Como a população pode lutar contra a corrupção

| Foto: Antônio More/Arquivo Gazeta do Povo

A antiga questão sobre as razões pelas quais o Brasil, apesar de rico em recursos naturais, é pobre, atrasado e desigual, sem conseguir crescer e elevar o padrão de vida médio de sua população, continua mais atual que nunca e segue no topo das tentativas de compreender o país, seus problemas e as soluções possíveis. Seguramente, há um leque de respostas com sentido, mas que parecem não dar conta de explicar a complexidade do atraso brasileiro. Há crença geral de que entre as causas do atraso estão o baixo nível educacional, o inchaço e a ineficiência do sistema estatal, a má gestão nos governos municipais, estaduais e federal, a ineficiência em certos setores privados, a baixa produtividade do trabalho, o elevado grau de corrupção, a má qualidade das instituições e a desconfiança da população em relação a elas.

Tudo isso pode ser verdade, mas o fato é que os estudiosos da sociedade brasileira seguem intrigados como se nenhuma resposta fosse suficiente para explicar por que há tempo o país praticamente não cresce e está para iniciar a terceira década deste século incapaz de conseguir um padrão de bem-estar social perto do padrão conseguido por vários países. Nos últimos anos, outros problemas foram agravados, ajudando a piorar as coisas, tais como: mais de 11 mil obras paralisadas no setor público; milionários salários, aposentadorias e pensões pagos a categorias privilegiadas de servidores, enquanto algumas categorias são mal remunerados; desperdício de dinheiro público; e infraestrutura física precária são alguns dos problemas que puxam o país para baixo, com medíocre crescimento deste os anos 1980.

Nesse amontoado de problemas, o tamanho e a complexidade da corrupção que contaminou o aparelho estatal, com a participação de setores privados, formam um capítulo especial da história brasileira, coloca o país como um dos mais corruptos do mundo, e é uma das principais causas de atraso, pobreza e miséria. As duas redes de corrupção mais barulhentas nos últimos tempos, pelos valores bilionários e o grande número de pessoas envolvidas, foram o mensalão e o petrolão. Há anos, semanalmente a população é bombardeada com denúncias e descobertas de fraudes, desvios, subornos e todo tipo de crime de corrupção, causando perplexidade geral e descrença na política e nos políticos.

É nesse cenário que circularam e circulam acusações à Lava Jato, promotores e juízes, por suposto desrespeito ao devido processo legal, prejuízo ao amplo direito de defesa, falta de imparcialidade e agressão ao estado de direito. Chegou-se a afirmar também, sobretudo no ambiente favorável ao petismo, que a Lava Jato perseguiu políticos, destruiu a política e deu prejuízos à economia. É possível até que tenha havido erros, falhas ou algum excesso. Afinal, não há seres humanos perfeitos nem instituições infalíveis. Se ocorreram, no entanto, foram pontuais e não sistemáticos, ocasionais e não estruturais. Mas, ainda nessas hipóteses, se um ou outro agente público cometeu equívocos ou mesmo ilegalidades no curso de investigações, processos e julgamentos, o que é preciso é que sejam identificados e devidamente responsabilizados. O que não faz sentido é retroceder no combate a essa chaga da sociedade brasileira, que é a corrupção.

Vale mencionar que o sistema judiciário brasileiro é um dos mais lenientes do mundo. O réu condenado em primeira instância por um juiz tem direito a recorrer à segunda instância, na qual é julgado por uma turma, se condenado ainda não é preso e pode recorrer à terceira instância. O que é evidente, elementar, é que nenhum policial, promotor ou juiz pode agir por conta própria fora das regras, dos procedimentos legais e acima dos limites de suas atribuições. Mas, se por hipótese isso houvesse ocorrido, usar essas eventuais falhas ou excessos para desmoralizar e tentar acabar com as ações de combate à corrupção seria uma inversão de valores completamente inaceitável, cujos únicos beneficiados seriam os corruptos e sua crença na impunidade.

O combate à corrupção, a eficiência do sistema judiciário e o fim da cultura da impunidade são necessários para civilizar o Brasil, ajudar a economia crescer, promover o desenvolvimento social, pôr fim à pobreza e contribuir com a paz e a segurança. O Brasil tem um imenso desafio de melhorar a qualidade de suas instituições e conquistar a confiança da população em sua eficácia. É um imenso desserviço atuar justamente em sentido contrário, enfraquecendo o prestígio de quem dedicou com sucesso parte de sua vida à luta contra a corrupção.

Conheça as 10 medidas contra a corrupção! de Politize!

A primeira das 10 medidas contra a corrupção: Prevenção

Em quatro projetos, esse ponto propõe aumentar a prevenção dos crimes de corrupção. Seriam eles:

  • Mecanismos de transparência mais rigorosos: tribunais devem fornecer informações sobre tempo de processos contra corrupção;
  • Testes de integridade para agentes públicos;
  • Destinar 15% da verba de publicidade para campanhas anticorrupção;
  • Garantia do sigilo da fonte de investigações relacionadas à prática de corrupção.

Dessas propostas, apenas a que obriga tribunais a adotar novos mecanismos de transparência foi aprovada na Câmara.

2) Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos

O único projeto dessa medida cria um novo tipo penal: o enriquecimento ilícito. Como se define esse crime? Segundo o MPF, seria a posse de bens e valores incompatíveis com aqueles que a pessoa consegue auferir com sua profissão. O condenado por enriquecimento ilícito teria que cumprir pena de 3 a 8 anos de prisão.

Essa medida não foi aprovada pela Câmara dos Deputados em votação na madrugada de 30 de novembro.

3) Penas mais rigorosas

Esse terceiro conjunto de medidas foca no lado da punição. Quem for condenado por corrupção terá de pagar mais por isso na Justiça. Para isso, há dois projetos:

  • Aumento das penas para corrupção: alguns tipos penais teriam penas maiores com a aprovação da lei. Eles seriam os mais lesivos ao patrimônio público, na visão dos autores da proposta:
  • Corrupção como crime hediondo: a corrupção seria considerada crime hediondo quando os valores desviados passassem de 100 salários mínimos (hoje, R$ 82.400). Estupro, latrocínio, sequestro e homicídio qualificado são exemplos de crimes hediondos, que não são suscetíveis de fiança, graça, anistia ou indulto.

O aumento das penas dos crimes de corrupção consta no texto aprovado pela Câmara no dia 30 de novembro. Entretanto, a corrupção passa a ser crime hediondo apenas quando envolver valores acima de 10 mil salários mínimos, e não apenas 100, como dizia o projeto original.

4) Melhorias no sistema de recursos

Os processos penais no Brasil passam por várias etapas e em vários momentos o réu pode pedir recursos à Justiça. O objetivo seria revisar decisões tomadas e garantir que o réu tenha seus direitos respeitados.

Mas, como você bem sabe, não são poucos os acusados de corrupção que, com um recurso após o outro, conseguem atrasar seu julgamento e até fazer as acusações prescreverem.

As soluções para esse problema?

  • Criar a categoria de “recursos manifestamente protelatórios“. Os juízes poderiam examinar um recurso e concluir que seu propósito é claramente atrasar o processo penal, para evitar a punição. Se isso acontecesse, a autoridade judiciária poderia determinar o trânsito em julgado da decisão recorrida (ou seja, o fim da ação judicial).
  • Criar um prazo para as vistas nos tribunais. Pedir vistas é um recurso que magistrados utilizam para estudar mais profundamente o caso e construir melhor sua decisão. Mas em muitas oportunidades as vistas acabam adiando indeterminadamente a decisão de um processo, já que não há prazo para que seja recolocado em pauta. Assim, o Ministério Público sugere criar um prazo de cinco sessões para que o juiz estude o caso e o coloque de novo em julgamento.
  • Mudanças no Código de Processo Penal que diminuiriam os recursos disponíveis ao réu.
  • Recursos extraordinários e especiais não poderão mais suspender o cumprimento de uma pena. Assim, depois de julgado o mérito da pena, seu início não será atrasado pelos últimos recursos disponíveis no processo.

Algumas dessas medidas foram aprovadas pela Câmara dos Deputados em 30 de novembro, como o pedido de vistas e a simultaneidade do julgamento de recursos extraordinários e especiais.

5) Julgamentos mais rápidos em casos de corrupção

Uma das questões que mais incomodam a população em relação ao trabalho da Justiça é sua morosidade. Parece que leva uma eternidade até que casos de corrupção recebam a atenção dos nossos juízes.

Para resolver isso, o MPF também inclui projetos de lei que visam a imprimir mais celeridade aos processos em caso de corrupção. São eles:

  • Tornar mais ágil o processo da Ação de Improbidade Administrativa. A fase de notificação preliminar do acusado, definida como “esdrúxula”, seria extinta.
  • Criar varas especializadas em Ações de Improbidade Administrativa.
  • Regulamentar os acordos de leniência.

A simplificação da ação de improbidade não foi aprovada pelos deputados federais. Os acordos de leniência também não ficaram de fora do texto final.

6) Reforma no sistema de prescrição penal

Define-se a prescrição como um prazo até o qual uma pessoa pode acionar a Justiça. É um mecanismo que remonta ao império romano e que serve tanto para que as pessoas corram atrás da garantia de seus direitos, quanto para que a própria Justiça não demore muito para agir.

Entretanto, a prescrição tornou-se uma forma de “ganhar” ações na Justiça por meio de seu protelamento. Essa estratégia é ainda mais exitosa quando os acusados possuem ótimos advogados (caso da maioria dos criminosos de colarinho branco).

Para resolver essa questão, o MPF elaborou um projeto de lei que aumenta os prazos de prescrição e congela o andamento da prescrição em alguns casos.

Entretanto, tal medida não consta no texto final aprovado pela Câmara dos Deputados em 30 de novembro.

7) Ajustes nas nulidades penais

Além da prescrição, outra forma comum de se livrar de uma pena por conta de corrupção é alegar a nulidade de processo criminal porque alguma prova usada para a sentença foi obtida ilicitamente (por meios que violam normas constitucionais).

O MPF propõe mudar o conceito de “provas ilícitas”, que é visto como muito amplo. Como qualquer violação de norma constitucional já é suficiente para que uma prova seja ilícita – segundo afirma o Ministério Público -, cria-se uma brecha para a anulação de inúmeros processos.

A medida que altera o conceito de provas ilícitas, originalmente apresentada nas 10 medidas contra a corrupção, não foi aprovada pela Câmara Federal.

8) Punições para partidos

A medida 8 é focada no ambiente eleitoral. O MPF propõe que os partidos políticos sejam passíveis de condenação por conta de crimes eleitorais. O caixa dois e a lavagem de dinheiro seriam punidos com multas entre 10% e 40% do valor do fundo partidário.

Outras medidas podem ser tomadas pelo juiz, como a suspensão do acesso ao fundo partidário e suspensão do funcionamento do diretório do partido que cometeu os crimes.

A suspensão de partidos, porém, foi rejeitada pelos deputados federais. Foram aprovados apenas o crime de caixa dois e as multas a partidos que cometerem tal delito. 

9) Evitar a ocultação de dinheiro desviado

Nesse ponto, o MPF faz duas propostas:

  • A prisão preventiva para que o acusado não oculte o produto do crime (por lavagem de dinheiro, por exemplo), e evitar que seja usado para fugir da polícia ou para sua própria defesa. Assim, há uma garantia maior de que não serão praticados novos crimes.
  • Multa a bancos que descumprem ordens judiciais. Muitas vezes os bancos são obrigados a prestar informações sobre acusados às autoridades. O MPF propõe que as instituições que não atenderem a ordens judiciais dentro do prazo sejam multadas.

Essas medidas foram retiradas do texto original ainda na comissão especial da Câmara, em meados de novembro.

10) Recuperação do lucro derivado do crime

Para recuperar valores adquiridos por causa da corrupção, o MPF propõe duas novas leis:

  • Confisco alargado. O Estado brasileiro passaria a confiscar toda a parcela do patrimônio do condenado que tenha origem ilícita, em caso de crimes de corrupção, contrabando, tráfico de drogas, entre outros. Essa é uma medida presente nas leis de vários países.
  • Ação de extinção de domínio. O condenado que tenha adquirido bens através de atividade ilícita perderá definitivamente seu direito sobre tais bens. Ele também não receberá qualquer compensação por isso.

Tanto o confisco alargado, quanto a extinção de domínio não constam no texto aprovado pela Câmara dos Deputados.

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Confira as 10 medidas contra a corrupção na íntegra!

Atualizado em 02 de dezembro de 2016.