Este artigo, escrito por Felipe Amorim, foi originalmente publicado na página Opera Mundi em novembro deste ano com o título "Israel, EUA, Coreia, Grécia e Ceuta: conheça cinco muros que ainda estão de pé". Há 25 anos, caía na Alemanha o Muro de Berlim. Para muitos, o episódio sinalizava o início de uma nova era, de expansão da globalização e diminuição das fronteiras — simbólicas e reais. Um quarto de século após a queda deste ícone da Guerra Fria, ainda persiste, espalhada pelo mundo, uma série de fronteiras muradas construídas para separar povos. Abaixo, selecionamos cinco desses "muros contemporâneos": CISJORDÂNIA - ISRAEL O Muro da Cisjordânia — ou "Muro da Vergonha", como é chamado pelos críticos da ocupação israelense — começou a ser construído em 2002, período da Segunda Intifada, e separa Israel do território palestino da Cisjordânia. Na época, foi dito que o intuito era impedir a entrada de palestinos para prevenir atos de terrorismo. Os que se opõem à barreira denunciam que o muro é uma ferramenta utilizada por Israel para, além de interditar as negociações de paz por estabelecer unilateralmente novas fronteiras, também anexar gradualmente porções do território palestino, muitas das quais passaram a abrigar assentamentos israelenses. Atualmente, a parede de concreto, ferro e arame farpado tem cerca de 440 quilômetros de extensão — se a construção da barreira for finalizada, cercando todo o território da Cisjordânia, o muro se estenderá para aproximadamente 700 quilômetros. ESPANHA - MARROCOS: MUROS DE CEUTA E MELILLA Ceuta e Melilla são o enclave espanhol na África e representam o resquício do colonialismo europeu no continente africano. Sob o domínio espanhol, as duas cidades fazem divisa com o Marrocos e estão muito próximas do Estreito de Gibraltar, pequeno intervalo oceânico que separa os dois continentes. Até os anos 1990, a divisão entre os territórios espanhol e marroquino era pouco perceptível, e o trânsito de pessoas de um local para o outro era comum. Com a institucionalização da União Europeia e a política de livre-circulação dos cidadãos europeus, a Espanha foi incentivada a apertar o cerco em suas zonas fronteiriças. Assim, foram erguidos os muros, que chegam, juntos, a 20 quilômetros de extensão, com o objetivo de impedir a imigração de africanos para a Europa. EUA - MÉXICO O muro construído pelos Estados Unidos na fronteira com o México é o símbolo da política anti-imigração norte-americana. Num esforço contra os chamados "coiotes", responsáveis por atravessar clandestinamente pessoas pela fronteira, Washington começou estabeler barreiras físicas entre as cidades de El Paso e Ciudad Juárez, e também entre San Diego e Tijuana. Com os ataques de 11 de Setembro de 2001, os EUA apertaram ainda mais o cerco, temendo que terroristas pudessem entrar em território norte-americano via México. GRÉCIA - TURQUIA: MURO DE EVROS A fronteira entre a Turquia e a Grécia era tida pela UE como a "porta dos fundos" para a entrada de imigrantes na Europa. Por esse motivo, a Grécia, o país europeu mais afetado pela crise econômica de 2008 e alvo de severas medidas de austeridade, resolveu investir 3,2 milhões de Euros (R$ 10,15 milhões) para erguer em 2012 um muro de mais de 10 quilômetros de extensão ao longo de um trecho da margem do rio Evros, fronteira natural que separa a o território europeu dos vizinhos turcos. COREIA DO NORTE - COREIA DO SUL Percorrida ao longo do Paralelo 38, a faixa de terra que divide a península coreana em dois países tem 250 quilômetros de comprimento. Após o armistício que interrompeu sem pôr fim formal à guerra entre os dois lados — símbolo do embate entre as duas superpotências durante a Guerra Fria: o norte comunista, e o sul capitalista —, a porção de território foi transformada em uma zona desmilitarizada. Ou seja, uma faixa "neutra" onde militares das duas Coreias podem transitar, mas sem cruzar a linha que demarca o território de cada um dos países. Sobre este autor Território O conceito de território é polissêmico. Dentre as concepções existentes, Haesbaert (2011) defende que a teoria mais consistente é a de Milton Santos: território usado, ou seja, o uso do espaço define o território. Seguindo a concepção de Raffestin (1993), o espaço pode ser considerado como a “prisão original”, enquanto o território seria a “prisão que os homens constroem para si”. Portanto, um mesmo espaço compreende múltiplas territorialidades. Territórios e globalização A globalização é, por vezes, entendida como processo de homogeneização da cultura global. Mas, para Milton Santos (1996), "cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. Santos analisa o fenômeno da globalização sob três perspectivas: apresentada como fábula, como perversidade e como possibilidade – “por uma outra globalização”. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula, o segundo seria o mundo tal como ele é, e o terceiro, um mundo como ele pode ser. Há um processo de descentralização do capital e de reorganização do espaço mundial. A globalização é, simultaneamente, um processo de homogeneização e de diferenciação. De homogeneização porque os grandes agentes da globalização impõem seus padrões pelo mundo afora e tendem a tornar tudo parecido. Os aspectos próprios do local definem as diferenciações. Fronteiras na Globalização As fronteiras são elementos de extrema relevância para compreensão da globalização, e de como esta não é homogênea. As fronteiras se tornam mais, ou menos, flexíveis de acordo com os interesses políticos e econômicos envolvidos no processo. Um exemplo bastante interessante é o da fronteira entre os Estados Unidos e o México. O uso da mão-de-obra barata dos mexicanos é relevante para o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos. Já, a presença de estrangeiros mexicanos em terras estadunidenses, não é vista com os mesmos “bons olhos”. Assim, o NAFTA é um projeto de integração movido por interesses, no qual o território é supostamente fortalecido, mas as fronteiras entre os próprios países integrantes do bloco são igualmente rígidas. Territórios na Globalização A globalização não é um fenômeno homogêneo, como comumente é referenciado (fábula). Algumas pessoas são incluídas precariamente neste processo, o que ocasiona fragmentações dentro dessa lógica globalizante. Neste contexto, surgem e se intensificam grupos específicos, responsáveis pela manutenção dos territórios, reafirmando sua existência para além dos processos desterritorializadores. A globalização é responsável por transmitir o sentimento de que os homens não possuem mais territórios, pois através das tecnologias informacionais, pode-se estar em diversos lugares em um mesmo momento. O que Haesbaert (2011) defende, é que existe uma “Multiterritorialidade”, uma sobreposição de territórios, pois, ao se “desterritorializar” o indivíduo se “reterritorializa” constantemente. Fim dos territórios? Segundo perspectiva do geógrafo Rogério Haesbaert, a desterritorialização é um mito, pois esta ação constitui novas territorialidades. Assim, diante da globalização, é pertinente pensar em um aspecto de multiterritorialidade. As velocidades e os ritmos de mudança são múltiplos e não excluem o território, mas geram múltiplas possibilidades de territórios, em um processo de reterritorialização permanente. Assim, tem-se o Espaço, e a partir dele uma Territorialidade, bem como um processo de Desterritorialização e consequente novo processo de Reterritorialização (que não acontece em absoluto), o que culmina em uma Multiterritorialidade. “Se a globalização só se ativa e se fortalece, como vimos, através de um emaranhado de redes cada vez mais amplas e complexas, nem por isso estas desempenham apenas um papel desterritorializador: elas podem muitas vezes, quando subordinadas a determinados limites ou fronteiras, fortalecer a coesão interna de um ou vários territórios” (HAESBAERT, 1995). Referências Bibliográficas e Sugestões de leitura: COURLET, Claude. Globalização e Fronteira. Ensaios FEE. V. 17. 1996. Porto Alegre. Disponível em: < http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/1834/2203>. Acesso em 01 nov. 2014. HAESBAERT, Rogério. O processo de des-territorialização e a produção de redes e aglomerados de exclusão. In: CASTRO, et al. (Orgs.) Geografia: conceitos e temas. Rio de janeiro, Bertrand Brasil, 1995. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 21ª edição. São Paulo: Loyola, 2011. MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Contexto, 2009. HAESBAERT, Rogério; LIMONAD, Ester. O território em tempos de globalização. Etc, espaço, tempo e crítica. N. 02. V. 04. 2007. Disponível em: http://www.uff.br/etc/UPLOADs/etc%202007_2_4.pdf>. Acesso em 01 nov. 2014. SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (Orgs.). Território: globalização e fragmentação. 4ª Ed. São Paulo: Hucitec, 1998. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003. Luana Caroline Kunast Polon (Mestre em Geografia). Publicado por: Luana Caroline Kunast Polon |