processuais, a produção de prova também é pública.

Princípio do livre convencimento motivado: não existe hierarquia das provas, previamente estabelecida. O CPP não estabelece a supremacia de uma prova sobre outra. Assim, o juiz poderá apreciar livremente todo o contexto probatório, decidindo consoante o que ficou comprovado. É o que dispõe o art. 155, CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.” Ou seja, uma prova vale pela sua consistência e não por sua natureza. A prova pericial não tem valor absoluto. Até mesmo a confissão, tida como a “rainha das provas”, a probatio probatissima, não tem valor absoluto, pois o juiz pode reconhecer que o réu não foi o autor do crime, mesmo tendo ele confessado, se ficar evidenciado pelo restante das provas, que ocorreu uma auto-acusação falsa.

CLASSIFICAÇÃO

Prova direta ou indireta: Dentre as muitas classificações, a prova pode ser, quanto a seu objeto, direta ou indireta. Direta é a prova que incide sobre o fato, gerando a certeza de sua ocorrência, como a testemunha presencial ou a imagem da câmera de segurança onde ocorreu o crime.[8] Já indireta é a prova de outro fato, que leva a conclusão sobre o fato objeto do processo. Ou seja, “por via de raciocínio, se chega ao que se deseja provar.”[9] É o exemplo do álibi.

Prova plena ou não plena: Plena é a prova cabal, convincente, inconteste. Não plena é a que induz uma probabilidade de existência sobre o fato. Ex: legítima defesa em caso de invasão a domicílio.

Reais ou pessoais: As provas consistentes em coisa, objeto, ou seja, que não seja o próprio indivíduo, são chamadas de reais. Já as provas pessoais são as fazem parte do conhecimento de alguém, como o interrogatório, o depoimento, as conclusões do perito.[10]

Testemunhal, documental ou material: Esta é classificação que versa sobre a forma da prova. Testemunha é quem depõe em juízo sobre o fato probando. Documental é a baseada em escritos públicos, documentos, cartas, notas fiscais, livros comerciais etc. E, por fim, material é o corpo de delito, exames, vistorias, instrumento do crime.[11]

MEIOS DE PROVA

São os meios para a busca da verdade sobre o fato objeto da lide. Tudo que é utilizado para a descoberta da verdade, é meio de prova, como o interrogatório, o depoimento, a perícia, o reconhecimento etc.

Os arts. 158 a 250 elencam diversos meios de provas admitidos no Processo Penal Brasileiro. Vigora, porém, o princípio da liberdade probatória, razão pela qual o rol de meios de provas não se esgotam nos citados artigos.  Admitem-se, pois, as provas inominadas, as não previstas no CPP, tudo em homenagem ao princípio da verdade real.[12]

Todavia, não se pode dizer que a liberdade das provas é absoluta. Talvez o correto fosse dizer que prevalece no Processo Penal brasileiro a liberdade probatória temperada, pois algumas provas não são admitidas. Dispõe o parágrafo único do art. 155, CPP, que em relação ao estado das pessoas, aplicam-se as restrições previstas na lei civil.

São inadmissíveis, também, as provas ilícitas, como se verá no item seguinte.

PROVAS ILÍCITAS

Dispõe a CF que a  “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI, CF).[13]

Inicialmente, convém distinguir as provas ilícitas, ilegais e ilegítimas.

As provas ilegais abrangem as provas ilícitas, como provas obtidas com violação às regras do direito material, e as ilegítimas, que infringem o direito processual.[14]

De qualquer modo, consoante afirma Tourinho, a Constituição não fez distinção, proibindo qualquer prova ilícita:

“A Constituição Federal de 1988 extinguiu o discrime entre provas ilegítimas e provas ilícitas. Na verdade, dizendo o art. 5.º, LVI, da lei Maior serem ‘inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos’, isto é, conseguidas por meio de violação de normas de direito material e constitucional, evidente que as provas até então denominadas ilegítimas, como as cartas interceptadas ou obtidas por meios criminosos, posto terem sido obtidas ilicitamente, inserem- se no rol das provas ilícitas.”[15]

Como acentua Zanoide, a Constituição impõe importante limite ao princípio da verdade real, pois exige que essa busca se dê nos limites da legalidade, sem os quais não se pode falar em Estado Democrático de Direito:

“… com a inserção constitucional do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícitos, entendido como ilícito o meio que de qualquer forma viole direitos ou garantias fundamentais do ser humano, o sistema brasileiro se alinha aos mais modernos e preceitua que a sociedade brasileira não busca mais a condenação a qualquer custo, mas apenas pela eficiência estatal de investigar dentro dos limites legais e do respeito à dignidade humana.”[16]

A expressa vedação das provas ilícitas veio por fim a uma velha controvérsia da jurisprudência e da doutrina no Brasil. Predominava, antes de 1988, o entendimento de que as provas ilícitas eram admissíveis, desde que revelassem algo materialmente grave.[17]

Com base nas idéias de Greco Filho[18] é possível dividir três correntes quanto às provas ilícitas:

  1. a) as provas são admissíveis, apesar de sua obtenção espúria, o que não impediria a punição de quem obteve a prova;
  2. b) a segunda pondera os bens afetados com a produção da prova ilegal e o conteúdo do direito sobre o qual versa a prova, de modo que, se o direito protegido é superior ao violado pela produção das provas, é ela admitida;
  3. c) a última considera totalmente vedada a utilização de prova ilícita, independentemente de qualquer ponderação.

Para Avolio[19], a constituição adotou a terceira corrente ao estabelecer expressamente a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, tornando qualquer debate sobre o tema, puramente acadêmico, já que a vedação é expressa e absoluta, isenta de qualquer exceção.[20]

Acertada é a vedação absoluta, tendo em vista que a eventual admissibilidade de prova ilícita serviria para estimular as ilegalidades na obtenção de provas, especialmente as praticadas com abuso de poder, por agentes policiais.[21] “É preferível — diz Tourinho — que o criminoso fique impune a se permitir o desrespeito à lei Maior.”[22]

Por esse motivo, o STF rejeita a tese da proporcionalidade, segundo a qual a prova ilícita deveria ser admitida em casos em que a gravidade do crime recomendaria a prevalência da segurança pública sobre o direito individual:

“Objeção de princípio — em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal — à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou — em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal — pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte — salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável — a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência” (HC 79512 — Rel. Min. Sepúlveda Pertence — DJ 16/05/03).

“Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade — à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira — para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação” (HC 80949 — Rel. Min. Sepúlveda Pertence — DJ 14/12/01).

Trata-se, como se sabe, de um corolário do princípio do devido processo legal. Com efeito, “la noción de debido proceso puede transformarse en un concepto vacío de contenido, si no se especifican los requisitos mínimos que debe presentar.” [23] De nada adiantaria a regra do devido processo legal, se não houvesse desdobramentos positivados pela Constituição, em garantia do cidadão. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do STF:

A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa á garantia constitucional do “due processo law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A “Exclusionary Rule” consagrada pela jurisprudência da Suprema Conte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal.

A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes. (HC 82.788 — Rel. Min. Celso de Mello — votação unânime — 2ª Turma — j. 12-4-05, DJ de 2-6-06)[24]

A problemática, porém, do debate reside mais na questão da prova derivada, quando existe uma prova ilícita, que propicia a produção de outras provas, daquela derivadas, que são feitas dentro das formalidades legais. Neste caso, prevalece o entendimento de que as provas derivadas da ilícita também deverão ser tidas por ilícitas. Trata-se do princípio intitulado “frutos da árvore envenenada”, segundo o qual o “fruto” (a prova derivada) está contaminado pelo veneno (ilicitude) da sua árvore (prova ilícita original). É o que ocorre quando mediante tortura, o acusado informa onde está a res furtiva ou a droga; a apreensão, tanto da coisa furtada como da droga, não é, por si só, ilícita, mas é derivada da prova ilícita e, por isso, também revestida de ilicitude.

Nesse sentido, a lição de Tourinho:

 “Não só as provas obtidas ilicitamente são proibidas (busca domiciliar sem mandado judicial, escuta telefônica sem autorização da autoridade judiciária competente, obtenção de confissões mediante toda sorte de violência etc.), como também as denominadas ‘provas ilícitas por derivação’. Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se informação da localização da res furtiva, que é apreendida regularmente. Mediante escuta telefônica (prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, obtenção ilícita daquela informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais… Assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca a apreensão, aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal.”[25]

O Supremo Tribunal Federal, atualmente, adota o princípio dos “frutos da árvore envenenada”. É o que afirma Tourinho:

“… a Suprema Corte tem sufragado a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou da doutrina denominada fruit of the poisonous tree.”[26]

No mesmo sentido, a opinião de Moraes:

 “… a atual posição majoritária do STF entende que a prova ilícita originária contamina as demais prova dela decorrentes, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.

“Em conclusão, as provas ilícitas, bem como todas aquelas dela derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, devendo, pois, ser desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomos delas não decorrentes, que servirão para a formação da convicção de magistrado.”[27]

Confiram-se os seguintes julgados do Supremo, nos quais são adotados a teoria dos “frutos da árvore envenenada”:

“Ilicitude da interceptação telefônica — a falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la — contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the Poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.” (HC 69.912 —  Rel. Min. Sepúlveda Pertence — DJ 25/03/94)

  “Fruits of the poisonous tree. (…) Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica — à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la — contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta.” (HC 73.351 — Rel. Min. Ilmar Galvão — PLENO — julgamento em 9-5-96)[28]    “As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente” (HC 72588 — Rel. Min. Maurício Corrêa — Pleno — j. 19/12/95).[29] “Ilicitude da prova — Inadmissibilidade de sua produção em juízo (ou perante qualquer instância de poder) — Inidoneidade jurídica da prova resultante da transgressão estatal ao regime constitucional dos direitos e garantias individuais. A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes. A questão da doutrina dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree): a questão da ilicitude por derivação. Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A exclusão da prova originariamente ilícita — ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação — representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova — que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal —, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. A questão da fonte autônoma de prova (an independent source) e a sua desvinculação causal da prova ilicitamente obtida — Doutrina — Precedentes do Supremo Tribunal Federal — Jurisprudência comparada (a experiência da Suprema Corte Americana): casos Silverthorne Lumber co. v. United States (1920); Segura v. United states (1984); Nix v. Williams (1984); Murray v. United states (1988)”, v.g..” (RHC 90.376 — Rel. Min. Celso de Mello — 2ª Turma — votação unânime — j. 3/4/07 — DJ de 18-5-07)[30]

Saliente-se, por outro lado, que por tal teoria, estão eivadas de ilicitude as provas derivadas da prova original ilícita, mas tal fato não inviabiliza a condenação, se houver outras provas — autônomas — que sejam suficientes para a condenação. Nesse sentido, o seguinte julgado do Supremo:

Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Prova ilícita: escuta telefônica. Coexistência de prova lícita e autônoma. (STF — 2ª TURMA — HC — Rel. Maurício Corrêa – j. 22.04.1997 — RTJ 164/975).

NOVA REDAÇÃO

Em 2008, a Lei 11.690 deu nova redação ao capítulo da prova, do Código de Processo Penal (arts. 155 a 157). Com a nova redação, ficou adotado o princípio dos frutos da árvore envenenada, no § 1º do art. 157. Apenas a lei estabeleceu que se a prova derivada pudesse ser encontrada mediante os meios investigatórios ordinários, segundo a praxe da investigação, não será contaminada (art. 157, § 2º).

Por fim, cumpre observar que há corrente que entende ser aplicável o princípio da proporcionalidade quando se tratar de prova ilícita que comprove a inocência do acusado. Sustenta-se que, em tal hipótese, deve prevalecer o status libertatis, em detrimento da vedação à prova ilícita. Confira-se a opinião de Tourinho Filho:

“… já se esboça na doutrina um movimento no sentido de não emprestar a esse princípio constitucional que supere o direito de liberdade. Na verdade, se a inadmissibilidade das provas ilícitas está no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais do homem, não pode repugnar à comum consciência jurídica o fato de a defesa conseguir por meio ilícito prova que demonstre a inocência do imputado.”

(…)

“É preciso que nos pratos afilados da balança sejam pesados os bens jurídicos envolvidos, e, à evidência, a tutela do direito de liberdade do indivíduo ‘es um valor más importante para la sociedad’ que a tutela do outro bem protegido pela proteção ao sigilo. Assim, uma interceptação telefônica, mesmo ao arrepio da lei, se for necessariamente essencial a demonstrar a inocência do acusado, não pode ser expungida dos autos.”[31]

Dispõe a primeira parte do art. 156 sobre o ônus da prova: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.

Ônus não é propriamente um dever, já que o seu descumprimento não acarreta qualquer tipo de sanção, por não constituir ato ilícito. Trata-se de certa conduta que tem que ter a parte, para que possa ter o benefício.

Como regra, o ônus da prova é da acusação, já que esta alega que o réu praticou crime, devendo ela provar sua alegação. Por outro lado, à defesa incumbe comprovar a sua alegação de circunstância que exclua a ilicitude ou antijuridicidade.[33]

Quanto ao ônus da defesa, porém, é de se ressaltar que não se pode exigir sua total comprovação, uma vez que em razão do princípio da presunção da inocência e do in dubio pro reo, bastará que a defesa abale a credibilidade da prova acusatória. Assim, se é alegado que o réu agiu em legítima defesa, a defesa tem o ônus de trazer elementos que deem credibilidade à sua tese, abalando a tese acusatória, não se exigindo a comprovação cabal de que a legítima defesa ocorreu.

É certo que vigora no Processo Penal, porquanto, em razão do princípio da verdade real, o juiz poderá determinar diligências para aferir a veracidade do que foi alegado. É o que determina a segunda parte do art. 156, segundo a qual, o juiz poderá determinar de ofício, a produção antecipada das provas, bem como a “realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.

Sistema da íntima convicção ou da prova livre:[34] Nesse sistema, o juiz julga livremente de acordo com sua consciência, sem precisar fundamentar sua decisão. Pode valer-se, inclusive, de conhecimentos particulares sobre o caso.[35] Evidente que, na medida em que a valoração da prova não precisa ser fundamentada e o juiz decide com absoluta liberdade, esse sistema propicia o arbítrio judicial, o que é incompatível com o Estado Democrático de Direito. Esse sistema vigora no Tribunal do Júri, no qual os jurados não precisam fundamentar sua decisão.[36]

Sistema das provas legais ou tarifado: Fazendo jus à teoria do pêndulo da história, após surge o princípio das provas legais. Se no sistema da íntima convicção havia uma liberdade absoluta, no das provas legais não existia a mínima liberdade de valoração. Nesse sistema, a lei estabelecia o valor de cada prova, previamente, determinando “que tais ou quais fatos se provassem dessa ou daquela maneira”.[37] O nome tarifado deriva-se da idéia de que há uma tabela com os valores de cada prova, previamente estabelecido, da qual o juiz não pode se afastar.[38]

Sistema da persuasão racional do juiz: Trata-se de um sistema que é o equilíbrio entre os dois anteriores. Nem propicia o arbítrio judicial, como no sistema da íntima convicção, tampouco sopita o juiz, como no sistema das provas legais. No sistema da livre convicção, todos os meios de prova são admitidos, garantindo-se ao juiz a livre valoração das provas. Não há, nesse sistema, arbítrio, de modo que é vedado ao magistrado valer-se de conhecimento extra-autos — daí o nome persuasão racional — e o juiz tem que fundamentar sua decisão (art. 93, IX, CF). O “juiz tem a liberdade de avaliar as provas pela sua convicção, porém condicionado às colhidas no processo, às admitidas, às sujeitas a um juízo de credibilidade e de acordo com o valor legal, se for o caso.”[39]–[40]

É a prova que foi produzida em outro processo e cuja cópia será juntada aos autos da ação penal.

Só poderá ocorrer se a prova foi produzido em ação que tinha as mesmas partes, pois caso contrário não foi produzida com o contraditório.[41]

O indício é algo que tem relação indireta com o caso, mas que pode, por indução, levar à conclusões sobre o fato criminoso.

Se isolado nos autos, não pode o indício levar à condenação do agente. Contudo, um contexto de indícios pode levar a um quadro probatório sólido.

[1] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 502.

[2] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 502.

[3] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 503.

[4] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 503.

[5] CAMARGO ARANHA, Da prova …, pp. 32-33.

[6] Mirabete, Processo Penal. p.  264. CAMARGO ARANHA, Da prova …, p. 33

[7] CAMARGO ARANHA, Da prova …, pp. 33-34.

[8] Mirabete, Processo Penal. p.

[9] CAMARGO ARANHA, Da prova …, p. 24.

[10] Mirabete, Processo Penal. p. 257-258.

[11] CAMARGO ARANHA, Da prova …, p. 24.

[12] Mirabete, Processo Penal. p. 258-259. O citado autor exemplifica com meios técnicos, como filmes, vídeos, fotos etc. Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, pp. 505-506.

[13] O discurso de aceitação das provas ilícitas — ainda que não percebam ou não admitam seus autores —, revela uma visão obtusamente autoritária, de nítido desprezo aos mais comezinhos princípios do Estado Democrático de Direito. Há a idéia de que os “marginais” têm muitos direitos e devem ser tratados com rigor — leia-se violência do Estado —, para que sejam punidos. Daí surgem excrescências no sentido de que os Direitos Humanos servem para proteger bandidos — “Direitos Humanos para os Humanos Direitos” é a descabida frase representativa de tal pensamento. O fato é que a Constituição Brasileira, como qualquer constituição democrática, impõe restrições à atuação do poder estatal, em defesa do cidadão. Nesse sentido é o contundente alerta de Zanoide: “Esse preconceito das ‘pessoas de bem’, que sempre têm o ‘outro’ como o mal social, e a tolerância ao abuso estatal formam a base daquela ‘teoria’ de que para o processo penal tudo vale, afinal, ‘pessoas de bem’ somente estão envolvidas em processos não-penais (por exemplo, civil, de família, administrativo, tributário); logo, por aquela ‘teoria’ de defesa social, neste deve haver a ‘verdade formal’, ou seja, a persecução limitada e garantidoras de direitos e garantias fundamentais, aos criminosos que pululam no processo penal não, a eles os abusos estatais em defesa de uma sã sociedade.” (Zanoide, Inadmissibilidade das provas ilícitas. p. 827.)

[14] MORAES, Constituição do Brasil interpretada, p. 373.

[15] Tourinho Filho, Processo Penal, p. 231.

[16]  Zanoide, Inadmissibilidade das provas ilícitas. p. 827.

[17] Avolio, Provas ilícitas, p. 72

[18] Greco Filho, Manual de Processo Penal, p. 62.

[19] Avolio, Provas ilícitas, p. 79.

[20] Interessante exemplo da jurisprudência de São Paulo é o seguinte julgado: “Ilegalidade. Ocorrência. Porte ilegal de arma. Busca pessoal realizada por guarda municipal. Excesso de função que não é justificada pela descoberta do ilícito. Invasão ao direito de intimidade. Inteligência do art. 144, § 8., da CF.” (TACRIM- SP – 4ª.C – AP 1.270.983/09 – Rel. Marco Nahum- J. 18.09.2001- RT 799/593, bol. IBCCRIM 112/596 e bol. AASP 2235/2013).

[21] GRECO FILHO, 1999, p. 62.

[22] Tourinho Filho, Processo Penal, p. 238.

[23] Edwards, Garantias constitucionales…, p. 90.

[24] Compuseram a turma, os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.

[25] Tourinho Filho, Processo Penal, p. 237.

[26] Tourinho Filho, Processo Penal, p. 238.

[27] MORAES, Constituição do Brasil interpretada, p. 379.

[28] Votação por maioria, foram vencedores os Ministros Ilmar Galvão, Maurício Correia, Francisco Rezek, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio de Mello. Vencidos os Ministros Otávio Gallotti, Sidney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves.

[29] Trata-se de julgado, por maioria de votos. Formaram a maioria os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Francisco Rezek e Maurício Corrêa. Ficaram vencidos os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sidney Sanches, Octavio Gallotti e Carlos Velloso.

[30] Compuseram a turma os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

[31] Tourinho Filho, Processo Penal, p. 237.

[32] Etimologicamente: “lat. ònus,èris ‘carga, peso, fardo’, p.ext., ‘ser pesado a alguém, incômodo’”

[33] Nucci, p. 379.

[34] Mirabete chama também de sistema da certeza moral do juiz. (Mirabete, Processo Penal. p. 263).

[35] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 515.

[36] CAMARGO ARANHA, Da prova …, p. 77.

[37] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 515.

[38] CAMARGO ARANHA, Da prova …, p. 75.

[39] CAMARGO ARANHA, Da prova …, p. 78.

[40] Embora também seja chamado de sistema do livre convencimento, preferimos, atualmente, chamá-lo exclusivamente de sistema de persuasão racional. A crítica feita por Aranha àquele nome parece procedente, porquanto a exigência da fundamentação da decisão é incompatível com o livre convencimento. Tal nome pode levar a confusão com o sistema da íntima convicção. Ademais, casos há em que o CPP determina qual a prova que deve o juiz valer-se, como nos crimes que deixam vestígios, que exigem perícia (art. 158). A absolvição só será declarada se houver alguma das condições do art. 386, CPP. Também certas provas precisam de certos requisitos, sem os quais não tem validade, como o reconhecimento.

[41] Nucci, p. 377.

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