A miseria da filosofia pdf editora expressão popular


Sobre Miséria da filosofia João Antônio de Paula Desde seu lançamento, em 1847, Miséria da filosofia tem provocado incômodo por seu implacável tom polêmico, pelo ferino estilo que não poupa diatribes contra um autor que não só era respeitado intelectualmente (por justas razões) como tinha grande influência entre os socialistas franceses. Publicamente, Proudhon nunca respondeu à crítica de Marx. Seus adeptos, sim, como Diego Abad de Santillán, que desdenhou: “Marx, sempre vingativo contra qualquer um que pudesse lhe fazer sombra – os livres de Berlim, o senhor Vogt, Eugen Dühring, Mikhail Bakunin –, sempre disposto a demolir os que não queriam ou não podiam se submeter à sua interpretação das leis históricas”. A crítica de Abad de Santillán reflete uma visão que ganha audiência ao apelar para certo psicologismo, atribuindo a Marx um insaciável desejo de poder e de supremacia. Com efeito, a obra tem na polêmica e na crítica eixos ordenadores. Ressalve-se que, se a polêmica tem um sentido episódico e contingente, pois a dimensão crítica da obra de Marx tem sentido estruturante, é parte central do legado hegeliano que ele transfigurou; isto é, crítica em Max não é sinônimo de paráfrase, de comentário, mas efetivação de movimento de superação, de suprassunção (Aufhebung), que significa a um só tempo levantar, sustentar, erguer, abolir, destruir, revogar e também conservar, preservar. Assim, o movimento da crítica, tanto em Marx como em Hegel, quer anular, cancelar, a não ser aquilo que não merece ser anulado, cancelado, o que significa, de outro lado, conservar, manter aquilo que mobiliza o novo, o emancipatório, a liberdade. A lista de Abad de Santillán tem um problema básico. Ela reúne nomes heterogêneos, que Marx confrontou a partir de motivações e perspectivas diversas. No caso de Karl Vogt, por exemplo, a motivação de Marx era se defender de calúnias infamantes, que não só comprometiam a sua honra pessoal quanto o socialismo como projeto. A crítica de Marx a Proudhon, como bem destaca seu tradutor José Paulo Netto, era oportuna, lúcida e informada. Miséria da filosofia, não é expressão de sentimento menor, de rivalidade fútil, mas sim manifestação teórico-política, com o sentido da urgência visando preparar a classe operária europeia para o embate que se avizinhava, ao passo que Proudhon, influente ainda no movimento operário francês, já tinha abandonado a perspectiva revolucionária, comprazendo-se com reformismo algo confuso e inepto. Esta edição, traduzida e apresentada por um dos mais reconhecidos especialistas brasileiros sobre a obra de Marx, é tanto um presente, quanto a confirmação da decisiva contribuição da Boitempo para a difusão qualificada do pensamento crítico, em particular do pensamento de Marx, entre nós, num momento em que as agruras do tempo fazem ainda mais indispensáveis lucidez, coragem e paixão. Sobre Miséria da filosofia José Paulo Netto Miséria da filosofia – o primeiro livro que Marx publicou sozinho e o único que redigiu em francês – foi escrito entre janeiro e abril de 1847, em Bruxelas, e saiu em edição custeada pelo autor, com tiragem de oitocentos exemplares, em princípios de julho. A obra de Proudhon que é objeto da crítica de Marx, Système des contradictions économiques ou Philosophie de la misère [Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da miséria], fora publicada em Paris em outubro do ano anterior e, semanas depois, um exemplar chegou-lhe às mãos, enviado por Engels. A crítica marxiana, à qual Proudhon nunca respondeu publicamente (embora tenha feito registros amargos e indignados em seus diários e em sua correspondência), pôs fim a uma relação iniciada em Paris em 1844, quando Marx foi recebido por Proudhon em seu apartamento. Os encontros se repetiram até 1845, quando o governo francês obrigou Marx a abandonar o país. Publicada a Miséria da filosofia, os dois jamais voltaram a se falar. SUMÁRIO Nota da edição Apresentação à edição brasileira – José Paulo Netto Prólogo 1. Uma descoberta científica §1. Oposição entre o valor de uso e o valor de troca §2. O valor constituído ou valor sintético §3. Aplicação da lei das proporcionalidades dos valores 2. A metafísica da economia política §1. O método §2. A divisão do trabalho e as máquinas §3. A concorrência e o monopólio §4. A propriedade ou a renda §5. As greves e as coalizões dos operários Anexos Prefácio de Engels à primeira edição alemã Prefácio de Engels à segunda edição alemã John Gray e os vales de trabalho Discurso sobre o problema do livre-câmbio Carta de Marx a Proudhon Carta de Proudhon a Marx Carta de Marx a P. V. Ánnenkov Carta de Marx a J. B. Schweitzer Cronologia resumida de Marx e Engels Nota da edição Publicada pela Boitempo 170 anos após seu lançamento, em 1847, esta edição brasileira de Miséria da filosofia é o 23º volume da coleção Marx- Engels, que desde 1998 vem disponibilizando a obra dos dois filósofos alemães. Escrita originalmente em francês, que não era a língua materna de seu autor, a Misère de la philosophie apresenta, por isso, algumas peculiaridades. A fim de preservá-las, a tradução respeitou o estilo do original – e é preciso recordar que o próprio Marx considerava o seu francês de 1847 algo “bárbaro”. O tradutor baseou seu trabalho no texto que Maximilien Rubel estabeleceu para as Œuvres de Karl Marx (Paris, Gallimard, 1965, Bibliothèque de la Pléiade, t. 1, p. 7-136), a partir da edição original de 1847. Como fontes secundárias, foram utilizadas as edições italiana (Miseria della filosofia, Roma, Newton Compton, 1976) e espanhola (Miseria de la filosofía, Moscou, Progresso, 1979). Os prefácios de Engels foram traduzidos a partir da edição espanhola e todos os outros anexos foram vertidos com base na edição francesa de Rubel, exceto as cartas trocadas entre Marx e Proudhon, cujas fontes são indicadas nas notas pertinentes. Os estudiosos de Marx no Brasil certamente notarão que esta não é a primeira tradução de José Paulo Netto da obra em questão. Sua primeira versão foi publicada em 1982 pela editora Ciências Humanas e depois, em 1985, pela editora Global; uma nova publicação, sem alterações, saiu pela Expressão Popular em 2009. Sendo José Paulo Netto um dos maiores especialistas brasileiros na obra marxiana, a Boitempo optou por não encomendar uma nova tradução, e sim publicar a já existente. Meticuloso como é, porém, Netto revisou todo o trabalho, para o que contou com a ajuda da experiente tradutora Mariana Echalar. Além disso, redigiu uma nova apresentação, na qual contextualiza a obra e trata de meandros de sua origem. Em notas de rodapé numeradas, consignaram-se as diminutas modificações que Marx inseriu no exemplar que ofertou a Natália Utina (1876), bem como as intervenções que Engels efetuou nas primeiras versões alemãs (1885 e 1892) e que aparecem na segunda edição francesa (1896). Todas as notas que não são de Marx ou de Engels vêm precedidas de asteriscos e, na sua maioria, foram adaptadas das edições referidas – umas poucas são do tradutor ou desta edição. Aquelas que registram as reações de Proudhon à obra de Marx, manuscritas no seu exemplar da Miséria da filosofia, foram extraídas da edição preparada por Rubel. As referências não originais de Marx a Proudhon remetem ou à edição de 1923 (Œuvres complètes de P. J. Proudhon, Paris, Marcel Rivière, 1923) ou à de 1964 (Pierre-Joseph Proudhon e Karl Marx, Philosophie de la misère/ Misère de la philosophie, Paris, UGE, 1964). Quando não há indicação de data, elas acompanham as remissões organizadas pelos editores da versão espanhola. Os demais critérios editoriais são os regularmente utilizados na coleção. As supressões em citações foram feitas por Marx e estão indicadas por “[...]”; os colchetes restantes são da edição brasileira. Ao final do volume, encontra-se a cronobiografia de Marx e Engels, bem como um resumo da situação do mundo em sua época. A Boitempo agradece a todos que colaboraram com esta edição: tradutor, revisoras, diagramadora e capista, bem como à sua equipe interna. A editora é grata ainda ao autor do texto de orelha, professor João Antônio de Paula, do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, e ao ilustrador Gilberto Maringoni, autor da imagem de Karl Marx que ilustra a capa desta edição. Julho de 2017 Apresentação à edição brasileira[1] José Paulo Netto Miséria da filosofia – o primeiro livro que Marx publicou como autor solo (o que dera à luz em 1845, A sagrada família ou A crítica da Crítica crítica, tivera Engels como coautor[2]) e o único que redigiu em francês – foi escrito entre janeiro e abril de 1847, em Bruxelas, e saiu em edição custeada pelo autor, com tiragem de oitocentos exemplares, em princípios de julho (Misère de la philosophie: réponse à la “Philosophie de la misère” de M. Proudhon, Paris/Bruxelas, A. Franck/C. G. Vogler, 1847). A obra de Proudhon (1809-1865) que é objeto da crítica de Marx fora publicada em Paris em outubro do ano anterior (Système des contradictions économiques ou Philosophie de la misère, Paris, Guillaumin, 1846, 2 v.[3]) e, semanas depois, um exemplar chegou-lhe às mãos, enviado por Engels. A crítica marxiana, à qual Proudhon nunca ripostou publicamente (embora tenha feito registros amargos e indignados em seus Carnets[4] e em sua correspondência, a par de anotações em seu exemplar de Miséria da filosofia), pôs fim a uma relação iniciada em Paris em setembro de 1844, quando Marx foi recebido por Proudhon em seu apartamento, na rua Mazarine, 36. Os encontros se repetiram até janeiro de 1845, quando o governo francês (em decisão do dia 16 daquele mês) obrigou Marx a abandonar o país (o que fez a 3 de fevereiro). Publicada a Miséria da filosofia, os dois homens jamais voltaram a se falar[5]. 1 Se as relações pessoais entre Marx e Proudhon se estabeleceram no segundo semestre de 1844, é fato que Marx travara contato com os textos proudhonianos antes de se mudar para Paris. Nisso, nada de extraordinário: no primeiro terço da década de 1840, Proudhon já era nome conhecido, em especial graças a seu ensaio, tornado célebre, O que é a propriedade?, de 1840[6]. E, realmente, Marx, à sua chegada a Paris, em outubro/ novembro de 1843 – na estância que se prolongaria até fevereiro de 1845 –, tem Proudhon na conta de “o maior socialista francês de então”[7]. Ainda em outubro de 1842, quando liderava a redação da Gazeta Renana, Marx elogia Proudhon e, menos de um ano depois, volta a citá-lo com simpatia numa carta a Ruge[8]. E continua a citá-lo com respeito ao cabo do primeiro semestre de 1844, quando a sua pesquisa sobre economia política – que abriu a investigação à qual dedicaria toda a sua vida – contava só com seis meses de avanço[9]. Com efeito, em pelo menos duas anotações dos seus cadernos de estudo (os Cadernos de Paris), a alusão a Proudhon, em passagens importantes, é dominantemente aprobatória[10]. E nos admiráveis Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844, redigidos entre fevereiro/março e agosto daquele ano, são pelo menos seis as referências explícitas a Proudhon – todas respeitosas, entretanto já com a discreta sinalização da necessidade de uma apreciação capaz de, simultaneamente, “reconhecer e criticar Proudhon”[11]. O espírito de tal apreciação está presente e explicitado em A sagrada família, texto substantivo de que Marx se ocupava no segundo semestre de 1844 e que, com uma modesta contribuição de Engels[12], foi publicado em finais de fevereiro de 1845, em Frankfurt, pelos editores J. Rütten e Z. Löwenthal. Sem grande audiência à época (repercutiu fundamentalmente apenas entre os círculos filosóficos alemães inscritos na dissolução do hegelianismo), o livro[13] é talvez o único dos materiais preparados por Marx para publicação que não exibe a excelência formal e estilística que caracteriza a sua obra e cuja leitura não é propriamente agradável[14]. No entanto, pesquisadores situados em espaços teóricos e ideológicos muito diversos conferem-lhe uma significativa relevância no processo de formação do pensamento marxiano[15]: marcando a ruptura de Marx e Engels com os “Livres de Berlim”, reunidos em torno de Bruno Bauer[16], A sagrada família é a primeira exposição pública dos princípios do materialismo histórico, que serão desenvolvidos n’A ideologia alemã[17]. Pois bem, n’A sagrada família há mais de três dezenas de referências a Proudhon, cujo pensamento tinha sido distorcido especialmente por Bauer; nelas, com ácida ironia, Marx defende Proudhon, cuidando de restituir o sentido verdadeiro das suas ideias. Em umas poucas passagens, que são emblemáticas do tratamento oferecido a Proudhon, é cristalino o espírito de “reconhecer e criticar Proudhon”. Numa delas, a meu juízo a mais significativa, o reconhecimento é franco, mas permeado por um matiz crítico. Diz Marx que: Assim como a primeira crítica de toda ciência está necessariamente implícita nas premissas da ciência por ela combatida, assim também a obra de Proudhon “Qu’est-ce que la propriété?” é a crítica da economia política a partir do ponto de vista da economia política. [...] A obra proudhoniana é, portanto, cientificamente superada pela crítica da economia política, inclusive pela economia política conforme aparece na versão proudhoniana. [...] Proudhon [...] submete a base da economia política, a propriedade privada, a uma análise crítica e, seja dito, à primeira análise decisiva de verdade, implacável e ao mesmo tempo científica. Esse é, aliás, o grande progresso científico feito por Proudhon, um progresso que revolucionou a economia política e tornou possível uma verdadeira ciência da economia política. O escrito de Proudhon “Qu’est-ce que la propriété?” tem o mesmo significado para a economia política moderna que o escrito de Sieyès “Qu’est-ce que le tiers État?” tem para a política moderna.[18] O matiz crítico sinaliza que, mesmo pondo em questão o suposto da economia política, Proudhon não transcende o espaço da própria economia política: a crítica da economia política significa a ultrapassagem da obra de Proudhon. Noutro trecho, mais adiante, Marx patenteia ainda mais nitidamente o limite da relevância do texto proudhoniano de 1840, que então considera como “um manifesto científico do proletariado francês”: porque ainda preso “às premissas da economia política”, Proudhon não é capaz de romper inteiramente com elas e não consegue dar ao seu pensamento “a elaboração que lhe seria adequada”; em suma, “Proudhon supera a alienação econômico-política no interior da alienação econômico- política”[19]. Vê-se que, n’A sagrada família, Marx tem Proudhon em alta conta e valoriza sua contribuição, como sempre citando O que é a propriedade?; discreta mas claramente, porém, pontua a existência de uma limitação elementar em sua concepção teórica. Marx, contudo, não vai além, e também não o fará n’A ideologia alemã[20], redigida a quatro mãos com Engels, fundamentalmente entre outubro/novembro de 1845 e abril de 1846, em Bruxelas[21]. No material constitutivo d’A ideologia alemã está a culminação do balanço (já iniciado n’A sagrada família) que Marx e Engels fazem da cultura filosófica alemã pós-hegeliana – de fato, um “acerto de contas” com seu passado recente. E se trata de um balanço mais inclusivo: n’A ideologia alemã faz-se a crítica do materialismo de Feuerbach, que tanto influíra até pouco antes sobre os dois jovens autores, e não apenas se dá continuidade ao trato a Bauer, mas a análise é estendida em detalhes a Stirner[22] e ao “socialismo alemão”, especialmente a Karl Grün, a quem voltaremos logo adiante. Sobretudo, é de notar que A ideologia alemã apresenta substantivos e essenciais esclarecimentos sobre a concepção de sociedade, história e cultura que Marx e Engels vinham desenvolvendo de forma original[23]. Um atento estudioso afirma que “somente com a redação d’A ideologia alemã [...] é que Marx chega à concepção materialista da história, que deveria constituir o ‘fio condutor’ de todos os seus estudos posteriores”[24]. Parece-me supérfluo indicar, nesta oportunidade, o caráter seminal d’A ideologia alemã, já suficientemente ressaltado por vários pesquisadores da obra marx-engelsiana[25] – aqui, só interessam as referências a Proudhon. E elas existem n’A ideologia alemã – ainda que sejam menos numerosas que as feitas n’A sagrada família, são expressivas. É de assinalar, inclusive, que ali as alusões a Proudhon excedem a citação do texto célebre de 1840 (O que é a propriedade?): a argumentação leva em conta De la création de l’ordre dans l’humanité [Sobre a criação da ordem na humanidade], publicado em 1843; para Marx, o aspecto mais importante nessa obra proudhoniana é “a tentativa de propor um método de pensar em que as ideias independentes são substituídas pelo processo do pensar” – tem-se a proposta proudhoniana da dialética serial e, nas poucas linhas que dedica a ela, Marx não aduz qualificações dignas de nota[26]. Numa observação em pé de página, que acabou riscada, ele diz que do “excelente escritor” Proudhon “os comunistas nada aceitaram além de sua crítica à propriedade”[27]. Adiante, contra Stirner (“São Sancho”), desmonta a acusação de que Proudhon “enrola” no trato (jurídico) da propriedade e não admite que a ele se impute um qualquer “sentimentalismo”[28]. Entretanto, é na crítica a Karl Grün, representante do “socialismo alemão” ou “verdadeiro socialismo”[29], que Marx faz uma reflexão – entre observações várias, nas quais reconhece a superioridade de Proudhon sobre essa figura menor, que inclusive posava de “professor” daquele – que assinala a dominância da sua posição agora abertamente crítica ao autor que antes admirava: o senhor Grün procura safar-se de abordar os argumentos econômico-políticos desenvolvidos por Proudhon e, ao mesmo tempo, procura se elevar acima deles. Todas as provas apresentadas por Proudhon são falsas, o que o senhor Grün descobrirá assim que outro autor vier a demonstrar isso.[30] E, de relevante, mais não se diz sobre Proudhon n’A ideologia alemã – cerca de apenas um ano depois, a Miséria da filosofia viria a fornecer elementos para demonstrar o que, na passagem acima, Marx tão somente pontua. Antes, porém, de passar à Miséria da filosofia, é necessária a remissão a polêmicas travadas por Marx e Engels nos meses imediatamente anteriores à redação deste último livro (que, não por acaso, é também designado como o Anti-Proudhon). O ano de 1846 marca, tanto para Marx quanto para Engels, a aceleração do processo do seu desenvolvimento teórico e prático-político. Essas duas dimensões estão intimamente enlaçadas: tal avanço teórico decisivo (registrado n’A ideologia alemã e, no caso de Marx, também nas Teses sobre Feuerbach) não é plenamente inteligível se não se considera a sua intensa atividade voltada para a organização de segmentos proletários (a criação do Comitê de Correspondência Comunista e a relação com a então Liga dos Justos)[31]. Contudo, a factual inserção de Marx e Engels no movimento revolucionário proletário efetivou-se implicando ásperos confrontos de ideias e duras polêmicas[32] – deflagrados não só pela originalidade do pensamento desses dois novos protagonistas, mas também pela compreensível vontade/necessidade de afirmação de ambos, muito jovens, na cena intelectual e política. Além de um enfrentamento entre Marx e Weitling (de março a maio de 1846)[33], Marx e Engels confrontam-se (de maio a outubro do mesmo ano) com Kriege[34], que, fora da Europa, propagandeava o confusionismo do eclético “socialismo verdadeiro”. É no quadro da crítica de Marx e Engels a esse “socialismo” que aparece o nome de Grün[35]. Karl Grün (1817-1887)[36] era um jornalista alemão que, obrigado ao exílio em 1844, viveu primeiro na França e depois na Bélgica, países nos quais frequentou os círculos alemães de esquerda, propagandeando neles o ideário próprio ao “socialismo verdadeiro”. Em 1845, em Paris, estabeleceu amistosa relação com Proudhon (de quem, aliás, traduziu ao alemão a Filosofia da miséria)[37] e, na sequência, procurou ...