Prazo defesa prévia Processo Penal vários réus

O lugar e a função do processo no Brasil ainda se encontram manietados por uma concepção ultrapassada, solo fértil para a aceitação acrítica dos modelos totalizadores do Direito Penal antes apresentado. Talvez possa o Processo Penal Democrático se constituir como um verdadeiro “limite democrático”. (...) Rompendo com os “escopos hegemônicos”, aponta-se para uma nova maneira de o entender, no qual o contraditório passa a ser a pedra de toque.[1]

Na vigência do regramento processual penal de 1941, quando se tinha o interrogatório judicial por termo inicial de contagem do prazo para apresentação da defesa prévia, sustentava-se,[2] com apoio em jurisprudência,[3] que os réus por último interrogados, e, consequentemente, os últimos a oferecerem referida peça defensiva,[4] teriam inquestionável vantagem sobre aqueles que já as tivessem apresentado, no que se revelava gritante afronta ao princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput, CRFB), mola constitucional que garante, aos protagonistas do processo, a paridade de armas.[5]

A forma de afastar essa balda naqueles idos, à luz da Carta Cidadã, era a determinação de que os prazos para oferecimento das então alegações preliminares somente começariam a viger após a realização do derradeiro interrogatório judicial (ou, a depender, do entranhamento do ato aos autos do processo). É o que se propõe demonstrar a seguir.[6]

Resposta à denúncia

Termo inicial de contagem de prazo para apresentação de resposta à denúncia

O argumento em torno do estudo de que os prazos para oferecimento das (então) alegações preliminares somente corriam após a realização do último interrogatório judicial se baseava em pressuposto de que o processo, enquanto não esgotada esta fase defensiva, estaria paralisado.[7]

Portanto, não advinha, com a adoção de postura garantista, qualquer prejuízo às partes e ao regular andamento do processo (inclusive obedecido o prazo razoável de duração, previsto no Pacto de San José da Costa Rica e inscrito, na CRFB, como direito fundamental, por força da emenda nº 45/2004),[8] no que tinha perfeita cabida aplicação analógica (artigo 3º do CPP) do disposto no artigo 241, inciso III, do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei 8.710/1993, a qual dispõe, em síntese apertada, que, no caso de processo com multiplicidade de réus, o prazo para contestação inicia-se depois da juntada do derradeiro aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido.

Mutatis mutandis, em obediência às garantias fundamentais e ao espírito do legislador ordinário, o referido prazo, na processualística anterior, fluía, tão só, após ser realizado o último interrogatório do réu — se este houvesse sido inquirido por intermédio de cartas precatória, rogatória etc., e, ainda assim, somente depois de sua juntada aos autos —, devendo o magistrado, passo seguinte, intimar as partes, para que tivessem ciência de que deveriam, querendo, apresentar defesa prévia.

A previsão existente no Código de Processo Civil constava do Decreto-Lei 1.608/1939, em seu art. 292, então sob a égide da famigerada Constituição de 1937 — não sendo despiciendo gizar que a igualdade de todos perante a lei e a ampla defesa encontravam-se previstas nas Constituições de 1934 (artigo 113, 1 e 24) e de 1891 (artigo 72, §§ 2º e 16). In verbis:

Artigo 292. Feita a citação do réu, considerar-se-á proposta a ação, correndo, da entrega em cartório do mandado cumprido, o prazo de dez (10) dias para a contestação, observado o disposto no artigo 33.

Parágrafo único. Se forem vários os réus e não houverem sido citados no mesmo dia, o prazo para a defesa correrá da entrega, em cartório, do último mandado de citação, devidamente cumprido.

(Grifou-se)

No CPC de 1973, em vigor após reformas pontuais, manteve-se a previsão, no artigo 241, inciso II, que estabelecia que começa a viger o prazo, “quando houver vários réus, da juntada aos autos do último mandado de citação, devidamente cumprido”.

Com o advento da Lei 8.710/1993, renumerou-se o artigo 241 do CPC, deslocando-se a previsão para o inciso III, com o acréscimo da hipótese de citação por intermédio de via postal, mantendo-se, no mais, a essência da mens legis inspiradora da redação anterior. Define a norma atual o termo de início do prazo, “quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido”.

Por isto, a jurisprudência desenhava-se da forma abaixo:

Na citação, o prazo para contestar ou responder começa a correr, para todos, da mesma data; não assim na intimação, em que os inícios de prazo podem ser diferentes para cada interessado, quando não for feita no mesmo dia a todos.

(TJRJ-RP 26/279)

A mens legis e o raciocínio dos legisladores pátrios (em consonância com a doutrina) sempre foram inspirados na preocupação de tratar as partes processuais de forma equânime, diante do indisfarçável prejuízo advindo da criação de privilégios entre réus, podendo uns falar antes dos outros, fornecendo a alguns mais tempo — e, aqui, frise-se a natureza concreta e jurídica do tempo, o qual, por não ser efêmero, tem de ser equitativamente dividido entre elas, sob pena de nulidade — e a chance de conhecer as defesas de corréus, não raro conflitantes.

O dito popular “Quem ri por último, ri melhor” cabe ao processo, seja ele criminal, cível ou administrativo. No particular, também quem por fim se manifesta leva vantagem, tanto temporal quanto cognitiva. Tal circunstância e privilégios se tornam mais evidentes nos casos dos chamados maxiprocessos e do gigantismo processual,[9] nos quais muitos acusados respondem a processo penal, hodiernamente instruídos com centenas de milhares de provas produzidas em papel, milhares de gigabytes e milhares de horas de áudio, de forma que qualquer restrição temporal à defesa técnica de um réu, em desfavor de outro, é capaz de neutralizá-la ou aniquilá-la.

Afetação ao princípio da isonomia jurídica pela disparidade de armas no processo

O desequilíbrio entre as partes — a rigor, costuma se dar tanto em relação ao Ministério Público [e ao(s) assistente(s) de acusação], quanto em relação a corréus — é inconstitucional e ilegal.

No atual modelo do processo penal democrático,[10] inaugurado com a reforma de 2008, ampliou-se o direito de defesa com a possibilidade de, na raiz, apresentar-se resposta à denúncia (artigo 396 do CPP), dando ao juiz a oportunidade de absolver sumariamente o acusado (artigo 397 do CPP) e elevando, por consequência, a status de decisão (terminativa ou definitiva de mérito) o “segundo”[11] recebimento da prefacial, que há de ser fundamentado, nos termos do artigo 93, inc. IX, da Carta Cidadã.

Na prática, todos os argumentos defensivos (exceções, prejudiciais, preliminares, mérito, rol de testemunhas e diligências) hão de ser nesse instante ímpar sacudidos, sob pena de preclusão, de modo que a defesa técnica que se manifestar em primeiro lugar está prejudicada, mormente porque as que falarem depois terão a vantagem de conhecer todas as argumentações daqueles que, por esta ou aquela razão, foram citados antes.

Lembre-se, ainda, que, consoante o apregoado pelo artigo 396-A do Código de Processo Penal (com redação que lhe foi emprestada pela Lei 11.719/2008), citados, os acusados, após o “primeiro” recebimento da denúncia, está inaugurado, em leitura inconstitucional e ilegal, o decêndio para o oferecimento da resposta.

Não formalizada a resposta, por ser de rigor obrigatório, o magistrado intimará o réu para, querendo, constituir novo advogado, na hipótese de este estar constituído nos autos. Se não houver advogado habilitado, o juiz deverá mandar os autos à Defensoria Pública ou nomear defensor dativo (aliás, se assim não fizer, estará nulo o processo).

Luís Guilherme Vieira é advogado criminal (RJ e BSB) e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Foi secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros, onde presidiu, também, a Comissão Permanente de Defesa do Estado Democrático de Direito.

Revista Consultor Jurídico, 26 de maio de 2010, 11h49

21 de maio de 2014, 16h41
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Conta-se em dobro o prazo recursal de ações penais quando há litisconsórcio passivo e os réus estejam representados por diferentes procuradores. Esse foi o entendimento da Justiça do Distrito Federal ao ampliar o período de manifestação para as defesas dos 19 réus da ação penal principal ligada à operação caixa de pandora, sobre um suposto mensalão do DEM no governo de José Roberto Arruda. O juiz Atalá Correia, da 7ª Vara Criminal de Brasília, disse que o Supremo Tribunal Federal já considerou possível enquadrar regras do Código de Processo Civil (CPC) nesse tipo de situação.

O pedido foi apresentado pela defesa de José Geraldo Maciel, ex-chefe da Casa Civil do Distrito Federal. Os advogados alegaram que o prazo legal de dez dias não seria suficiente para a defesa, já que a acusação à qual Maciel responde envolve “multitudinárias acusações, inumeráveis réus, milhares de documentos e intermináveis volumes, além de infinitas horas de vídeo e de áudio a serem examinadas”

A defesa do réu solicitou a aplicação do artigo 191 do CPC, que permite o prazo em dobro quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores. A hipótese de exceção não foi contemplada pelo Código de Processo Penal, que rege o caso em questão. Embora tenha declarado ser contrário a essa possibilidade, Correia afirmou que o Plenário do STF já autorizou pedido semelhante feito por um dos réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

“Há diferenças sensíveis entre o sistema processual penal e o processual civil. No processo civil, o prazo de defesa é comum; no processo penal, o prazo é individual; lá o prazo inicia-se com a juntada do último mandado; aqui, com a citação do acusado”, afirmou o magistrado. “Contudo, longe da divergência de fundo, cabe ao julgador singular respeitar a autoridade da decisão proferida pelo Pleno do e. STF enquanto a jurisprudência assim se mantiver.” A decisão vale para os demais réus. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.

Clique aqui para ler a decisão.

2013.01.1.122065-5


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Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2014, 16h41