Como os cientistas investigam às formas de vida atuais e extintas

Como os cientistas investigam às formas de vida atuais e extintas
Projeto que reúne pesquisadores do Brasil e da França tenta reconstruir os estágios da evolução do planeta com base na análise de sedimentos geológicos em solo brasileiro; essa e outras iniciativas que miram os desafios do período conhecido como Antropoceno foram apresentadas na FAPESP Week France (formação do período Neoproterozoico; foto: James St. John / Wikimedia Commons)

Heitor Shimizu, de Paris | Agência FAPESP – A necessidade de encontrar alternativas para o futuro do planeta motivou um grupo de pesquisadores brasileiros e franceses a olhar para mais de 500 milhões de anos atrás, em uma tentativa de entender os muitos estágios da evolução da vida terrestre.

A pesquisa, apoiada pela FAPESP, foi apresentada no dia 25 de novembro por Magali Ader, professora do Institut de Physique du Globe de Paris, durante a FAPESP Week France.

“Encarar os desafios do Antropoceno [termo usado por alguns cientistas para descrever o período atual da história do Planeta Terra] exigirá que as sociedades humanas se ajustem às mudanças climáticas e encontrem novas fontes de energia. Algumas dessas fontes podem ser hidrogênio, água, hidrocarbonetos ou elementos raros e, para isso, é importante conhecer bem o sistema terrestre”, disse a pesquisadora.

O foco da pesquisa conduzida por Ader está em sedimentos geológicos no Brasil. A investigação conta com a colaboração do grupo do professor Ricardo Trindade, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

O Projeto Temático reúne mais de 30 cientistas do Brasil e da França. O objetivo do grupo é estudar o sistema terrestre e a evolução da vida durante o Neoproterozoico (entre 1 bilhão e 541 milhões de anos atrás), período de mudanças significativas na composição e na dinâmica do planeta, como o aparecimento de formas de vida complexa e a configuração dos continentes, além de variações importantes no clima.

"É muito importante poder trabalhar com o grupo do professor Trindade, porque temos especialidades complementares de pesquisa. Nesse trabalho, precisamos integrar cientistas de diferentes áreas e isso exige um financiamento substancial. Não há muitas agências no mundo dispostas a apoiar um projeto como esse e, felizmente, a FAPESP é uma delas. Por conta disso, o Brasil é um dos poucos lugares onde tal projeto poderia ser conduzido”, disse Ader à Agência FAPESP.

O efeito estufa

Ao mesmo tempo em que busca respostas no passado, a ciência tem de lidar com os desafios impostos pelas mudanças climáticas induzidas pela emissão de gases como dióxido de carbono (CO2), metano, óxido nitroso (N2O) e ozônio (O3)

Os gases do efeito estufa emitidos pela produção de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo foram o tema abordado por Janaina Braga do Carmo, professora do Centro de Ciências e Tecnologias para a Sustentabilidade da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na FAPESP Week France.

“O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar para a produção de etanol [energia renovável] e de açúcar. A gestão do solo, o uso de fertilizantes nitrogenados e de resíduos da produção de etanol, como vinhaça, torta de filtro e de palha pós-colheita, podem comprometer a sustentabilidade das culturas, aumentando as emissões de gases de efeito estufa”, disse.

Segundo Carmo, outra questão importante é a expansão da cana-de-açúcar em áreas de pastagem, caracterizando uma mudança no uso da terra – fato que pode alterar a dinâmica e o equilíbrio das emissões de gases de efeito estufa na agricultura brasileira.

“Buscamos conhecer as emissões de gases de efeito estufa durante o processo de conversão de pastagens para plantio de cana-de-açúcar, considerando práticas de manejo usuais. O objetivo é propor alternativas de gestão capazes de reduzir as emissões e aumentar a sustentabilidade do sistema de produção”, disse.

A pesquisa é conduzida no âmbito de um Projeto Temático e faz parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais, coordenado pelo professor Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP.

“Após o primeiro ano de medidas e análises, verificamos que as emissões resultantes do plantio de cana-de-açúcar são maiores do que as que existiam sob o domínio das pastagens. No entanto, ainda precisamos avaliar a fonte de nitrogênio usada no experimento”, disse Braga à Agência FAPESP.

Mitigação de gases

O impacto da microbiota do solo na mitigação dos gases de efeito estufa em florestas tropicais foi o tema da palestra apresentada por Tsai Siu Mui, professora e vice-diretora no Cena-USP.

Como lembrou a pesquisadora, os gases de efeito estufa retêm a energia térmica refletida pela superfície da Terra. No entanto, em solos de floresta tropical, como a Amazônia, elementos como o metano e o óxido nitroso são reciclados por meio de processos biogeoquímicos, com a participação ativa de microrganismos.

“Isso foi demonstrado pela medição de atividades microbianas subterrâneas juntamente com fluxos de gás”, disse Tsai, que coordena uma pesquisa no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.

Segundo a pesquisadora, microrganismos coordenam os processos ecológicos dos quais depende a vida, mas pouco se sabe sobre sua biodiversidade. O projeto de pesquisa por ela coordenado combina avanços no sequenciamento de ácidos nucleicos e em biogeoquímica de ecossistemas para investigar o controle do ciclo do metano ao longo de gradientes de uso do solo em florestas tropicais.

“Para responder a essas questões, estudamos as dimensões genética, filogenética e funcional da biodiversidade de bactérias e arqueias em dois fragmentos de floresta tropical ameaçados pelo desenvolvimento: um na Amazônia Oriental, em Rondônia, e outro em uma reserva da Amazônia Ocidental perto de Santarém, no Pará”, disse.

“Essas florestas abrigam uma gama de ecossistemas, características de solo e histórico de uso do solo. Já observamos uma redução de emissões de óxido nitroso quando a fauna natural está livremente presente na floresta”, disse.

A sessão teve também apresentação de François Moriconi, da Université Paris Diderot, que foi pesquisador visitante na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente e falou sobre sua colaboração com o Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR).

O simpósio FAPESP Week France acontece entre os dias 21 e 27 de novembro, graças a uma parceria entre a FAPESP e as universidades de Lyon e de Paris, ambas da França. Leia outras notícias sobre o evento em www.fapesp.br/week2019/france/.
 

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A origem da vida no planeta Terra é, sem dúvidas, um assunto que intriga toda a humanidade. Várias já foram as hipóteses criadas para explicar tal evento, porém até os dias atuais nenhuma foi completamente comprovada. Neste texto abordaremos algumas das principais ideias de gênese da vida.

Leia também: Abiogênese e biogênese: teorias que tentam explicar a origem da vida

Criacionismo

De acordo com o criacionismo, todos os seres vivos surgiram na Terra por meio de uma criação divina. Segundo essa ideia, Deus criou todos os seres vivos, incluindo os seres humanos, como está relatado na Bíblia. Essa ideia de origem da vida é uma das mais antigas e até hoje é aceita por muitos fiéis em torno de todo o planeta. Caso tenha maior curiosidade sobre esse tema, leia nosso texto: Criacionismo.

Panspermia

Panspermia é uma hipótese que afirma que a vida no planeta pode ter sido iniciada com base em partículas da vida que chegaram à Terra através do espaço. De acordo com o filósofo grego Anaxágoras, existiam sementes da vida em todo o Universo. Desse modo, a vida pode não ter sido originada aqui, e sim ter chegado ao planeta depois.

Essa ideia criou força no século XIX, quando os químicos Thenard, Vauquelin e Berzelius descobriram compostos orgânicos em amostras de um meteorito. Em 1871, o físico William Thomson propôs que meteoros ou asteroides, ao colidirem com planetas que continham vida, poderiam ter ejetado rochas contendo seres vivos. Assim, rochas contendo vida podem ter trazido ou colaborado com a origem da vida na Terra.

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De acordo com a teoria da panspermia, a vida pode ter chegado ao planeta por meio de um meteorito.

Fragmentos do meteorito Murchison, por exemplo, contêm mais de 80 aminoácidos diferentes. Além disso, esses fragmentos, que caíram na Austrália em 1969, contêm, além de aminoácidos, outras moléculas orgânicas fundamentais. Caso tenha maior interesse no assunto, leia nosso texto: Panspermia.

Leia também: Sistema Solar - origem, planetas, astros, curiosidades

Teoria de Oparin e Haldane

De forma independente, os cientistas Oparin e Haldane levantaram uma hipótese que é hoje considerada a mais aceita de origem da vida. Eles propuseram que a atmosfera primitiva da Terra apresentava compostos que sofreram a ação de raios e da radiação ultravioleta, dando origem a moléculas simples. Essas moléculas orgânicas ficavam nos oceanos primitivos, formando uma espécie de “sopa primitiva”.

De acordo com os pesquisadores, a atmosfera primitiva terrestre era composta basicamente por amônia, hidrogênio, metano e vapor d'água. O vapor d'água da atmosfera condensava-se e dava origem a chuvas. A água, ao cair no solo, evaporava-se rapidamente, uma vez que a superfície terrestre ainda era quente, dando inicio, desse modo, a um ciclo de chuvas. Nesse cenário observava-se ainda descargas elétricas e a radiação ultravioleta do Sol, que fazia com que os elementos atmosféricos reagissem e formassem compostos, os aminoácidos.

A água das chuvas levou esses aminoácidos à superfície terrestre. Esses, ao encontrarem condições favoráveis, começaram a formar estruturas semelhantes a proteínas. Com a formação dos oceanos, essas “proteínas primitivas” foram arrastadas para esses locais e formaram os coacervados, os quais podem ser definidos como agregados de proteínas rodeados por água. Após algum tempo, esses coacervados tornaram-se estáveis e mais complexos.

A ideia de Oparin-Haldane foi posteriormente testada pelos pesquisadores Miller e Urey, em 1953. Eles criaram um experimento em que foi possível simular as condições da Terra primitiva. O resultado foi impressionante, tendo sido eles capazes de produzir aminoácidos e outros compostos orgânicos. Desse modo, ambos concluíram que moléculas orgânicas podiam ser geradas de maneira espontânea em condições equivalentes às da Terra primitiva.


Representação do experimento realizado por Miller.

Entretanto, posteriormente, descobriu-se que a atmosfera primitiva provavelmente não era um ambiente como o sugerido por Oparin e Haldane. Ainda assim, mesmo considerando as novas descobertas para as características da atmosfera da Terra primitiva, foi possível produzir moléculas orgânicas.

Vale salientar também que a atmosfera primitiva poderia ser redutora em pequenas porções, como aquelas perto de aberturas de vulcões. Experimentos realizados nessas condições também geraram aminoácidos.

Alimentação do primeiro ser vivo: hipóteses autotrófica e heterotrófica

Além de compreender como os seres vivos surgiram, os cientistas também buscam saber como esses sobreviveram em um ambiente tão remoto. Muito se discute ainda se o primeiro ser vivo era autotrófico ou heterotrófico, sendo possível observar muita discordância entre os autores de livros didáticos nesse sentido. Veja a seguir essas duas hipóteses:

  • Hipótese heterotrófica: afirma que o primeiro ser vivo não era capaz de produzir seu próprio alimento. Desse modo, esses primeiros seres alimentavam-se de moléculas orgânicas que estavam presentes no meio. Os que defendem essa ideia afirmam que os seres vivos primitivos seriam muito simples e incapazes de produzir seu próprio alimento. Provavelmente esses organismos extraiam energia dos alimentos por meio da realização da fermentação.

  • Hipótese autotrófica: afirma que os primeiros seres vivos eram capazes de produzir seu próprio alimento. Os autores que sustentam essa ideia acreditam que a Terra não possuía moléculas orgânicas suficientes para alimentar esses primeiros seres. Entretanto, vale destacar que provavelmente os primeiros organismos conseguiram obter seu alimento pelo processo de quimiossíntese, que não necessita de energia luminosa, como a fotossíntese. Na quimiossíntese os seres vivos produzem moléculas orgânicas utilizando a energia química proveniente de compostos inorgânicos.

Leia também: Diferenças entre organismos autotróficos e heterotróficos


Por Ma.  Vanessa Sardinha dos Santos