Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

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Foto: Agência Brasil

O direito de manifestação é assegurado pelo artigo 5º, XVI, da Constituição Federal de 1988. E nos últimos anos, muitas pessoas saíram às ruas lutando pelos seus direitos, e colocando o conceito de movimento social em pauta.

E você, sabe o que são os movimentos sociais? O Politize! vai te ajudar a entender melhor!

Primeiramente, o que são movimentos sociais?

Os movimentos sociais são formados por grupos de indivíduos que defendem, demandam e/ou lutam por uma causa social e política. É uma forma da população se organizar, expressar os seus desejos e exigir os seus direitos. São fenômenos históricos, que resultam de lutas sociais, que vão transformando e introduzindo mudanças estruturais nas sociedades.

Mas como isso é feito?

Ações coletivas são usadas como forma de manifestação, como: passeatas, greves, marchas, entre outros.

Os movimentos sociais podem ser divididos em dois tipos:

  1. Conjuntural: movimento que surge devido uma demanda específica e tem curto prazo (por exemplo as manifestações sobre o preço da passagem);
  2. Estrutural: movimento que quer conquistar coisas a longo prazo (por exemplo os movimentos que lutam pelo fim do racismo).

Outro fato importante é que movimentos sociais podem ser favoráveis ao governo vigente, basta apoiarem as mesmas lutas com as quais o governo se identifica.

E atenção: movimento social é diferente de manifestação espontânea! Manifestações espontâneas acontecem, por exemplo, em estádios de futebol. Quando um grupo grande de pessoas está reunido por um objetivo comum, mas não se conhecem e não defendem os mesmos ideais.

Então, como surgiram no Brasil?

No Brasil, os movimentos sociais ganharam força na década de 70, por serem fortes opositores ao regime militar. O movimento estudantil pode ser destacado, pois nessa época grandes manifestações foram organizadas pelos estudantes, como a Passeata dos Cem Mil, assim como no período das Diretas Já e do impeachment do Fernando Collor, nas décadas de 80 e 90.

Confira: 5 vezes em que a juventude brasileira marcou a história do país!

Além disso, movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que lutam pelo direito a terra e moradia, também surgiram na década de 70 e na de 90. Ambos são considerados grandes movimentos sociais brasileiros.

Sugestão: Confira nossos posts sobre o MST e o MTST! 

Outro movimento, que ficou conhecido em junho de 2013, foi o MPL (Movimento Passe Livre): grupo responsável pelos protestos contra o aumento das tarifas dos transportes públicos. Essas manifestações ficaram conhecidas como “Jornadas de Junho” e iniciaram uma nova onda de movimentos sociais, levantando pautas como os movimentos sociais contemporâneos e o movimento social em rede.

Movimentos sociais contemporâneos  

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Os chamados novos movimentos sociais, ou movimentos sociais contemporâneos, surgiram através de uma série de lutas por reconhecimento e direitos civis. Por isso, eles tratam mais de assuntos voltados a questões éticas e de valores humanos, muito discutidos na sociedade e nas grandes mídias.

Agora, vamos ver alguns exemplos:

Movimento Negro

Apesar de já ser um movimento presente desde a época da escravidão, os negros ainda precisam lutar contra a discriminação étnica e racial. Atualmente, o sistema de cotas das universidades é uma de suas bandeiras.

Sugestão: Confira nosso post sobre o Movimento Negro!
Leia também: Direitos étnico-raciais: o que são?

Movimento Estudantil

Responsáveis por organizar a Passeata dos Cem Mil na década de 60, os estudantes dispunham de várias organizações representativas, como por exemplo a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UEE (Uniões Estaduais dos Estudantes. Também estiveram presentes nas manifestações em oposição ao governo Collor e mais recentemente na Mobilização estudantil de 2016.

A luta dos estudantes se concentra em garantir um ensino público de qualidade e não permitir cortes de verbas destinadas a educação.

Movimento Feminista

Pode ser dividido em três “ondas”:

A primeira onda, que podemos localizar temporalmente do fim do século XIX até meados do século XX, foi caracterizada pela reivindicação, por parte das mulheres, dos diversos direitos que já estavam sendo debatidos — e conquistados — por homens de seu tempo.

A segunda onda tem seu início em meados dos anos 50 e se estende até meados dos anos 90 do século XX. Foi nessa época que foram iniciados uma série de estudos focados na condição da mulher, onde começou-se a construir uma teoria-base sobre a opressão feminina.

Geralmente, o início da terceira onda é associado ao surgimento de movimentos punk femininos, cuja ideologia girava em torno da negação a corporativismos e da defesa do “faça você mesmo” (do it yourself).

Ou seja, o movimento feminista luta pelos direitos das mulheres e pela igualdade de gênero.

Sugestão: Confira nosso post sobre Movimento Feminista! 

Movimento LGBTQIA+

O movimento LGBTQIA+ (sigla que significa: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexual e mais), mais conhecido pela sociedade como Movimento LGBT, age em busca da igualdade social e de direitos e contra o preconceito.

Leia também: A história dos direitos LGBT+

Uma das ações mais conhecidas do movimento é a Parada do orgulho LGBT de São Paulo, que acontece anualmente na Avenida Paulista e atrai turistas de todo o mundo. O objetivo principal da Parada é a luta contra a LGBTfobia.

Leia também: Movimento LGBT!

Movimento Ecológico

Concentram-se nos projetos voltados a estudar o impacto do capitalismo no meio ambiente, reivindicando medidas de proteção ambiental.

Visa a conscientização da população e a fiscalização dos órgãos governamentais responsáveis por tratar dos assuntos ligados ao meio ambiente.

Tecnologia como aliada: os movimentos sociais em rede

A internet surgiu como uma construção de um novo espaço para debate e por isso as manifestações de 2013 foram um marco dos movimentos sociais em rede.

Através de redes sociais como Facebook, Twitter e Whatsapp, as informações sobre as manifestações – pontos de encontro, horários, vestimenta, entre outros – eram passadas de forma instantânea e atingiam um grande número de pessoas. Assim, foi construída a cultura do debate em rede.

Compartilhando conteúdo, informação e conhecimento, a internet tornou-se um espaço social, onde ideias e pontos de vista podem ser disseminados a todo instante. Um terreno fértil para os movimentos sociais se organizarem e atingirem mais militantes.

Apesar dos movimentos sociais parecerem muito ligados a nação na qual pertencem, você sabia que existem movimentos sociais que são transnacionais? É o caso do Fórum Social Mundial, um evento que é organizado por diferentes movimentos sociais pelo mundo e tem o objetivo de apresentar soluções para problemas contemporâneos de transformação social global, formando uma rede de globalização.

Conseguiu entender o que são movimentos sociais? Você parte de algum? Conta pra gente nos comentários! 

REFERÊNCIAS:

Significados

Significados 2

Nexo Jornal

Scielo

JusBrasil

Educação Uol

Slideshare

Já conhece nosso canal do Youtube?


Marcelo Badaró Mattos é Professor titular de História do Brasil da UFF. Graduado em História Social pela UFRJ e Doutor em História pela UFF. Texto originalmente publicado no boletim Correio da Cidadania, Edição 864 - 17/06/2013 a 24/06/2013. Disponível em http://www.correiocidadania.com.br/

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - O que é um movimento social? Quais são as suas principais características?

2 - Por que a Sociologia passou a utilizar a denominação de novos movimentos sociais, a partir da década de 1960? Quais eram as suas diferenças em relação aos movimentos anteriores?

3 - Quais são as principais características dos movimentos sociais neste século XXI?

Dialogando com a turma

1 - Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social? Em que momento? Como? Por quê?

2 - Como você percebeu os movimentos de milhões de pessoas que foram às ruas em 2013? Você participou ou não dos protestos daquele ano? Por quê?

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2011)

Na década de 1990, os movimentos sociais camponeses e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos. Na sociedade brasileira, a ação dos movimentos sociais vem construindo lentamente um conjunto de práticas democráticas no interior das escolas, das comunidades, dos grupos organizados e na interface da sociedade civil com o Estado. O diálogo, o confronto e o conflito têm sido os motores no processo de construção da democracia.

SOUZA, M. A. Movimentos sociais no Brasil contemporâneo: participação e possibilidades das políticas democráticas. Disponível em: http://www.ces.uc.pt. Acesso em: 30 abr. 2010 (adaptado).

Segundo o texto, os movimentos sociais contribuem para o processo de construção da democracia, porque:

(A) determinam o papel do Estado nas transformações socioeconômicas.

(B) aumentam o clima de tensão social na sociedade civil.

(C) pressionam o Estado para o atendimento das demandas da sociedade.

(D) privilegiam determinadas parcelas da sociedade em detrimento das demais.

(E) propiciam a adoção de valores éticos pelos órgãos do Estado.

2 - (ENEM, 2011)

Em meio às turbulências vividas na primeira metade dos anos 1960, tinha-se a impressão de que as tendências de esquerda estavam se fortalecendo na área cultural. O Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) encenava peças de teatro que faziam agitação e propaganda em favor da luta pelas reformas de base e satirizavam o "imperialismo" e seus "aliados internos".

KONDER, L. História das Ideias Socialistas no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

No início da década de 1960, enquanto vários setores da esquerda brasileira consideravam que o CPC da UNE era uma importante forma de conscientização das classes trabalhadoras, os setores conservadores e de direita (políticos vinculados à União Democracia Nacional - UDN -, Igreja Católica, grandes empresários etc.) entendiam que esta organização:

(A) constituía mais uma ameaça para a democracia brasileira, ao difundir a ideologia comunista.

(B) contribuía com a valorização da genuína cultura nacional, ao encenar peças de cunho popular.

(C) realizava uma tarefa que deveria ser exclusiva do Estado, ao pretender educar o povo por meio da cultura.

(D) prestava um serviço importante à sociedade brasileira, ao incentivar a participação política dos mais pobres.

(E) diminuía a força dos operários urbanos, ao substituir os sindicatos como instituição de pressão política sobre o governo.

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Pesquisando e refletindo

LIVROS

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BARRETO, Lima. Os bruzundangas: outras histórias dos bruzundangas. São Paulo: Ática, 1985.

Os Bruzundangas, publicado em 1923, é uma coletânea de crônicas que satiriza uma nação fictícia. A crítica do autor atinge os privilégios da nobreza e o poder das oligarquias rurais, denunciando a realidade marcada pelas desigualdades sociais.

CUNHA, Euclides da. Os sertões. 3ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

Obra publicada em 1902, misto de literatura com relato histórico e jornalístico. Em 1897, o autor havia sido enviado por um jornal, como correspondente, ao norte da Bahia, para fazer a cobertura do conflito de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro. Com base no que viu e no que pesquisou, escreveu essa obra.

FILMES

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ORGULHO E ESPERANÇA (Pride, Reino Unido, 2015). Direção: Matthew Warchus. Elenco: Bill Nighy, Imelda Staunton. Duração: 120 min.

Baseado em história real, o filme relata a solidariedade de ativistas gays e lésbicas à greve dos mineiros em 1984 contra o governo neoliberal de Margaret Thatcher. O destaque é a solidariedade de dois grupos diversos em prol de uma causa maior.

BRAÇOS CRUZADOS, MÁQUINAS PARADAS (Brasil, 1979). Diretores: Roberto Gervitz e Sérgio Toledo. Duração: 76 min.

Documentário que faz uma análise da estrutura sindical a partir da greve dos metalúrgicos paulistas de 1978 e da luta pela direção do sindicato que, desde a época de Getúlio, era controlado por um grupo ligado ao governo.

INTERNET

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VÍRUS PLANETÁRIO - MOVIMENTOS SOCIAIS: http://bit.ly/1gkwhso

Espaço criado por estudantes universitários para debater sobre vários temas como sociedade, política, cultura, mídia etc. Apresenta uma série de informações sobre os atuais movimentos sociais brasileiros. Acesso: Janeiro/2016.

MOVIMENTO PASSE LIVRE - São Paulo: http://goo.gl/0X6Hms

Site que contém várias publicações e uma seção de vídeos e filmes que registraram os movimentos pelo transporte gratuito em diversas capitais do Brasil. Acesso: Janeiro/2016.

MÚSICAS

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COMPORTAMENTO GERAL - Autor e intérprete: Gonzaguinha.

A letra é um exemplo do mais puro sarcasmo sobre a alienação e a submissão da classe trabalhadora brasileira nos tempos da ditadura militar de 1964. Vale a pena ouvir e discutir com os colegas: afinal, será que a letra da música continua atual?

O MESTRE-SALA DOS MARES - Autores: João Bosco e Aldir Blanc. Intérprete: Elis Regina.

Samba que faz referência à Revolta da Chibata e ao seu líder, João Cândido, ocorrido em 1910. O movimento era contra os castigos corporais que existiam na Marinha do Brasil da época, cujas vítimas eram os marinheiros negros, mesmo 21 anos após o fim oficial da escravidão.

FILME DESTAQUE

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"V" DE VINGANÇA

(V for Vendetta)

FICHA TÉCNICA:

Direção: James McTeigue.

Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea

Duração: 132 min.

(EUA, 2006)

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FONTE: Warner Bros/ James McTeigue

SINOPSE:

Filme de ficção onde, numa Inglaterra do futuro, um regime totalitário oprime os indivíduos. Umas das personagens, Evey Hammond, é salva de uma situação de vida ou morte por um homem mascarado, conhecido apenas pelo codinome V. Esse mascarado, muito carismático, convoca o povo a se rebelar contra a tirania e a opressão do governo inglês, provocando uma verdadeira revolução.

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Aprendendo com jogos

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Búzios, ecos da liberdade

(Universidade do Estado da Bahia/ FAPESB, 2010)

A LIBERDADE É DE TODOS OU NÃO É LIBERDADE.

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FONTE: Divulgação: UNEB

O game simula o contexto da sociedade baiana no século XVIII, em especial no período da Revolta dos Búzios, criando um espaço virtual para a construção de novos olhares sobre o evento e sua relação com o contexto histórico.

Como jogar:

1. Obtenha uma cópia gratuita do jogo em http://goo.gl/kLSwwv

2. Navegue pela história da Revolta dos Búzios por meio do jogo, aprofunde o conhecimento em fontes históricas que abordem o evento e o seu contexto. Caracterize o contexto social, político e econômico da Revolta dos Búzios.

3. Faça uma leitura do Capítulo 15 e identifique as características dos movimentos sociais exemplificando com acontecimentos do jogo.

4. Relacione as questões que ainda permanecem relevantes para pensarmos os movimentos sociais neste início de século.

5. Visite a sede de um movimento de sua cidade ou bairro (dentre algumas possibilidades, pode ser um centro comunitário, a federação local dos movimentos populares, um grêmio estudantil ou a União Municipal dos Estudantes Secundaristas, uma associação de trabalhadores rurais, uma ONG ambientalista ou até um sindicato), entreviste as pessoas da organização visitada.

6. Assista o documentário Justiça (Maria Augusta Ramos, 2004) e discuta, reflita sobre a criminalização da pobreza e o papel do Poder Judiciário. Observe como, mesmo sem ler o processo, a juíza do caso condenou o acusado por roubo. Você pode assistir o documentário aqui: https://goo.gl/6MG4e1

7. Relate o que aprendeu com o jogo e o documentário em sala de aula.

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Capítulo 16 - "Na telinha da sua casa, você é cidadão?" O papel da mídia no capitalismo globalizado

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LEGENDA: Vivemos na "sociedade da informação". Nós somos bem informados? Na foto, um engenheiro de vendas fazendo a demonstração de um novo aparelho que, através da linha telefônica, apresenta serviços de TV, internet, videolocadora, gravação de programas, além da telefonia.

FONTE: Ana Carolina Fernandes /Folhapress

O conhecido sociólogo francês Pierre Bourdieu (1997), em um de seus livros, fez afirmações muito fortes tanto em relação à televisão quanto aos apresentadores de programas:

Boxe complementar:

A televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população.

(...) a televisão não é muito propícia à expressão do pensamento.

(...) essas palavras fazem coisas, criam fantasias, medos, fobias ou, simplesmente, representações falsas.

(...) eles podem impor ao conjunto da sociedade seus princípios de visão de mundo, sua problemática, seu ponto de vista.

(cf. BOURDIEU, 1997, p. 23, 39, 26, 66)

Fim do complemento.

Será que num mundo globalizado, onde temos acesso a várias informações, podemos ser tão manipulados assim pelos programas transmitidos pela TV? O que você acha dessas fortes afirmações de Pierre Bourdieu (1997)?

Para compreender melhor essas ideias, apresentaremos, neste capítulo, entre outras coisas, os meios de comunicação de massa (ou as denominadas mídias) e as relações sociais, no novo contexto da globalização.

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Uma revolução que não para...

Você já deve estar acostumado a receber muitas informações todos os dias. Não é verdade? Mesmo quem não tem acesso rápido à internet, aos jornais ou aos celulares, possui algum meio de comunicação de massa, como TV ou rádio. Assim, como o próprio nome permite entender, os meios de comunicação de massa correspondem a todas aquelas mídias - ou seja, os suportes necessários à transmissão de informações - que podem atingir a maior parte da população do planeta.

O acesso a diversos meios como a internet, celulares etc. está crescendo em nível mundial. Até a televisão está acompanhando os avanços das novas tecnologias. Atualmente, podemos acompanhar pela TV uma guerra ao vivo do outro lado do planeta. Podemos conversar com várias pessoas na Europa ou na China ao mesmo tempo. O fato interessante é que tanto nas grandes cidades como nas pequenas algumas pessoas estão utilizando cada vez menos os correios e os telefones convencionais para se comunicar, dando preferência aos celulares, aos e-mails, aos chats, ao WhatsApp, ao Facebook, ao Twitter, ao Instagram etc. Ou seja, recursos em que você se comunica de forma instantânea. O incrível é que com alguns desses recursos você pode tirar uma foto e, imediatamente, enviá-la para alguém distante. Para muitos estudantes, até uma simples pesquisa ficou mais fácil, pois, se antes era necessário deslocar-se fisicamente até uma biblioteca, hoje é possível consultar uma de Portugal através da internet ou fazer uma pesquisa sobre determinado assunto por meio de um programa de "buscas" por imagens, vídeos, textos ou até livros disponíveis gratuitamente na rede, como é o caso, por exemplo, de sites como o Google e o YouTube.

Como podemos observar, o desenvolvimento das novas tecnologias da informação está revolucionando hábitos, costumes e modos de pensar dos povos e indivíduos. E é um desenvolvimento que não para. Podemos constatar hoje em dia que as chamadas redes sociais - exatamente os sites de relacionamento já citados, como Facebook e YouTube - cumpriram um papel importante de mobilização da juventude durante grandes revoltas de caráter popular, como foi o caso, por exemplo, da chamada Primavera Árabe, que teve início na Tunísia, em 2010, e se espalhou por todo o Norte da África e Oriente Médio, derrubando ditaduras que se encontravam no poder há décadas, não só o caso da própria Tunísia, mas também do Egito, da Líbia e do Iêmen! No Egito, ficaram famosos os protestos que ocuparam a Praça Tahrir, em 2011. Da mesma forma, na mesma época, e se espalhando por todo o ano de 2012, a internet foi um instrumento de organização dos protestos dos estudantes chilenos, que exigiam educação pública e gratuita; e do grande número de jovens desempregados e dos trabalhadores em greve na Espanha, na Grécia e em Portugal, entre outros países, que lutavam contra as medidas de "austeridade econômica" que seus governos, mediante as ordens da União Europeia, procuravam impor a toda a população. Para além da Praça Tahrir, ganharam destaque as manifestações de junho e julho de 2013, onde milhões de brasileiros foram às ruas reivindicar a diminuição dos preços das passagens, protestar contra as políticas do Governo Federal etc. Muitas dessas manifestações ocorridas em todo o Brasil foram mobilizadas, organizadas e divulgadas ao vivo pelas redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube. Nesta época uma nova forma de divulgação foi colocada a serviço dessas manifestações: a transmissão ao vivo pela internet, uma delas denominada Mídia Ninja.

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LEGENDA: O acesso a diversos meios de comunicação depende deles: os satélites. Na foto, antenas de retransmissão de satélites.

FONTE: Diego Felipe

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Então, por tudo que descrevemos acima, já deu para reparar que esses meios de comunicação de massa como jornais, rádio, TV, internet, celulares. São muito importantes em nossas vidas, e mesmo quem não tem acesso a todos esses recursos de alguma forma sofre a interferência deles, pois muitas decisões são tomadas por governos ou pessoas que interferem na política, na cultura e nas nossas opiniões sobre os acontecimentos do mundo.

Essa reflexão é importante porque podemos afirmar que as mídias, além de informar e nos colocar em contato com outras pessoas, são importantes agentes de socialização, ou seja, contribuem para que aprendamos muitas coisas e nos fazem interagir com o mundo. Já desenvolvemos esse tema no capítulo sobre a socialização dos indivíduos. Mas também é importante ressaltar que essas mídias podem ser consideradas como instituições sociais. Por exemplo: a Rede Globo, que já existe há mais de 40 anos, é uma empresa capitalista, mas também é uma organização social que influencia a vida de milhões, formando opiniões, socializando e contribuindo para constituir as identidades das pessoas, sejam jovens ou adultos. Quantas vezes nos reunimos em família ou em grupos de colegas e amigos para ver novelas, programas humorísticos ou programas dominicais de variedades? Será que um simples exemplo pode estimular nossa imaginação sociológica? Mas o que dizem os especialistas sobre os meios de comunicação de massa?

A opinião dos especialistas

Como as mídias interferem em nossas vidas? Por que elas são consideradas um elemento importante de socialização das pessoas? Essas perguntas foram motivo para que alguns especialistas teorizassem sobre os meios de comunicação de massa. Vejamos alguns.

O professor canadense Marshall McLuhan (1971) definiu, de forma bastante polêmica, o fenômeno da comunicação. Ele afirmava: "o meio é a mensagem". Ou seja, mais importante do que a análise do conteúdo de uma mensagem seria a análise do seu veículo. Concluindo, daí, que um mesmo conteúdo exposto num livro, gibi, transmitido numa rádio ou na TV teria efeitos diferentes.

McLuhan (1971) analisa os canais de comunicação a partir da sua classificação em três etapas:

Boxe complementar:

- a civilização oral, através da palavra falada e pelos gestos;

- o surgimento da escrita e da sua explosão no século XVI, com a invenção da imprensa, que ele denominou de Galáxia de Gutenberg;

- a etapa da Galáxia de Marconi, com o surgimento dos meios de comunicação como rádio, cinema e a TV.

Fim do complemento.

McLuhan escreveu no final de 1960 e início dos anos 1970. Ele foi um dos primeiros a afirmar que a mídia eletrônica estava transformando a vida em uma aldeia global, ou seja, as pessoas espalhadas pelo mundo acompanhavam os acontecimentos e, de certa forma, participavam juntas deles. Essa observação de McLuhan, com o passar dos anos, ficava mais clara para um número cada vez maior de pessoas. Você sabe, por exemplo, o que as pessoas sentiram ou disseram quando, em 11 de setembro de 2001, o World Trade Center caiu com os ataques dos aviões em Nova York? Pergunte aos seus parentes, vizinhos ou professores.

Outro sociólogo que trouxe uma contribuição importante para essa discussão foi o alemão Jurgen Habermas, que foi integrante de um grupo de pensadores que ficou conhecido como a Escola de Frankfurt. De fato, formavam uma escola, porque estudavam e produziam juntos diversos conhecimentos sociológicos. Este grupo inventou o termo indústria cultural, que se refere ao fato de que a cultura, com suas diversas manifestações, passou a ser produzida de forma padronizada e comercialmente. Habermas (1984) falava que a indústria cultural transformou a discussão dos interesses públicos - que ele chamava de esfera pública -, como, por exemplo, a política e a democracia, em interesses comerciais que beneficiam os interesses privados.

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Ele diz, entre outras coisas, que as discussões políticas são encenadas nos parlamentos e na mídia e que os reais interesses públicos são manipulados e controlados pela mídia.

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LEGENDA: O sociólogo Jurgen Habermas produziu estudos e reflexões relevantes sobre a indústria cultural.

FONTE: Juan Esteves/Folhapress

Ainda sobre o tema (indústria cultural), outro pensador que apresentou uma reflexão importante foi Walter Benjamin (1989). Ele afirmava que, como os produtos culturais criados pelos homens foram submetidos à ideia de consumo, eles foram transformados em mercadorias e passaram a ser fabricados em série - ou, seguindo a lógica do mercado, valorizados como bens de luxo, de alto custo e de difícil acesso. Isto vale, por exemplo, para as obras de arte: algumas exposições se transformam em grandes eventos turísticos, às vezes viajando o mundo e se deslocando entre diversos museus ou sendo expostos em praças públicas.

Walter Benjamin, dessa forma, diz que a indústria cultural massifica a cultura e as artes para o consumo rápido no mercado da moda e na mídia. Massificar é banalizar as artes e a produção das ideias e, também, de certa forma, vulgarizar os conhecimentos. Uma filósofa brasileira, Marilena Chauí (1995), falando sobre o papel da indústria cultural em nossas vidas, diz que ela é feita para vender cultura e para tal deve agradar e seduzir o consumidor. Essa indústria não pode provocar, chocar, perturbar ou fazer o consumidor pensar nas informações novas. Segundo Chauí, o que a indústria cultural deve fazer, para ser eficiente e eficaz, é oferecer ao consumidor coisas e ideias já conhecidas, vistas e feitas com novas aparências.

O francês Jean Baudrillard (1991) foi outro que teorizou sobre a mídia de massa. Para ele, o impacto das mídias no mundo contemporâneo produz um impacto na vida das pessoas muito mais profundo do que qualquer outra tecnologia. Para ele, a TV, por exemplo, não serve somente para representar o mundo, mas principalmente para definir como é este mundo em que vivemos. Diz ainda que não existe apenas uma realidade, mas uma hiper-realidade, ou seja, um mundo de "simulacros" em que o importante são as imagens sobre um fato, que podem não significar o fato realmente ocorrido. Uma ideia muito parecida com a de Marshall McLuhan (1971), ou seja, o meio é a mensagem. Quantas vezes já vimos, por exemplo, os comerciais de TV que tentam vender produtos sem qualidade, mas com ótima produção de marketing, que seduz o público - ou porque uma personalidade famosa está recomendando? Um exemplo parecido vindo do intelectual brasileiro Muniz Sodré afirma que a TV é uma máquina de identidade coletiva (SODRÉ, 1990). O que faz da informação massiva um simples efeito de gestão das consciências e uma forma dissimulada de governo.

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LEGENDA: Indústria cultural: vender, seduzir, agradar...

FONTE: Acervo dos autores

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FONTE: Nico

Para o autor, a televisão oferece ao espectador um espaço e um tempo simulados. Ela cria o que ele chama de telerrealidade ou telepresença, ou seja, o simples fato de estar ligado, o aparelho receptor é o elemento capaz de ligar o telespectador, de amenizar a absurda solidão que possa sentir, como indivíduo, na massa gigantesca da grande cidade. Uma das formas desse indivíduo combater a sua solidão é exatamente a tentativa de buscar momentos de felicidade através da aquisição dos produtos vendidos pela propaganda.

Assim, o que é veiculado pela TV conquista a cada dia o monopólio da verdade, da fala sobre o mundo. A verdade dá lugar à credibilidade de quem está dizendo e não interessa o que é dito. Na TV, as coisas se justificam por sua própria circulação, pelo mero passar na TV, e não pelo seu conteúdo.

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LEGENDA: Será que a TV, como diz Muniz Sodré, conquista, a cada dia, o "monopólio da verdade"?

FONTE: César Rodrigues/Fplhapress

Podemos citar como exemplo o caso do MST, onde a visão que se passa nos meios de comunicação é de que se trata de um grupo de radicais, invasores de propriedades e bandos armados contra a ordem pública. O que tem maior credibilidade? Uma manchete em um jornal ou em capa de revista semanal como, por exemplo, "MST ensina táticas de guerrilha aos sem-terra" ( O Globo, 13/6/99) e, dez anos depois, "MST destrói plantação de laranjas" (Folha de São Paulo, 06/10/2009)? Ou o depoimento dos sem-terra sobre suas condições de vida e suas principais reivindicações? Por que não é veiculada na mídia, neste caso, a informação sobre a concentração de terras por parte de poucos proprietários no Brasil, impedindo que se produzam alimentos baratos?

Confirma-se a ideia de Muniz Sodré (1990) que ao indivíduo isolado se oferece uma interpretação parcial dos fatos. Esta visão parcial, ao final, aparenta ser "a única verdade", o fato considerado como "incontestável".

É interessante notar que, pelas oportunidades de informações que existem no Brasil, reveladas numa pesquisa feita pelo IBGE, em 2001, a influência da mídia televisiva pode ter um efeito considerável. Pois vejamos as disponibilidades de meios de informação e formação existentes nos 5.506 municípios brasileiros:

- 93% não dispõem de cinemas;

- 85% não têm museus nem teatros;

- 65% não apresentam livrarias, nem lojas de CDs ou fitas; e em

- 25% não existem bibliotecas.

Em compensação, 99% do território nacional são cobertos pelas grandes empresas de mídia, dentre as quais a Rede Globo, que concentra a maior parte dos veículos de comunicação, como emissoras de TV e rádio, e jornais impressos. Veja a tabela a seguir:

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Tabela: equivalente textual a seguir.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

FONTE: Dados compilados por FONSECA, 2010, p. 38. Tabela reproduzida pelos autores.

Outro fator relevante na análise dos efeitos da mídia, como se pode perceber nessa tabela, é a publicidade. Esta é um poderoso instrumento estimulador da produção e do consumo de massa. É o elemento que se impõe como dispositivo técnico de gestão da vida do cidadão-consumidor por meio da sedução, da persuasão e da motivação. Numa comparação mais profunda, implica poder de governo para quem a domina.

Essas considerações nos levam à indagação de como a humanidade teria alterado sua autoconsciência e também a consciência do mundo, através da evolução dos meios de comunicação. Deve-se registrar, de qualquer forma, que antes do advento e da propagação dos meios de comunicação de massa, existiam outros mecanismos ou instituições - como as diversas religiões e Igrejas, por exemplo - que incidiam de forma direta sobre as visões de mundo dos indivíduos - o que estamos chamando aqui de sua "consciência do mundo". O mundo influenciado pelas mídias apresenta essa autoconsciência em outro patamar, mas - atenção! - sem ignorar os velhos mecanismos de formação das consciências. Só para ilustrar o que estamos afirmando, basta pensar no mesmo exemplo das religiões e igrejas e perceber o alcance e o poder que elas têm hoje através de programas que financiam em inúmeras redes de rádio e TV, e enquanto proprietárias de uma extensa rede de meios de comunicação de massa.



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Ciências Sociais e Ciências da Natureza

Assim como a eletricidade é um fenômeno estudado pela ciência chamada Física, como os organismos que possuem células são estudados pela Biologia e os elementos oxigênio e carbono são objetos de estudo da Química, a Sociologia estuda os fenômenos sociais. Ou seja, as relações que os indivíduos estabelecem entre eles próprios, gerando normas de comportamento, atitudes, formação de grupos e elaboração de ideias sobre os mesmos grupos. Sinteticamente, estes são os objetos de estudo da Sociologia.

Émile Durkheim, considerado "pai" da Sociologia acadêmica, afirmou que os fenômenos sociais são sui generis, isto é, o seu entendimento requer uma ciência específica para seu estudo. Sui generis é um termo do latim, que significa, literalmente, "de seu próprio gênero", ou seja, "único em seu gênero".

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FONTE: Public-domain-image.com

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Vejamos um exemplo:

Boxe complementar:

Recentes estudos já comprovaram que o cigarro faz mal à saúde. Todos sabem disso, mas um professor de Química pode nos explicar que os elementos químicos encontrados no cigarro (alcatrão e nicotina) causam uma determinada reação no organismo, o que, ao final de alguns anos, pode provocar câncer de pulmão. Por sua vez, a Biologia vai explicar como esses elementos químicos deterioram os pulmões, cuja função é vital para o corpo humano.

Tudo bem! Mas por que as pessoas que sabem disso continuam fumando?

Bom, para responder a esta pergunta podemos procurar a Psicologia. Talvez afirmando que os fumantes são facilmente influenciados por outros e por alguma publicidade. Esta seria uma forma de explicação sobre o comportamento das pessoas que fumam.

Mas será somente essa a explicação? E por que se produzem maços e maços de cigarro, já que as indústrias sabem que é prejudicial à saúde? Por que o governo, por um lado, apesar das novas regras de propaganda, permite a venda de cigarros e, por outro, proíbe, por exemplo, a venda de maconha?

Certamente a Química não pode dar uma resposta, nem mesmo a Biologia. Aqui, então, entra em cena a Sociologia, que vai explicar os interesses econômicos das grandes multinacionais, cujo objetivo é o lucro - legitimado pela maioria dos governos do mundo e principal fator da existência do capitalismo. O capitalismo é um sistema econômico, social e político que é objeto de estudo da Sociologia.

Enfim, os efeitos químicos do cigarro são objetos sui generis da Química e as consequências orgânicas para os pulmões são objetos sui generis da Biologia. Entretanto, o motivo que leva pessoas, proprietários das fábricas de cigarro, a produzir o cigarro é objeto sui generis de estudo da Sociologia.

Fim do complemento.

Portanto, nesse exemplo, podemos compreender que para se entender o uso do cigarro na sociedade é necessário entendê-lo sob o ponto de vista da Química, da Biologia e da Psicologia - assim como da Sociologia.

Este é somente um exemplo que a Sociologia nos mostra para podermos entender uma questão básica: nossa vida cotidiana é social, ou seja, não estamos sós no mundo. Estabelecemos relações com outros indivíduos e criamos regras de convivência. Algumas já existiam quando nascemos e, provavelmente, existirão depois de nosso falecimento. Concluímos, então, que o indivíduo é um produto social, isto é, o que as pessoas fazem é condicionado, muitas vezes, pela convivência com outros indivíduos e grupos de indivíduos.

Neste sentido, a preocupação central da Sociologia é com o ser humano e suas relações sociais, pois entende-se que os indivíduos não são isolados. Ao contrário, relacionam-se uns com os outros e formam grupos sociais, com regras de comportamento e atitudes diversas na família, na escola, no trabalho, no lazer e em outros espaços de convivência cotidiana.

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LEGENDA: Se o fumo é prejudicial à saúde, por que é tão difícil para algumas pessoas deixar de fumar?

FONTE: Bruno Galvão

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Mas estas regras de comportamento não são estáticas; pelo contrário, são bastante dinâmicas. Ou seja, na História da humanidade, homens e mulheres modificam seus comportamentos, atitudes e formas de lidar com a realidade. Exemplo disto é a existência do divórcio, recurso de que nossos avós e bisavós não podiam se utilizar quando a união matrimonial não mais satisfazia o casal.

Além disso, existem sociedades que são bem distintas da nossa e que estabelecem regras diferentes de comportamento neste mesmo período histórico em que vivemos atualmente. É o caso se compararmos formas de matrimônio encontradas nas sociedades que seguem os preceitos das religiões muçulmanas (baseadas na poligamia) com aquelas encontradas, por exemplo, no Brasil (baseadas na monogamia).

A Sociologia, além de estudar as relações sociais e os comportamentos dos indivíduos e dos grupos sociais, questiona o porquê da existência de conflitos entre estes grupos, as razões de indivíduos e grupos quando tentam quebrar as regras de funcionamento das sociedades, ou quando criam movimentos para questionar ou legitimar essas mesmas regras. Neste caso, é quando se formam os chamados movimentos sociais como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, o Movimento dos Sem-Teto, o Movimento Estudantil etc.

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LEGENDA: A Sociologia nos ajuda a refletir sobre nosso cotidiano. Na foto, professores reunidos no centro do Rio de Janeiro, em 2008, para iniciarem um passeio de reconhecimento e estudo sobre a influência da população negra na história da cidade.

FONTE: Luiz Fernandes

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LEGENDA: Charles Wright Mills (1916-1962), o sociólogo que elaborou o termo "imaginação sociológica".

FONTE: Shutterstock

O sociólogo norte-americano Charles Wright Mills escreveu um livro, muito interessante, chamado A imaginação sociológica, publicado pela primeira vez em 1959. Nesse livro, com o objetivo de explicar a importância da Sociologia, Wright Mills diz que essa ciência representa uma qualidade do espírito humano que nos ajuda a perceber o que está ocorrendo no mundo e como nos situamos neste mundo. Mas como?

Bom, ele dá o exemplo simples do desemprego. Ou seja, quando, em uma cidade de milhares de habitantes, somente um indivíduo está desempregado, isto é um problema pessoal desse indivíduo. E para entender este problema, talvez tenhamos que observar o caráter dessa pessoa, suas habilidades e suas oportunidades. Porém, quando temos 15 milhões de desempregados num país de 50 milhões de trabalhadores (ou seja, pessoas em idade produtiva, que podem exercer uma ou outra profissão), isto já não é um problema de caráter ou de habilidades, mas um problema público, que tem a ver com uma estrutura e com um certo funcionamento da sociedade.

Outro exemplo que ele dá é o caso do divórcio. Num casamento, o homem e a mulher podem ter perturbações pessoais, levando-os ao divórcio. Mas, quando o número de divórcios cresce numa cidade e, de cada 1.000 casais nos primeiros quatro anos de casamento, 250 se separam, isto pode ter alguma relação com a instituição do casamento naquela determinada sociedade.

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Wright Mills vai dizer que a recorrência de muitos divórcios pode estar relacionada à estrutura da família enquanto instituição.

Enfim, Wright Mills está nos apresentando uma questão simples e que serve para pensar nossas vidas, ou seja, aquilo que experimentamos na vida em vários e específicos ambientes cotidianos, como desemprego, separações etc., muitas vezes é influenciado pelas modificações culturais, econômicas ou outras de caráter mais geral que ocorrem nas sociedades. Por isso é que ele diz que precisamos ter consciência da ideia e da existência de uma estrutura da sociedade, das relações sociais e utilizá-las com sensibilidade, para sermos capazes de identificar as ligações entre as nossas diversas experiências da vida cotidiana. Ter essa consciência e essa capacidade é ter uma imaginação sociológica.

Agora pensando: Quais são os seus problemas cotidianos? Quais são as questões que mais lhe preocupam? É claro que você já pensou nisso alguma vez. Mas, vamos tentar imaginar esses problemas e preocupações sociologicamente. Será que eles têm a ver só com o seu comportamento, com as suas atitudes ou com o seu modo de ser? Será que a Sociologia pode ajudar a pensar sobre seu cotidiano? Então, vamos viajar um pouco no mundo da Sociologia a partir de agora.

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LEGENDA: Manifestação pacífica contra o governo norte-americano: o acesso ao conhecimento e à informação é essencial para permitir a participação consciente e crítica.

FONTE: Public-domain-image.com

E quando alguns adultos dizem que os jovens não se interessam por essas discussões?

Nós, autores deste livro, já ouvimos em muitas escolas brasileiras algumas afirmações de que os jovens não se interessam pela discussão da Sociologia, pois não veem sentido na "matéria" ou são atraídos por coisas mais interessantes fora da escola. Entendemos, porém, que quando muitos jovens perguntam para que serve a Sociologia, ou quando afirmam que muitas disciplinas são "chatas", nós precisamos compreender o que está por trás desses comentários.

Para conversarmos a respeito disso, leia, a seguir, um artigo escrito por um psicanalista italiano radicado no Brasil, Contardo Calligaris e publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 12/12/2002. Ele relata a exigência dos jovens acerca dos estudos:

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Boxe complementar:

Vida divertida ou vida interessante?

Uma reportagem do The New York Times descrevia uma nova moda nos colégios americanos, graças à qual o ensino de Ciência está se tornando curiosamente popular.

Nos EUA, os requisitos mínimos para o diploma secundário são bastante livres. Há tempos, para quem não gosta de estudar Química, Física ou Biologia, existem matérias alternativas, como a "Ciência da Terra" ou a Ecologia. Agora é a vez da "Ciência Forense", idealizadíssima pelos seriados televisivos, pelo cinema e pelos romances policiais. Assim, em vez de estudar leis e fórmulas, os alunos aprendem como determinar a hora da morte, considerando o estado de um cadáver (aulas práticas no necrotério). Familiarizam-se com o microscópio, examinando pelos de possíveis estupradores encontrados no corpo da vítima. Entendem o que são o esperma ou o sangue, investigando uma hipotética cena do crime.

Nas escolas em que os cursos são oferecidos, os jovens são entusiastas. Por que bancar o estraga-prazeres?

O fato é que a reportagem me deixou um mal-estar. Fiquei com a impressão de que a Química, a Física e a Biologia estivessem desistindo de ter qualquer apelo próprio. As formas estabelecidas da diversão (sobretudo a televisão e o cinema) decidiriam como e o que podemos aprender. Filosofia, História e Inglês (Português, no nosso caso) seriam vítimas do mesmo processo.

Lembrei-me de conversas recentes com um jovem estudante universitário que (com grande angústia dele e dos pais) quer largar os estudos, ao menos temporariamente. Ele queixava-se de que todos os cursos seriam chatos. "Como assim, chatos?", perguntei. "Não são divertidos", respondeu. Estranhei: Quem disse que um curso deve divertir? (...)

A partir dos anos 90, encontro adolescentes para quem o mundo parece tolerável apenas se puderem distrair-se dele. E os vizinhos são frequentáveis à condição de não se comprometer com eles. O que era alienação nos anos 60 tornou-se escolha de vida nos 90 (...)

(CALLIGARIS, 2002)

Fim do complemento.

Para uma parte dos adolescentes, mas não todos, viver é divertir-se, diferente do que significava para gerações anteriores de jovens. Não queremos dizer com isso que condenamos a diversão, mas que, afinal, há tempo para tudo na vida, como a distração e o lazer; assim como há necessidade de reservar parte do nosso tempo para dar conta das responsabilidades, como o estudo e, depois de formados, o trabalho. Da mesma forma, podemos acrescentar que nossa vida e nossa sociedade também merecem ser pensadas, compreendidas e, por que não, modificadas.

A inspiração e o compromisso da Sociologia são com o entendimento da realidade social. O papel da Sociologia é contribuir para que repensemos a nossa visão de mundo, deixando de lado nossas ingenuidades e preconceitos. Sua tarefa teórica é se contrapor à visão do que predomina no senso comum, que considera que o útil é o que dá prestígio, poder, fama e riqueza - julgando o conceito de utilidade pelos resultados do que a maioria das pessoas considera como "ações práticas" da vida cotidiana.

Não se deixando guiar pelo senso comum, a Sociologia nos instrumentaliza com conhecimentos para nos tornarmos conscientes de nós mesmos e das ações de homens e mulheres que desejam profundamente a liberdade e a felicidade.

Vamos tirar algumas dúvidas? O senso comum e a Sociologia

Até aqui nos preocupamos em argumentar sobre a necessidade de estudar Sociologia, pensar nosso mundo sociologicamente e sua utilidade na vida de milhões de jovens.

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Agora queremos ressaltar uma discussão importante neste campo de conhecimento e estudo: a diferença entre senso comum e Sociologia.

Um professor de Sociologia define senso comum como:

Boxe complementar:

(...) falsas certezas e convicções equivocadas sem a base de um conhecimento racional ou de uma adequada compreensão, sendo ditas pelas pessoas a todo instante sobre as mais diversas coisas. A característica principal é a de que o senso comum baseia-se no que está aparente, na aparência das coisas, como as coisas parecem ser. Por exemplo: o Sol é menor do que a Terra e é ele que gira ao redor dela. Tendo o seu ponto de referência a própria Terra e da maneira que é realizada esta observação, o que pode parecer é que aquela seja uma afirmativa correta. Porém, só parece, pois a Astronomia, com seus cálculos matemáticos e suas considerações físicas verifica na realidade que o Sol é muitas vezes maior que a Terra, e desde Copérnico confirma-se na realidade que é a Terra que se move em torno do Sol. Da mesma forma que este simples exemplo, a Sociologia recorrentemente defronta-se com o senso comum das pessoas, desdobrando-se em imobilidades, discriminações e preconceitos.

(GIGLIO, 2000, p. 3)

Fim do complemento.

O senso comum se caracteriza por opiniões pessoais, generalizantes. Ou seja, julgam-se coisas ou fatos específicos como se fossem coisas ou fatos universais. Enfim, falsas certezas sem fundamentação científica, como por exemplo, "todo bandido é favelado", "todo político é corrupto", "o povo brasileiro é preguiçoso" etc.

Mas o que é uma atitude científica em Sociologia? É a atitude de, a partir da constatação de um problema social, observar os fatos e a realidade dos indivíduos e grupos, suas relações, formular uma hipótese de explicação, pesquisar e estudar com maior profundidade o assunto e, ao final, pronunciar leis ou tendências de que um fato possa ocorrer em razão de determinados motivos.

Vamos descrever um exemplo:

Temos um problema social que se chama desemprego (é "social" porque sua origem se relaciona com a forma de organização da sociedade, atingindo vários indivíduos). A partir dessa constatação, poderíamos formular a hipótese de que a política econômica de um governo promove o desemprego. Em seguida, passamos a observar a realidade com dados estatísticos em mãos, pesquisas com desempregados para ver os motivos que levaram ao desemprego e etc. Ao final, retornamos à nossa hipótese e podemos verificar se determinadas decisões políticas governamentais tendem a provocar o desemprego em massa num país.

A mesma atitude pode ser tomada para se pensar sobre as possíveis causas da violência. Ao contrário do senso comum, não devemos partir para generalizações ao primeiro contato com um fenômeno social. É necessário investigar as relações entre os fatos e acontecimentos e também suas raízes históricas, como, por exemplo, a questão do racismo na sociedade brasileira. Certamente, este fenômeno social tem fortes raízes na escravidão, mas principalmente nas relações que o homem branco europeu estabeleceu com os povos africanos e indígenas a partir do século XV.

Portanto, posteriormente, trabalharemos com várias teorias sociológicas, conceitos e temas que nos ajudem na nossa imaginação sociológica. Ou seja, vamos partir do senso comum sobre como são entendidos os fenômenos sociais, sobre as relações que existem entre os indivíduos e problematizar esse senso comum. E aquilo que pode nos parecer "natural" nas relações sociais pode ser "desnaturalizado", deixando de ser visto como natural e até mesmo imutável, para ser compreendido como é, algo social; ou, como nos diz Wright Mills (1975), para compreender nosso mundo cotidiano, vamos olhar além dele.

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Física

"Teoria da relatividade e relatividade da teoria"

Vitor Lara

Uma charge bastante interessante circulou na internet uns anos atrás, em 2011, assinada pelo cartunista canadense Doug Savage, que mostrava como físicos e filósofos pensam de maneira diferente. Retratava uma conversa entre eles, bebendo em um bar, travando o seguinte diálogo:

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FONTE: Adaptado de Doug Savage

A charge e o diálogo podem servir para começarmos uma discussão que queremos propor a você, estudante de Ensino Médio.

Algumas pessoas dizem, com frequência, que confiam mais na Física, na Matemática ou nas Engenharias (Ciências da Natureza) do que nas Ciências Humanas. O motivo seria que as Ciências da Natureza são "exatas", enquanto que nas Humanas parece que tudo é "achismo".

Há um certo consenso de que, do ponto de vista da Epistemologia (parte da Filosofia que lida com a Teoria do Conhecimento, isto é, discute a validade lógica e a coerência de uma determinada teoria ou área do conhecimento), uma Ciência como a Física seja mais delimitada do que a Psiquiatria, por exemplo. Michel Foucault discute isso na sua obra A microfísica do poder1.

Mas muito se engana quem acha que nas Ciências da Natureza as questões políticas e sociais possam ser desprezadas. Há diversos exemplos, onde podemos constatar, estudando a história das Ciências em uma perspectiva sociológica, o quanto as questões sociopolíticas são importantes para determinar a estrutura de uma determinada Ciência, inclusive a ponto de suas pesquisas serem manipuladas em virtude dos interesses de empresas e grandes corporações.

E você, estudante, já havia pensado a respeito disso? O que acha de aproveitarmos essa proposta de diálogo interdisciplinar para nos aprofundarmos nessa discussão?

Vitor de Oliveira Moraes Lara é professor de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ. Graduado, Mestre e Doutor em Física pela Universidade Federal Fluminense - UFF.

1. FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. I - Verdade e poder. 8ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Como pode ser definida a Sociologia?

2 - Explique o significado da ideia de imaginação sociológica e qual seria a importância de utilizá-la?

3 - Diferencie senso comum e Sociologia.

Dialogando com a turma

1 - Discuta com seus colegas de turma os motivos de sua escolha profissional. Se ainda não escolheu uma profissão, responda: a sociedade influenciará na sua escolha ou você terá autonomia para fazer uma opção?

2 - Baseando-se no exemplo dado no texto sobre os conhecimentos necessários para se combater o fumo, elabore junto com seus colegas outros exemplos em que se faça necessária a análise das Ciências Naturais e da Sociologia.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2010)

As redes sociais de relacionamento ganham força a cada dia. Uma das ferramentas que tem contribuído significativamente para que isso ocorra é o surgimento e a consolidação da blogosfera, nome dado ao conjunto de blogs e blogueiros que circulam pela Internet. Um blog é um site com acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog. Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um assunto em particular; outros funcionam mais como diários on-line. Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs, páginas da web e mídias relacionadas a seu tema. A possibilidade de leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e outros leitores é uma parte importante dos blogs.

O que foi visto com certa desconfiança pelos meios de comunicação virou até referência para sugestões de reportagem. A linguagem utilizada pelos blogueiros, autores e leitores de blogs, foge da rigidez praticada nos meios de comunicação e deixa o leitor mais próximo do assunto, além de facilitar o diálogo constante entre eles.

Disponível em: http//pt.wikipedia.org. Acesso em: 21 maio 2010 (adaptado).

As redes sociais compõem uma categoria de organização social em que grupos de indivíduos utilizam a internet com objetivos comuns de comunicação e relacionamento. Nesse contexto, os chamados blogueiros:

(A) promovem discussões sobre diversos assuntos, expondo seus pontos de vista particulares e incentivando a troca de opiniões e consolidação de grupos de interesse.

(B) contribuem para o analfabetismo digital dos leitores de blog, uma vez que não se preocupam com os usos padronizados da língua.

C) interferem nas rotinas de encontros e comemorações e determinados segmentos, porque supervalorizam contato a distância.

(D) definem previamente seus seguidores, de modo a evitar que as pessoas que não compactuam com as mesmas opiniões interfiram no desenvolvimento de determinados assuntos.

(E) utilizam os blogs para exposição de mensagens particulares, sem se preocuparem em responder aos comentários recebidos, e abdicam do uso de outras ferramentas virtuais, como o correio eletrônico.

2 - Observe a ilustração seguinte e assinale depois a alternativa que apresenta correspondência e sentido entre a resposta dada pelo joão-de-barro e a definição de senso comum:

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FONTE: Nico

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(A) A resposta do joão-de-barro reflete a sua integração ao senso comum.

(B) A pergunta do outro joão-de-barro revela o seu inconformismo com o senso comum.

(C) Os dois personagens do desenho assumem na sociedade comportamentos distintos, mas ambos podem ser identificados como característicos do senso comum.

(D) A frase "resolvi inovar" significa, no caso, a ideia de assumir como natural um comportamento que poderia ser entendido como estranho.

(E) O desenho objetiva provocar uma reflexão sobre a padronização do nosso pensamento e do nosso comportamento, que podem significar "coisas que fazemos sem pensar".

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 14ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Livro introdutório ao conhecimento sociológico, de fácil leitura e compreensão, apresentando a Sociologia enquanto ciência.

DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é realidade. 10ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.

Neste livro o autor apresenta o homem como responsável pela definição do que é ou não realidade, mostrando que essa ideia pode se modificar de acordo com o tempo e o espaço.

FILMES

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UM LOBO NA FAMÍLIA (Walk Like a Man, EUA, 1987). Direção: Melvin Frank. Com Howie Mandel. Duração: 90 min.

Um grupo de exploradores encontra um rapaz que foi criado por uma família de lobos na selva. Decidem levá-lo para a cidade, mas sua adaptação à civilização provoca muitas confusões.

A GUERRA DO FOGO (La Guerre du Feu, FRA, 1981). Direção: Jean-Jacques Annaud. Duração: 97 min.

O filme se passa nos tempos pré-históricos, em torno da descoberta do fogo. A tribo Ulam vive em torno de uma fonte natural de fogo. Quando este se extingue, três membros saem em busca de uma nova chama. Importante para discutir como os indivíduos, na sua relação com a natureza, constroem a realidade socialmente.

INTERNET

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SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI: http://on.fb.me/1lF0bf5

Página do Facebook criada por professores, com ampla participação de docentes e alunos na postagem de informações diversas, vídeos e textos relacionados à disciplina. Acesso: janeiro/2016.

FLORESTAN FERNANDES, O MESTRE: http://vimeo.com/15841757

Vídeo que retrata a vida do sociólogo Florestan Fernandes. O documentário foi produzido pela TV Câmara e nos faz refletir sobre o papel da Sociologia na realidade brasileira. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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SENSO COMUM - Autores e intérpretes: Bastianas.

A letra apresenta algumas crenças presentes na cultura popular brasileira, identificando-as com a definição de senso comum.

PARADIGMA - Autores: Leonardo Vieira, Doddi, Yasmin Fróes. Intérpretes: Knowhow.

Rock cuja letra, sob o ponto de vista dos jovens, questiona os paradigmas apresentados pelo mundo adulto.

FILME DESTAQUE

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PONTO DE VISTA

(Vantage Point)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Pete Travis

Elenco: Forest Whitaker, Dennis Quaid.

Duração: 90 min.

(EUA, 2008)

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FONTE: Columbia Pictures/Pete Travis

SINOPSE:

O presidente dos Estados Unidos, Ashton, participará de uma conferência mundial sobre o combate ao terrorismo em Salamanca, na Espanha. Entretanto, logo em sua chegada o presidente é baleado, o que gera um grande tumulto. A partir da perspectiva de diversos presentes no local antes e depois do atentado é que se pode chegar à verdade sobre o ocorrido.

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Aprendendo com jogos

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Jogo do senso comum

TESTE O SEU CONHECIMENTO NA DISCIPLINA!

O objetivo do jogo é comentar uma frase usada no cotidiano e analisá-la sob a perspectiva da disciplina Sociologia, de modo a revelar os problemas da frase: preconceitos ou inadequações com relação àquilo que pretende explicar, por exemplo. É como o jogo dos setes erros! Só que aqui você identifica numa frase que usamos no dia a dia o que não parece fazer sentido.

Como jogar:

1. Organize-se em grupos com os seus colegas e, juntos, façam um círculo para que todos possam ser vistos e interagir. Cartões contendo frases de uso cotidiano serão distribuídos e deverão ser lidos e analisados durante o jogo.

2. A cada rodada, um grupo de colegas será escolhido por sorteio para ser o "Grupo Juiz". Este é o grupo que vai ler a frase da rodada. O Grupo Juiz deverá ler um dos cartões e indicar qual o grupo que analisará a frase lida.

3. O grupo indicado deverá comentar a frase lida e identificar em que aspecto ela pode ser criticada. Este grupo indicará o próximo grupo (exceto o Grupo Juiz) para elaborar uma nova análise, até que todos tenham comentado a frase. Cada comentário deve ser feito em no máximo dois minutos. Não é permitido somente concordar com o comentário de um grupo anterior.

4. A cada análise feita, o Grupo Juiz anota as principais ideias apresentadas e ao final decide pela melhor análise da frase, de modo a pontuar o grupo que a elaborou. Somente um grupo pontua a cada rodada. A decisão do Grupo Juiz deve ser justificada e o(a) professor(a) irá intervir fazendo novas perguntas ou apresentando novas perspectivas para contribuir com a análise.

5. O grupo vencedor da rodada anterior poderá "pular a vez", mas será punido em um ponto.

6. A cada duas rodadas o mediador - que pode ser o(a) professor(a) - sorteia algum grupo que irá para a "pausa", caso em que fica impedido de participar da rodada e de pontuar.

7. Vence o jogo o grupo que tiver maior pontuação após todas as frases terem sido lidas e analisadas.

Civilization V (2K Games, 2010)

QUAL A SUA CIVILIZAÇÃO?

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FONTE: Divulgação/Steam

Este é um jogo de estratégia por turnos onde o jogador assume o papel de um líder político de uma civilização à sua escolha e o seu objetivo é conduzir a sociedade que se forma até a prosperidade. Você deve alcançar esse objetivo através do desenvolvimento econômico e cultural de sua civilização.

Como jogar:

1. Organize-se em grupos com os seus colegas. Baixe a versão demo do jogo em http://goo.gl/EttTXN (em "Baixar demonstração"). Você pode rodar o jogo num PC. Cada grupo deve adotar uma civilização diferente.

2. Os grupos devem manter um relatório com informações sobre a sua civilização ao longo do período do jogo e o resultado da partida.

3. Os grupos devem jogar por um número de turnos recomendado pelo(a) professor(a). Recomendamos que sejam no mínimo 200 turnos em função do ritmo do jogo.

4. Os temas para cada grupo, que irão ser abordados nos trabalhos escritos, serão escolhidos por sorteio. Como sugestão: (a) pobreza e distribuição de recursos; (b) guerra e paz; (c) relações entre culturas diferentes; (d) cultura e religião.

5. Uma redação deve ser escrita apresentando, a partir da simulação, discussão do tema sorteado para o grupo. Na redação, o grupo também deve comparar o jogo com a realidade.

6. Os grupos apresentarão os resultados para toda a turma e uma discussão para cada um dos temas deverá ocorrer.

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Capítulo 2 - "Quem sabe faz a hora e não espera acontecer?" A socialização dos indivíduos

Esta é uma pergunta inspirada numa canção - "Pra não dizer que não falei das flores" - de Geraldo Vandré, cantor e compositor brasileiro que, no final da década de 1960, contagiou jovens e adolescentes defendendo a ideia da busca por um mundo melhor.

Colocamos esta pergunta para desencadear um debate que faz parte dos estudos sociológicos desde quando a Sociologia passou a ser entendida como ciência e disciplina acadêmica nas universidades europeias, do século XIX. Trata-se da questão sobre se é o pensamento e a ação dos indivíduos que influenciam a sociedade como um todo ou se é o contrário, ou seja, se é a sociedade que influencia e determina o pensamento e o comportamento de cada indivíduo. Este é um grande dilema e um dos grandes temas da Sociologia a respeito do comportamento humano. É a reflexão sobre a socialização dos indivíduos. Então, vamos com calma... Primeiro, vamos refletir sobre esse conceito de socialização e depois entender como alguns dos principais pensadores trataram as relações entre indivíduo e sociedade.

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LEGENDA: Almoço entre amigos - a socialização está presente em todas as nossas relações com os indivíduos.

FONTE: Alyxandra Gomes Nunes

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Quando falamos em socialização dos indivíduos, estamos sugerindo que aquilo que nós somos é o resultado de um processo que aprendemos na convivência com outros seres humanos, com base em valores, ideias, atitudes e fazeres comuns. Ou seja, seus sentimentos sobre uma criança, sua ideia sobre um assunto, seu tratamento de respeito aos idosos ou seu modo de vestir, são aprendidos através do seu contato com as gerações anteriores. Você é consciente do que faz, sente e pensa na sua relação com outras pessoas. Então imaginemos uma situação.

Quando nasce uma criança, a vida dos adultos/pais muda completamente. Suas preocupações cotidianas passam a ser compartilhadas com a existência dos filhos. Entretanto, dependendo de como a criança é fisicamente, podemos intuitivamente imaginar como ela poderá ser tratada pela família, pelos vizinhos ou pelos conhecidos e qual a expectativa desses sobre os comportamentos e atitudes que devem tomar.

Se a criança for do sexo feminino, teremos, com o passar dos anos, vários rituais específicos, roupas bem características e comportamentos e atitudes que serão esperadas - inclusive em relação ao seu desempenho profissional. Dependendo dos valores que receber dos adultos, pode ter um comportamento submisso ou, então, um comportamento de disputa ou de igualdade perante os homens. Se a criança for do sexo masculino, teremos outros rituais, roupas, comportamentos e atitudes também "característicos". Se a criança vive numa sociedade em que existem pessoas de cores de pele ou etnias distintas, dependendo de como a maioria dessa sociedade pensa, a criança, sendo negra ou branca, poderá ser tratada de uma forma diferente, com privilégios ou não. Os olhares para a cor, para os cabelos, para o nariz ou para outros aspectos físicos poderão representar uma determinada visão de mundo, com as suas possíveis definições a respeito do caráter, da origem e da expectativa de um futuro de sucesso ou não.

Se a criança sob os nossos cuidados vive em uma sociedade dividida em classes sociais, ou seja, em que há pessoas que não compartilham a mesma condição econômica de acesso às riquezas produzidas pela sociedade e, o mais importante, em que a possibilidade de ascensão social é muito restrita, essa criança, para ter certo sucesso, dependerá em muito da condição econômica e possibilidade de acesso a esses bens.

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LEGENDA: A socialização acontece desde a infância.

FONTE: Image Source/Jose Pelaez

Podemos imaginar mais coisas como, por exemplo: e se a criança tiver alguma necessidade educacional especial? E se suas referências de vida (valores, moralidade, ética, jeito de se comportar etc.), influenciadas por nós, forem muito diferentes e até contrapostas aos futuros coleguinhas de escola da mesma idade? E se a sua religião não for aquela da maioria das pessoas, mas outra, com costumes e rituais entendidos como "estranhos" ou "repulsivos"? E se o seu jeito de falar (sotaque) soa esquisito para seus amiguinhos? E se...?

Enfim, o que podemos observar é que todos nós somos socializados de acordo com nosso ambiente social. A primeira fase de socialização é chamada de socialização primária, ou seja, aquela que acontece nas famílias.

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Cada vez mais, no entanto, na medida em que o pai e a mãe trabalham fora, a socialização primária pode ocorrer também nas creches, onde nós, quando crianças, passamos a maior parte do dia. Quando ingressamos nos anos iniciais do Ensino Fundamental ou quando tomamos contato com outros ambientes fora de nossa família, através dos colegas da rua, grupos de jovens da igreja, ou quando vemos TV, acontece a chamada socialização secundária. Os dois tipos de socialização condicionam nossas relações com outros indivíduos e, dependendo da forma, do ambiente social e da educação que recebemos nós adotamos ou abandonamos uma série de papéis sociais. Um papel social é um comportamento esperado de um indivíduo que ocupa uma determinada posição na sociedade. Mas quer dizer, então, que cada um de nós não tem liberdade ou margem de manobra para adotar um certo papel social? A resposta a esta questão foi e continua sendo um dos grandes debates dos teóricos da Sociologia até hoje.

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LEGENDA: Na vida cotidiana, estamos sempre cumprindo diversos papéis sociais e participando do processo de socialização secundária. Na foto, encontro com estudantes em Macaé - RJ, em 2005.

FONTE: Luiz Fernandes

Como dissemos no capítulo anterior, a imaginação sociológica significa perceber a conexão entre as histórias pessoais e as estruturas das sociedades. Se as estruturas sociais são padrões estáveis de relações entre os indivíduos, então como avaliar que os indivíduos não têm livres escolhas ou margens de manobra? Veremos à frente três autores que deram respostas diferentes a essa mesma questão mas que, no fundo, contribuíram para que a Sociologia se consolidasse como ciência, pois eles elaboraram teorias que procuraram explicar a vida social e que também nos dizem como e por que determinados fatos se relacionam.

A Sociologia como ciência da sociedade

A Sociologia é uma ciência nova, que tem pouco mais de um século de vida. Ela desenvolveu-se, como disciplina acadêmica, em um momento de intensas transformações da sociedade europeia. Vejamos o que aconteceu na Europa a partir do século XV até o século XIX.

Você já deve ter estudado em História que nesse período ocorreram grandes transformações econômicas: as trocas comerciais se expandiram, os europeus entraram em contato com outros povos, da Ásia, da África e das Américas, intitulado como "descobrimentos" e, por meio da organização de grandes empreendimentos comerciais e agrícolas, como foi o caso da lavoura da cana-de-açúcar - mas também do tráfico de africanos escravizados e da promoção de pilhagens e saques -, obtiveram como resultado um acúmulo de riqueza inigualável até aquela época. A expansão marítima foi acompanhada por um grande desenvolvimento das ciências e o florescimento e a expansão da cultura europeia que, a partir do Renascimento, transformou o homem europeu no modelo universal de razão e humanidade.

A partir do século XVIII, com a primeira Revolução Industrial, a produção de mercadorias se expandiu, assim como o crescimento das cidades. Um grupo social em ascensão - a burguesia - tornou-se dominante, tomando o lugar da nobreza e do clero - que até então comandavam a sociedade feudal -, e na qualidade de proprietário das fábricas, das terras e das matérias-primas, acumulou para si próprio o resultado da produção das riquezas a partir das sociedades europeias.

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Paralelamente a esse processo, ocorreram grandes transformações políticas. Com o poder econômico da burguesia, os feudos medievais começaram a desaparecer e iniciou-se um processo de surgimento dos Estados Nacionais. Em 1789, aconteceu a Revolução Francesa, que, inspirada pelo Iluminismo e sob o lema da "Igualdade, Fraternidade e Liberdade", declarou que os homens eram todos iguais perante a Lei e tinham direitos universais, lançando as bases políticas do que ficamos entendendo, mais tarde, como cidadania. Este tema será estudado, posteriormente, com mais atenção.

Para ilustrar melhor as mudanças que ocorreram nesse período, vejamos alguns quadros comparativos entre a Idade Média e o início dos chamados "Tempos Modernos".

Quadro: equivalente textual a seguir.

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LEGENDA: Mapa da Europa, segundo menor continente do mundo em área, constituído por todos os seus países.

FONTE: http://pt.mapsofworld.com/europe/

A Sociologia, portanto, surgiu neste contexto de mudanças, a partir da necessidade do homem europeu em tentar explicar cientificamente o mundo, suas relações com outros homens e com outras sociedades que passou a conhecer.

Ora, como explicar que, na Europa, com toda a riqueza gerada pela Revolução Industrial, houvesse, simultaneamente, o aumento da pobreza e da miséria dos trabalhadores? Por que a Revolução Francesa clamava pela igualdade e pela fraternidade, mas o que se via era o aumento da desigualdade social e econômica?

Por outro lado, por que nas Américas, entre os nativos, apesar das hierarquias existentes entre eles, não existiam pessoas passando fome antes da chegada dos europeus? Da mesma forma, por que na África existiam sociedades inteiramente diferentes, com costumes diferentes, deuses diferentes, tradições familiares diferentes?

Na verdade, o que estava ocorrendo também era a "libertação" dos homens europeus das explicações de origem divina em direção ao predomínio da razão humana, ou seja, tudo passava a ser explicado pelos próprios homens e não mais somente por Deus. E mais: com o desenvolvimento das técnicas e da ciência, os homens europeus começavam a dominar mais a natureza e as próprias relações entre eles. Enfim, fazia-se necessária uma explicação para todas essas mudanças, elaborando leis científicas, conceitos e teorias.

Portanto, a Sociologia surge diante das grandes mudanças que ocorreram nessa época.

Dentre as diversas teorizações que são elaboradas, três autores se destacam e são considerados, nos dias de hoje, como as grandes referências "fundadoras" desse novo campo do conhecimento científico. São eles Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.

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A seguir, vamos apresentar uma pequena introdução ao pensamento desses três sociólogos fundamentais, abordando um ou outro aspecto central das ideias de cada um deles. Suas teorias, de qualquer forma, nos acompanharão daqui para frente em nosso contato com a Sociologia, servindo como base para as formulações de diversos intelectuais que surgirão depois.

É necessário mudar o mundo

Karl Marx (1818-1883) nasceu na Alemanha e seu principal objeto de estudo foi a sociedade capitalista de sua época. Seu pensamento, porém, não tinha preocupação somente com a análise, mas com uma ação militante de organização e luta contra as injustiças existentes no capitalismo. Em um de seus escritos filosóficos afirmou que, até aquele momento, "os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo" (cf. MARX, 1979, p. 14).

Estudioso com amplos conhecimentos em História e Economia, Marx estava interessado, portanto, em desenvolver estudos e pronunciar leis científicas com o objetivo não somente de compreender, como também de transformar a realidade. Uma das conclusões importantes de seus estudos foi de que "a história da humanidade é a história das lutas de classes" (MARX; ENGELS, 1998, p. 8). O que ele quis dizer com isso?

Sua análise sobre os indivíduos e a sociedade passa pela compreensão de que todos os indivíduos, através da História, se relacionam com os outros e com a natureza de uma determinada maneira. Ou seja, para analisar uma realidade social é necessário observar como o homem transforma a natureza, através do seu trabalho, e quais as formas de relações que ele estabelece com os outros indivíduos. Nesse sentido, o trabalho é entendido por Marx como a essência da existência humana.

Marx era materialista, não no sentido presente no senso comum, mas no entendimento de que são os homens que constroem sua história e suas relações sociais, através da produção material de sua existência. Em todas as sociedades, através do trabalho, os homens se relacionam com outros e, assim, juntos, constroem a sociedade. Isto ele chamou de relações sociais de produção. Porém, segundo Marx, essas relações têm características específicas, de acordo com a História e a sociedade de cada época. Além disso, essas relações são estabelecidas em meio a inúmeras contradições e conflitos entre os homens.

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LEGENDA: Karl Marx (1818-1883), um dos autores clássicos da Sociologia contemporânea.

FONTE: Photos.com

Na História da humanidade, com o aumento da produção de riquezas, ocorreu uma divisão do trabalho entre os homens: entre agricultores e pescadores, entre homens e mulheres, entre trabalho manual e intelectual, até a chegada da divisão entre proprietários e não proprietários dos meios de produção (terras, fábricas, instrumentos de trabalho etc.), ou seja, a formação das classes sociais.

Classe social, na concepção de Marx, trata-se de um conceito. Este se define a partir da própria constituição de todas as sociedades caracterizadas pela divisão do trabalho e da riqueza entre proprietários e não proprietários. Nestes casos, as duas classes sociais principais - proprietários e não proprietários - serão sempre antagônicas e excludentes, pois seus interesses materiais, em função da própria forma de organização da sociedade, nunca poderão coincidir.

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A partir dessa concepção, então, é que Marx afirma que o que move a História humana - as grandes transformações - é a luta de classes, com uma classe proprietária dos meios de produção explorando economicamente e dominando politicamente a outra. Essa classe dominada, não proprietária dos meios de produção, é formada pelos trabalhadores, sejam eles escravos, servos ou proletários - dependendo de como as sociedades se constituíram historicamente (deve-se observar que, no caso dos escravos, além deles não serem proprietários dos meios de se produzir riquezas, eles próprios eram considerados como "propriedade" dos seus senhores). Essa classe de não proprietários, por sua vez, por ser aquela que efetivamente produz socialmente a riqueza através do seu trabalho, é exatamente a classe que, para Marx, a partir de uma tomada de consciência da sua própria condição de classe explorada (que Marx chama de consciência de classe), pode subverter a sua subordinação, levantar-se contra os proprietários e se apropriar da riqueza, constituindo, nesse processo, uma nova sociedade.

Essas mudanças radicais que podem ocorrer na História são conhecidas como revoluções sociais. Estas, na visão de Marx, significam exatamente uma mudança ocorrida em momentos de grandes crises sociais, políticas e econômicas, com conflitos abertos e violentos entre as classes antagônicas, abrindo a possibilidade de derrubada das classes dominantes pelas classes dominadas. Nesse sentido, as Revoluções Industrial e Francesa significaram a ascensão e a tomada do poder por uma determinada classe social em ascensão, a burguesia, que até então era subordinada à nobreza e ao clero. Por este motivo, essas revoluções foram definidas por Marx como revoluções burguesas. Em relação ao mundo feudal pré-existente na Europa, Marx entendia que essas revoluções eram "progressistas", pois significaram a constituição de uma sociedade moderna, capitalista, libertada das "amarras" que impediam o desenvolvimento econômico e tecnológico de sociedades que se encontravam praticamente estagnadas. Marx, no entanto, defendia que essas revoluções burguesas fossem superadas por outra revolução mais radical, na qual a classe dos não proprietários se apoderaria da produção e do poder político em mãos da burguesia. Ele se referia, nesse caso, à necessidade de que o proletariado realizasse uma revolução socialista.

Para Marx, portanto, o papel do indivíduo na História e na sociedade não pode ser entendido se não se levar em consideração a classe social a qual ele pertence, ou seja, a posição que o indivíduo ocupa nas relações sociais de produção. Essa análise é chamada de Materialismo Histórico, justamente porque, no seu entendimento, cada indivíduo pertencente a uma classe social se posiciona na sociedade de acordo com o papel que cumpre nas relações sociais de produção, através do trabalho. Em outras palavras, o indivíduo na sociedade se move de acordo com sua posição social nas relações de produção, ou seja, para entender as ações dos indivíduos é necessário observar suas histórias, inseridas numa classe social.

Marx viveu no século XIX, uma época de intensas transformações na Europa, com a eclosão e a expansão de diversas revoluções burguesas. Ele acompanhou pessoalmente essas revoluções, contribuindo sociologicamente para a sua compreensão. Ao mesmo tempo, ele considerava a situação da classe trabalhadora como injusta e que era necessário modificá-la radicalmente. Assim, a partir de sua análise sobre a sociedade capitalista de sua época, Marx propõe que a classe explorada, ou a grande maioria dos indivíduos, que eram trabalhadores assalariados que não possuíam os meios de produção (fábricas, terras etc.), se organizassem em associações, sindicatos e partidos políticos. Primeiramente, o objetivo seria a formação política e tomada da sua consciência de classe, enquanto classe trabalhadora; depois, numa etapa posterior da sua organização, para transformarem a sua realidade de exploração e construírem uma nova sociedade, sem a participação dos proprietários privados dos meios de produção (ou seja, industriais, comerciantes, banqueiros), mas cuja riqueza fosse apropriada coletivamente por todos os trabalhadores.

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A sociedade está na cabeça de cada pessoa

Émile Durkheim (1858-1917) é considerado o pai da Sociologia acadêmica, pois foi o autor que sistematizou, definiu e aplicou a Sociologia nas universidades da França, no final do século XIX.

Na segunda metade do século XIX, a Europa e a França viviam grandes conflitos sociais, com a ocorrência de diversas insurreições e revoluções. Durkheim, nesse contexto, tinha uma grande preocupação com a estabilidade da ordem social. Para isso, ele precisava entender os mecanismos de funcionamento da sociedade de sua época.

Sua teoria se caracteriza por afirmar que as sociedades são regidas por uma consciência coletiva, expressa em fatos sociais. Ele quer dizer, com isso, que a sociedade está na cabeça de cada indivíduo e de todos ao mesmo tempo. É como se houvesse dois de nós dentro de nós mesmos...

Durkheim afirma que a sociedade molda o homem, seus comportamentos, atitudes, ideias e ações. Assim, temos os fatos sociais. Estes, segundo Durkheim, são os modos de agir dos indivíduos que são introjetados na mente de cada um de nós. Ou, nas suas próprias palavras: "(...) consistem em maneiras de fazer ou de pensar, reconhecíveis pela particularidade de serem capazes de exercer sobre as consciências particulares uma influência coercitiva" (DURKHEIM, 2007, p. XXVII).

Os fatos sociais, portanto, segundo as definições apresentadas no parágrafo acima, exercem "uma influência coercitiva", ou seja, um poder de pressão, de obrigação. Esta é uma das três características dos fatos sociais: a coercitividade. A segunda característica diz respeito à ideia de que, se os fatos sociais são "introjetados na mente" dos indivíduos, é porque eles estão presentes na sociedade em geral, sendo "exteriores" aos indivíduos. Temos, então, a sua segunda característica: a exterioridade. Por fim, de acordo com Durkheim, o fato social "é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais" (DURKHEIM, 2007, p. 13). Isto significa dizer que os fatos sociais são comuns a todos os indivíduos em uma determinada sociedade. Temos agora, então, a sua terceira característica, a generalidade.

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LEGENDA: Émile Durkheim (1858 -1917), sociólogo francês, assumiu a primeira cátedra de Sociologia criada na França (Universidade de Bordéus).

FONTE: Leemage/Other Images

Durkheim afirma, dessa forma, que quando uma pessoa nasce já encontra fatos sociais estabelecidos coletivamente, que a seguirão pela vida e que se manterão depois de sua morte.

O modo como esses fatos são representados na vida de cada um de nós, segundo Durkheim, é que define o que ele chama de consciência coletiva. Esta é formada por ideias comuns a todos, que está espalhada na sociedade como um todo, constituindo uma determinada consciência de sociedade, que acaba por definir a nossa conduta. É a consciência coletiva que vai impor as regras sociais que precisarão ser obedecidas por cada indivíduo, ou seja, as normas de comportamento que regem a vida de todos.

A consciência coletiva, por sua vez, se manifesta através da cooperação entre os indivíduos. Durkheim define essa cooperação como a divisão do trabalho social, que vem a ser o nível de especialização das funções entre os indivíduos, em uma dada sociedade.

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A divisão do trabalho social, para Durkheim, está relacionada à outra definição importante, a solidariedade. Esta dependeria do número de especializações existente na sociedade, se subdividindo de duas formas: solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.

A solidariedade mecânica é típica daquelas sociedades nas quais a divisão do trabalho social é pouco diferenciada, se distinguindo somente em alguns papéis sociais, em função do gênero (se homem ou mulher) ou de acordo com a idade. Na definição de Durkheim, a solidariedade mecânica é característica de sociedades tribais e feudais, onde há pouco desenvolvimento tecnológico. Nestas sociedades, a solidariedade não se dá em função de alguma dependência ligada ao trabalho, mas sim por causa da tradição, da religião ou de alguma forma de sentimento comum a todas as pessoas.

Já a solidariedade orgânica é típica das sociedades industriais, nas quais a divisão do trabalho social é diferenciada e complexa, onde os indivíduos estão juntos porque fazem coisas diferentes - são interdependentes. Nessas sociedades, a solidariedade é dada pela grande especialização das funções e a divisão profissional do trabalho.

Portanto, para Durkheim, estes são os dois tipos de cooperação existentes entre os indivíduos, que dependem do nível de solidariedade existente na sociedade, dividindo-se entre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. Na primeira há pouca divisão do trabalho social e na segunda há uma intensa divisão do trabalho social.

Assim, quando Durkheim constrói sua teoria ele está nos informando que o indivíduo é também um ser social, ou seja, ele é socializado a partir do que já existe na consciência coletiva.

O indivíduo é um ser que apresenta a sua própria personalidade. Ao mesmo tempo a sociedade vive na mente dele. Imagine se levássemos uma pessoa do lugar onde ela vive para outra sociedade muito diferente ou mesmo para uma ilha deserta. Certamente ela levará muito da sociedade consigo. Enfim, não é apenas o indivíduo que faz parte da sociedade: esta faz parte dele como um todo.

Vejamos um exemplo bastante importante para explicitar ainda mais o que Durkheim pensava a respeito das relações entre indivíduo e sociedade. Ele desenvolveu uma pesquisa para entender o suicídio como fenômeno social. Se para Durkheim a vida social tem a sua natureza própria, suas características próprias, sua lógica, então a vida social não é o mero somatório de indivíduos, mas sim uma ordem coletiva onde cada um se reconhece como integrante em relação ao todo. Então, Durkheim utiliza a teoria sociológica para explicar que qualquer ato individual - como é o caso, por exemplo, do suicídio - é um fato social.

Durkheim (1973b) diz que: "(...) o suicídio é toda morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima" (p.468). Depois, ele pergunta se o suicídio será mesmo um ato somente individual. E responde assim:

Boxe complementar:

É certo que podem ser analisados (os suicídios) sob um aspecto completamente diferente (...). Com efeito, se em vez de vermos neles apenas acontecimentos particulares, isolados uns dos outros e que necessitam cada um por si de um exame particular, considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos numa determinada sociedade durante uma dada unidade de tempo, constatamos que o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes, uma coleção de elementos, mas que constitui por si um fato novo e sui generis, que possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza própria, por conseguinte, e que, além disso, tal natureza é eminentemente social.

(DURKHEIM, 1973b, p.471)

Fim do complemento.

Para verificar a sua tese, Durkheim entendeu como necessária a aplicação de uma determinada metodologia de pesquisa.

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Comparou as taxas de suicídios entre os países da Europa ao longo de cerca de três décadas (1841 a 1872), fez análises e relações quanto à idade, sexo, horário dos suicídios, meios sociais em que se deram (religião, sociedade política, familiar, grupo profissional etc.) e acontecimentos históricos ocorridos com os países no período da pesquisa (crises, crescimento ou conflitos econômicos, políticos ou sociais), entre outras variáveis.

Diante dos dados pesquisados e das diversas tabelas estatísticas, Durkheim, já no início de sua pesquisa, destacou duas evidências: a impressionante regularidade no número de suicídios, seja de forma absoluta (total de suicídios), seja de forma relativa (quanto à taxa de suicídio por habitante) e, se comparadas a taxa de mortalidade geral com a taxa de suicídio, verificou que esta última não é só mais constante durante longos períodos de tempo, como também possui uma invariabilidade maior.

Em busca da determinação das causas produtoras do suicídio, o autor procurou relacioná-las com os diferentes meios sociais em que eles se deram. Assim, constatou que, para cada grupo social, existiria uma tendência específica para o suicídio. Este não resultaria de outra natureza senão de causas sociais sendo, portanto, um fenômeno social. Após esta constatação, Durkheim tentou primeiro apresentar as respectivas condições de existência de determinados fatos sociais, que poderiam contribuir para a ocorrência de suicídios, para, em seguida, buscar uma classificação do fenômeno. Então, do ponto de vista dos indivíduos, foi possível distinguir três tipos de suicídios: o anômico, o egoísta e o altruísta.

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LEGENDA: Nas guerras, o indivíduo se anula ao se submeter às regras que suplantam a sua razão de viver. Na foto, soldados brasileiros fazem exercícios de guerra nas margens do rio Negro (AM).

FONTE: Juca Varella/Folhapress

Os três tipos, conforme concluiu Durkheim, são determinados pela forma como o indivíduo está integrado à sociedade e sua ordem social, ao grupo social do qual faz parte e suas regras.

Como você poderá observar, no quadro a seguir, o suicídio anômico e o suicídio egoísta assemelham-se pelo fato de que, nesses casos, o coletivo não está atuando de maneira intensa no espírito dos indivíduos, um pela ausência de regras, o outro pela ausência de razão e significação.

Durkheim tentou demonstrar, com o seu estudo sobre o suicídio, que a sociedade influencia significativamente o pensamento e o comportamento dos indivíduos.

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Boxe complementar:

O suicídio anômico (da situação de anomia) é próprio das circunstâncias de desregulamento, quebra de harmonia. São exemplos as crises econômicas (no estudo, os casos da Prússia e da Itália) e, no meio familiar, o divórcio e a viuvez.

O suicídio egoísta ocorre na medida em que aumenta o grau de individualismo em relação ao coletivo, o indivíduo distancia-se do grupo e dos interesses comuns e em seu comportamento predominam os interesses particulares. São exemplos o individualismo religioso entre os protestantes (enquanto os católicos manifestavam, na época de Durkheim, ao contrário, um forte efeito integrador), e o individualismo doméstico e político (nas crises políticas nacionais ele diminui, pois o grupo adquire uma integração mais forte).

O suicídio altruísta está no inverso dos outros dois pois, neste caso, o indivíduo se anula ao submeter-se às regras que suplantaram a sua própria razão de viver. São exemplos os rituais em pequenas sociedades, clãs, tribos etc. e no meio militar: ele aumenta com a duração do serviço militar; a ocorrência é mais elevada entre os voluntários e os que voluntariamente se alistam de novo ao serviço; é mais elevada entre os oficiais e subalternos do que entre os soldados rasos; resulta do espírito militar e do consequente estado de altruísmo; é tanto mais forte quanto menor for a tendência dos povos para o suicídio egoísta; atinge o máximo de ocorrências nas tropas de elite; decresce à medida que o suicídio egoísta se desenvolve.

Fim do complemento.



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Só fazemos o que faz sentido

Outro autor importante para pensar nossa discussão é Max Weber (1864-1920), considerado como um dos mais complexos e eruditos entre os teóricos da Sociologia. Seus estudos têm raízes filosóficas no pensamento alemão do século XIX. Diferentemente de Marx e Durkheim, Weber afirma como seu pressuposto básico que a sociedade é o resultado das diversas ações entre os indivíduos, e que todos são capazes de agir livremente, de acordo com distintas alternativas à sua escolha. Vamos explicar melhor isso.

Para Weber todo indivíduo é dotado de capacidade e vontade para assumir uma posição consciente no mundo. Por outro lado, ele acreditava que, por ser a realidade humana muito diversificada, não era possível compreendê-la em sua totalidade, mas somente as inter-relações que existissem entre determinados fenômenos. Mas o que isso tem a ver com as relações entre indivíduos e sociedade?

Não é complicado. Weber diz que para compreender a sociedade é preciso entender a ação social, ou seja, uma ação que o indivíduo comete quando leva em consideração as ações dos outros indivíduos em suas atitudes e intenções.

Para ele, a ação humana tem necessariamente um sentido, portanto, é possível compreender as ações de vários indivíduos para compreender a sociedade e sua estrutura. Assim ele também faz classificações e tipologias, como fez Durkheim.

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LEGENDA: Max Weber (1864 - 1920), sociólogo e cientista político alemão, um dos fundadores clássicos da Sociologia.

FONTE: Leemage/Other Images

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Weber classifica a ação dos indivíduos em quatro tipos: tradicional, afetivo, racional relacionado a valores e racional com relação afins. Para ele, todos esses tipos de ação têm uma intencionalidade. E dá um exemplo bastante simples: uma pessoa entra numa loja para comprar sapatos. Se essa pessoa compra influenciada pela moda, sua ação é do tipo tradicional, ou seja, baseada no que todos fazem. Mas, se ela compra porque sapatos lhe agradam e isso lhe dá prazer, sua ação é do tipo afetivo. Se a compra dos sapatos é baseada no fato de que um determinado modelo possa lhe dar status ou certo prestígio, sua ação é racional em relação aos valores. Por fim, se a compra é baseada no fato de que os modelos de sapatos escolhidos sejam exigidos como parte do uniforme de trabalho ou de alguma outra atividade, sua ação é do tipo racional com relação afins.

Repare bem que Weber estabelece tipos de ação. Mas elas não são assim tão bem divididas. Ninguém, na prática, vai comprar um sapato pensando nos tipos de ação separadamente. Isso não acontece. Nessas ações os tipos se confundem, se encaixam uns nos outros. As razões se misturam, dependendo do sujeito e do momento.

É importante ressaltar também que, para Max Weber, esses tipos de ação nunca correspondem exatamente ao que acontece na realidade cotidiana. Eles são, na verdade, "aproximações" teóricas e "idealizadas" da realidade. Por esse motivo é que ele se refere a qualquer uma dessas definições como simplesmente um modelo que serviria de referência para a reflexão teórica - que ele chama de tipo ideal.

Mas, espere um pouco! Voltando a pensar nos tipos de ação e nos exemplos que citamos anteriormente: isso quer dizer que os indivíduos agem como querem e bem entendem? Weber responde que não, pois, na sua concepção, o indivíduo só age em relação ao comportamento dos outros indivíduos. É a partir disso que ele realiza uma ação e não como bem entende. Isso ele chama de juízo de possibilidade. Ou seja, a possibilidade da ação do indivíduo se baseia nos regulamentos que fazem sentido para vários indivíduos. Daí Weber dizer que nas sociedades há uma condensação de expectativas recíprocas - são as regras e a ordem social que acontecem quando os indivíduos aceitam as normas como se fossem "naturais". E quando as normas se tornam "naturais", criam-se as ações esperadas de todos os indivíduos e grupos numa determinada sociedade. Decorrem, enfim, as leis, as instituições, o Estado e a sociedade em geral.

Para Max Weber, compreender as relações entre indivíduo e sociedade é compreender os sentidos e os significados das ações dos indivíduos, os pontos de vista dos sujeitos e as interações entre eles - assim como os significados dessas interações.

Além dessa teoria sociológica acerca da ação dos indivíduos, ele também escreveu sobre vários outros assuntos, tais como o fenômeno da burocracia nas sociedades modernas; o capitalismo e suas origens nas sociedades ocidentais; as religiões; o Estado; o poder e os tipos de dominação.

Veremos ao longo deste livro que este autor, assim como Karl Marx e Émile Durkheim, elaborou conceitos e teorias sociológicas que têm influenciado por longos anos o pensamento social, com reflexos em diversas áreas do conhecimento acadêmico - como a História, o Direito e a Administração -, fornecendo-nos diversas pistas para interpretar alguns fenômenos importantes de nossa época.

A socialização e você

Esses três autores, Marx, Durkheim e Weber, chamados de clássicos no campo de estudos da Sociologia, representam algumas das principais teorizações acerca das relações entre indivíduo e sociedade. Eles são considerados "fundadores" da Sociologia como disciplina, em função da importância, da extensão e da influência das suas obras.

Agora vamos pensar juntos.

Será que essas teorizações que apresentamos contribuem para que possamos pensar sobre o nosso cotidiano?

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Ou, quem sabe, até mesmo para pensar a nossa sociedade como um todo? Você entendeu como se dá a socialização dos indivíduos? O que concluiu a esse respeito? Bom, dependendo das condições em que você se encontra, da história de sua vida, de sua cidade, do seu estado e do seu país, podemos utilizar essas teorias para fazer aquilo que Wright Mills nos aconselha: imaginar sociologicamente o mundo.

Consideramos que alguns elementos dessas teorizações nos ajudam a entender nosso mundo. Vamos apresentar um exemplo: você já presenciou ou observou um conflito de terras em sua cidade ou estado? Já viu manifestações políticas de grupos de trabalhadores reivindicando aumento de salários ou melhoria das condições de trabalho? Pois, nestes casos, você poderia, dependendo de uma análise mais próxima do que estava ocorrendo, utilizar algumas das interpretações formuladas por Karl Marx. Uma interpretação possível de Marx para os exemplos citados é a de que esses conflitos sociais poderiam representar parte de uma luta de classes e que os indivíduos estão se posicionando na realidade para reivindicar direitos coletivos e transformar a realidade em que vivem.

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LEGENDA: Todos nós somos socializados de diversas formas, da infância à vida adulta. "Festa Junina" de Valquíria Barros, tela em arte Naif (2012).

FONTE: Acervo de Valquíria Barros

Por outro lado, se você tem uma determinada opinião sobre um assunto como, por exemplo, que os casamentos de um homem com várias mulheres é um fato absurdo. Você pode dizer: "essa é a minha opinião; eu fui criado assim". Certamente, neste caso Durkheim diria que o fato social chamado casamento impõe normas de pensamento e valores sobre os quais você não tem controle e que sua manifestação reflete o pensamento e a tradição das sociedades ocidentais, que reproduzem, em grande parte, a cultura europeia. Entretanto, se você tivesse nascido em um país ou em uma família de cultura muçulmana não acharia nada disso absurdo, pois outras normas de matrimônio fariam parte do seu processo de socialização. Talvez, ao contrário, você achasse que a monogamia é que fosse um absurdo!

Continuando a nossa imaginação sociológica, mas pensando desta vez nas formulações teóricas de Max Weber: se você e seus pais têm opiniões diferentes sobre o fato de se ter relações sexuais antes do casamento, isto pode ser um sinal daquilo que Weber fala sobre o significado das ações dos indivíduos diante das instituições e dos outros sujeitos.

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Você certamente vai agir de acordo com as possibilidades, ou seja, deve levar em consideração o que os seus pais pensam e esperam de você. Não vai agir sem pensar, mas racionalmente, de acordo com as normas e as regras aceitas pela maioria das pessoas.

Porém, se as normas dominantes que dizem que "relações sexuais antes do casamento são condenáveis" estiverem, por algum motivo, sendo fortemente questionadas na sociedade brasileira? Certamente, seu juízo de possibilidade, como diria Weber, poderá levá-lo a cometer esta ação. Bom, como se vê, Weber pode lhe dar alguns instrumentos importantes para você analisar sua forma de pensar e as suas ações cotidianas.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: Passeata de professores, no centro do Rio de Janeiro (2012), reivindicando aumento de salários. Como Marx, Durkheim e Weber analisariam esta manifestação?

FONTE: Diego Felipe

Enfim, é você quem condiciona o que a sociedade pensa ou é a sociedade quem condiciona o que você pensa? Provavelmente todos esses autores têm suas razões, pois os homens criam o mundo social em que vivem, mas, ao mesmo tempo, este mundo social continuará existindo depois de nosso falecimento, influenciando e socializando os modos de vida das gerações seguintes.

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Língua Portuguesa e a Literatura

"Para quem gosta de cabaças" - Conversas sobre os fazeres, os dizeres e seus sentidos

Celi Silva

Neste capítulo discutimos a socialização dos indivíduos, certo? Falamos da socialização primária e secundária. A primeira acontece predominantemente nas famílias e a segunda em diversos grupos - escola, grupos jovens, etc. - na medida em que crescemos e nos desenvolvemos como indivíduos. Pois bem, mas existe uma forma de socialização que está presente nestas duas formas: as rodas de leitura. Você já participou de alguma Roda de Leitura em sua vida de estudante nas aulas de Literatura ou de Língua Portuguesa? Esperamos que sim. Mas vejamos como estas duas disciplinas podem nos ajudar a entender o conceito de socialização. Assim, tomamos a liberdade de escrever sobre o percurso de uma Roda de Leitura. Por quê? Porque os rituais em roda estão presentes no cotidiano de nossas vidas: brincadeira de roda, ciranda, roda-pagode, roda de samba, de saia, de chorinho, de chope, de capoeira, "roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião."1 Nas Rodas de Leitura, podemos experimentar as possibilidades de ler para o outro, ler com o outro, contar o que lemos, levar e trazer o lido e o vivido, rememorar histórias, ouvir opiniões, buscar novas ideias, concordar e divergir, enfim, produzir sentidos no "entre-nós" que a Roda favorece e tomar decisões em uma perspectiva social, na interação com o outro.

Começamos pelo conto "Para quem gosta de cabaças", de Ecléa Bosi.2 Lemos no primeiro parágrafo:

"Outro dia estava lustrando com flanela as cabacinhas que colhi. Elas são castanhas e têm as formas mais curiosas: redondas, de pescoço... Semeia-se na entrada da primavera, na mesma época das abóboras. Quando despontam, já são encantadoras no seu formato" (BOSI, 2003, p. 81).

No texto, a narradora aciona sua memória individual, enraizada na memória coletiva dos múltiplos usos populares desse instrumento, ora como um objeto útil - as cuias para beber água das fontes, os potes para guardar alimentos e trecos, ora como base para os diversos instrumentos musicais de percussão de origem africana - maracas, chocalhos, afoxés, berimbaus que dão o ritmo das celebrações religiosas e culturais afro-brasileiras. No conto, as cabaças de diferentes formas entram na história como objetos de decoração das residências no espaço urbano e recuperam sua história de longa duração, que tem início no espaço rural, com a plantação das sementes no tempo certo da primavera, prosseguindo no ato da colheita dessa "fruta oca, cheia de memória e de som" (BOSI, 2003, p. 84).

Nessa Roda de Leitura, temos um conto. E este é só um exemplo de como a Literatura pode nos ajudar a entender a socialização e como a mesma nos socializa. Contar histórias, seja em família, seja em qualquer lugar, também contribui na formação dos papéis sociais dos indivíduos. O que você acha? Pense e compartilhe suas ideias também nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura, fazendo a Roda continuar a girar.

Celi Fonseca da Silva é professora dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - CAp-UERJ. Graduada em Letras pela UFRJ e Doutora em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

1. Chico Buarque de Holanda - Autor da música Roda Viva.

2. BOSI, Ecléa. Velhos amigos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - O que significa socialização?

2 - O que Durkheim quer dizer com o conceito de divisão do trabalho social?

3 - Como Weber define juízo de possibilidade?

Dialogando com a turma

1 - Discuta com seus colegas como as teorias de Marx, Durkheim e Weber poderiam ser aplicadas ao seu cotidiano.

2 - Dê um exemplo em relação à socialização secundária, pensando na realidade de seu bairro ou cidade. Justifique sua resposta.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 1999)

A Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII transformou as relações do homem com o trabalho. As máquinas mudaram as formas de trabalhar, e as fábricas concentraram-se em regiões próximas às matérias-primas e grandes portos, originando vastas concentrações humanas. Muitos dos operários vinham da área rural e cumpriam jornadas de trabalho de 12 a 14 horas, na maioria das vezes em condições adversas. A legislação trabalhista surgiu muito lentamente ao longo do século XIX e a diminuição da jornada de trabalho para oito horas diárias concretizou-se no início do século XX.

Pode-se afirmar que as conquistas no início deste século, decorrentes da legislação trabalhista, estão relacionadas com:

(A) a expansão do capitalismo e a consolidação dos regimes monárquicos constitucionais.

(B) a expressiva diminuição da oferta de mão de obra, devido à demanda por trabalhadores especializados.

(C) a capacidade de mobilização dos trabalhadores em defesa dos seus interesses.

(D) o crescimento do Estado, ao mesmo tempo em que diminuía a representação operária nos parlamentos.

(E) a vitória dos partidos comunistas nas eleições das principais capitais europeias.

2 - Para Max Weber todo indivíduo é dotado de capacidade e vontade para assumir uma posição consciente no mundo. Weber, porém, apesar de fazer esta afirmação, levanta uma série de considerações a respeito da compreensão que os sociólogos precisam ter, ao observar e tentar entender as ações dos indivíduos na sociedade. Seguem abaixo algumas dessas considerações. Assinale a única que está incorreta, sob o ponto de vista weberiano:

(A) Weber formulou uma teoria que representa as ações dos indivíduos exatamente como acontecem na realidade cotidiana.

(B) Weber diz que para compreender a sociedade é preciso entender a ação social, ou seja, a ação que o indivíduo comete quando leva em consideração as ações dos outros indivíduos em suas atitudes e intenções.

(C) Weber entende que a ação humana tem sempre, necessariamente, sentido.

(D) Segundo a concepção de Weber, a ação do indivíduo se baseia nos regulamentos que fazem sentido para vários indivíduos.

(E) Weber afirma que é impossível compreender a realidade humana em sua totalidade, em razão da sua complexidade e diversidade.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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BERGER, Peter. A sociedade no homem. In: Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1976, p. 101-129.

O autor vai descrever e analisar, neste capítulo, como a sociedade condiciona a socialização dos indivíduos.

TELES, Maria Luiza Silveira. Sociologia para jovens. Petrópolis: Vozes, 1997.

Pequeno livro que vai sintetizar as principais discussões que apresentamos neste capítulo. Além disso a autora aborda questões atuais das sociedades modernas.

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FILMES

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MEGAMENTE (Megamind, EUA, 2010). Direção: Tom McGrath. Elenco (as vozes de): Will Ferrell, Brad Pitt, Tina Fey. Duração: 95min.

Filme de animação. Megamente e Metro Man são dois seres alienígenas, provenientes de dois planetas diferentes, que são enviados à Terra quando bebês, em suas respectivas naves espaciais, chegando ao mesmo tempo ao planeta. Mas, enquanto a nave de Metro Man, um ser bonito e musculoso, segundo um padrão dominante em nosso planeta, cai na casa de uma família rica e cresce sendo adorado pelas demais crianças da escola, a nave de Megamente, que é um ser azul, considerado feio por todos, cai num presídio e é socializado nesse meio. Tempos depois, enquanto Metro Man vira um super-herói, Megamente se transforma em um supervilão, até que um acontecimento muda esse cenário.

GIORDANO BRUNO (Giordano Bruno, ITÁLIA, 1973). Direção: Giuliano Mortaldo. Com Gian Maria Volonté. Duração: 123min.

Filósofo, astrônomo e matemático, Giordano Bruno fez várias descobertas científicas e desenvolveu sua teoria do universo infinito e da multiplicidade dos mundos, em oposição à tradição geocêntrica (a Terra como centro do universo). Biografia de um dos precursores da ciência moderna.

INTERNET

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REVISTA CAFÉ COM SOCIOLOGIA: http://goo.gl/7Hy2v1

Portal mantido por um grupo de pesquisa independente. Segundo o site, publica um "periódico quadrimestral voltado à publicação de textos, artigos, análise de filmes e músicas, resenhas e relato de experiências docentes ligados a Sociologia. A revista tem como público professores e alunos de Sociologia e Ciências Sociais". Acesso: janeiro/2016.

SOCIOLOGIA EM TESTE: http://goo.gl/YdElTi

Segundo sua criadora, Duda, trata-se de um "Blog para se pensar o Ensino de Sociologia, principalmente buscando formas de trabalhar a disciplina nos currículos escolares". A responsável pelo Blog é licenciada em Ciências Sociais pela UFRGS e leciona Sociologia e Ciências Humanas nas redes municipal e estadual em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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I DON'T WANT TO GROW UP (Eu não quero crescer) - Autores e intérpretes: Ramones.

Punk-rock cuja letra pode servir como um exercício sociológico, com base em Marx e Durkheim, sobre a visão de mundo de um jovem sobre a sociedade que o cerca. Ao mesmo tempo, é possível classificar a visão particular desse indivíduo à tipologia proposta pela teoria da ação de Weber. Tente!

O ESTADO DAS COISAS - Autores: Fernanda Abreu, Matilda Novak, Alexandre Amorim (Intérprete: Fernanda Abreu).

A letra cita o indivíduo e as ideias que ele pensava que somente ele tinha, mas que depois percebe que não é bem assim...

FILME DESTAQUE

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O NOME DA ROSA

(Der Name der Rose)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Jean-Jacques Annaud

Elenco: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger, Elya Baskin, Michael Lonsdale

Duração: 130 min.

(Alemanha, 1986)

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FONTE: Neue Constantin Filme/Jean-Jacques Annaud

SINOPSE:

Um monge franciscano e um noviço que o acompanha chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso, que se mostra bastante intrincado, além dos mais religiosos acreditarem que é obra do demônio.

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Aprendendo com jogos

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McDonald's Videogame

(Molleindustria, 2006)

VOCÊ TEM ESTÔMAGO PARA ISSO?

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FONTE: Divulgação/ Mcvideogame

Esse game é uma paródia criada por uma produtora italiana, uma ficção que não diz respeito a uma empresa em particular, ainda que brinque com um nome que no Brasil é sinônimo de fast food. Em McDonald's Videogame você vai administrar uma loja da rede de lanchonetes em diversas etapas, da fabricação à comercialização dos lanches. Você vai abandonar todos os valores admissíveis como corretos para que a empresa venda hambúrguer! O jogo explora a busca por lucro a qualquer custo e a forma destruidora pela qual isso é obtido: demissões, superexploração dos funcionários, utilização de substâncias nocivas à saúde na fabricação dos alimentos, devastação da natureza para plantar soja, campanhas publicitárias enganosas e corrupção para contornar os processos judiciais.

Como jogar:

1. O jogo é gratuito e online. Você pode jogá-lo em http:// goo.gl/PdZWZu2. Anote todas as ações que o levaram a vencer o jogo. Anote as decisões que o levaram a perder o jogo.

3. Após jogar, assista ao documentário A dieta do palhaço (Super Size Me, documentário lançado no Brasil em 2004, produzido e protagonizado por Morgan Spurlock, cineasta independente dos EUA). Você poderá assistir online aqui: https://goo.gl/INFhPB. Faça anotações comparando discussões propostas no documentário e discussões propostas pelo jogo.

4. Em dia determinado pelo (a) professor(a), organize-se em dupla com um colega para discutirem suas anotações. Respondam às seguintes questões: as decisões que levaram à vitória são corretas? Elas prejudicam outras pessoas? Como?

5. Discuta com o colega de dupla sobre a socialização do trabalhador, respondendo à seguinte questão: por que pessoas aceitam trabalhar nas condições apresentadas no game? Discuta outras questões também: por que passamos a achar "normal" que empresas possam funcionar como mostrado no game? Por que consideramos normal que alimentos possam ser produzidos sem qualquer atenção aos direitos dos animais (como o direito a condições de bem-estar mesmo para animais de produção)? Por que o trabalho é um valor tão importante que não se permite discutir as condições em que o trabalho é realizado? O que isso tudo tem a ver com socialização? Descreva como se deu o processo de socialização que você experimentou quando ingressou em sua atual escola e, para isso, lembre-se de tudo o que você precisou aprender em termos de valores, regras e normas aceitas nesse ambiente, tanto as normas e os valores "da escola" quanto aqueles compartilhados por seus colegas de turma. (uma dica: leia o capítulo 2 do livro). Anote as conclusões de vocês.



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6. Apresente à classe os resultados da conversa em dupla e compare com as respostas de outras duplas.

7. Discuta com os colegas de turma a sua experiência com o jogo e as relações entre o jogo e o documentário.

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Capítulo 3 - "O que se vê mais, o jogo ou o jogador?" Indivíduos e Instituições Sociais

Boxe complementar:

IRLANDÊS CHAMA HENRY DE "HIPÓCRITA" POR GOL DE MÃO

O lance ilegal que foi decisivo para a classificação da França para a Copa do Mundo - uma bola conduzida com a mão pelo atacante Thierry Henry antes da assistência para o gol de Gallas, contra a Irlanda - gerou nesta quinta-feira várias críticas de torcedores e personalidades ligadas ao futebol irlandês.

Uma das mais duras foi feita pelo ex-atacante Tony Cascarino, que defendeu a Irlanda nas Copas de 1990, na Itália, e de 1994, nos Estados Unidos.

Suas declarações, publicadas nesta quinta-feira pelo jornal The Times, questionam o caráter de Henry, a quem chamou de "hipócrita".

"Não sou um anjo, mas nunca teria feito o que ele fez. Henry pode dizer o que quiser, mas para mim não foi um lance acidental, e sim uma trapaça bem calculada. Ele colocou a mão para não perder o domínio da bola, e depois a levou claramente até seu pé direito", afirmou (...)

Site http://bit.ly/17kOENr

Fonte: esportes. terra.com.br Acesso: Jan./2016.

Fim do complemento.

Quem gosta e acompanha futebol deve se lembrar desse escândalo. Um desrespeito às regras desse esporte, mas que valeu a participação da seleção francesa de futebol na Copa do Mundo de 2010 e a eliminação da seleção irlandesa. Violação das regras? Bom, até que provem o contrário, o juiz só viu o lance depois da partida. Mas, segundo palavras de um conhecido árbitro brasileiro: a regra é clara. O jogador francês Thierry Henry, num gesto que apareceu no mundo todo, sofreu as consequências por ter burlado uma regra que ele conhece, pois é um profissional de futebol.

A lembrança desse fato serve para iniciarmos uma grande discussão sociológica que diz respeito às instituições sociais. O episódio nos mostra algo básico que acontece em todas as sociedades, ou seja, regras, normas, padrões de conduta e o controle que eles exercem sobre os indivíduos. Os indivíduos sabem que as regras existem e, como vimos no capítulo sobre socialização, eles as aprendem desde a mais tenra idade. Pois bem, o que faz com que se cumpram as regras, as normas, as condutas e impõem certo controle sobre os indivíduos são as Instituições Sociais. No caso de Thierry Henry, a grande repercussão do seu ato se deveu a ter burlado uma regra dentro de uma instituição que é internacional - no caso, as regras da organização mundial do futebol, representada pela FIFA - Fédération Internationale de Football Association.

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E como sugere o título deste capítulo, numa partida de futebol, muitas vezes nós reparamos mais no jogador e, algumas vezes, nas regras do jogo. Os jogadores, evidentemente, são mais visíveis do que as regras. E na sociedade, reparamos mais nos indivíduos ou mais nas instituições? Ou reparamos nos dois? Tem gente que só percebe a existência de um deles. Mas vamos à nossa conversa.

Definindo os termos da conversa

Em primeiro lugar, podemos afirmar que essa reflexão sobre as instituições sociais é muito importante para pensar sobre as nossas vidas e o nosso cotidiano. As instituições estão por todos os lados. Nossa convivência com os pais e irmãos se dá na instituição família, com suas regras de comportamento e maneiras de pensar. Da mesma forma a escola, com todas as suas normas que envolvem os critérios de avaliação de desempenho, os horários, os uniformes dos estudantes, assim como a sua convivência com professores e os outros profissionais.

Mas não para por aí. Quando vamos nos divertir com nossa família num clube, estamos participando diretamente de uma instituição, da qual somos sócios. Já alguma pessoa que seja mais religiosa certamente frequenta algum local de culto, que está representando uma instituição para fins religiosos.

Acha que parou por aí? E quando você completar 18 anos (ou já completou?) certamente terá (ou já teve) que possuir e lidar com uma série de documentos para provar que tem certos direitos, ou seja, vai lidar com uma burocracia que pertence ao Estado, que é outra instituição presente com bastante força em nossas vidas. Enfim, até a mídia que seleciona, organiza, sistematiza e difunde informações para nós, também é uma instituição, já que se trata de uma empresa capitalista, apesar de deter uma concessão pública como meio de comunicação de massa.

Mas, não pense que as instituições fazem tudo por você, como se você vivesse num mundo "automático", onde tudo é determinado pelas instituições sociais.

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LEGENDA: Todos os cidadãos são obrigados a lidar com a burocracia da instituição Estado.

FONTE: Vanderlei Sadrack

As instituições devem ser vistas pela nossa imaginação sociológica de forma bilateral, como dizia o sociólogo americano Peter Berger (1976). O que quer dizer isso? Que elas moldam os indivíduos, com suas regras e normas impessoais, com seu controle, através de sanções ou de ameaças de sanções e, até mesmo, com o uso da violência. No futebol, se você não seguir as regras, pode ser até expulso. Na sala de aula, se você não cumprir com uma rotina de estudos e não alcançar um certo nível nas avaliações de desempenho, pode ser reprovado; se não tiver uma conduta ou uma postura adequada de estudante, pode ser repreendido pelo professor ou pela direção da escola. Em casa, se você não zelar pela harmonia da família, pode sofrer algumas consequências emocionais.

Mas, por outro lado, você também pode ajudar a moldar ou modificar as instituições. Um exemplo disso é quando os movimentos sociais contribuem para que o Estado garanta um direito do cidadão ou quando um grande movimento de pessoas pressiona as instituições para que elas tenham outra forma de organização.

Você sabia que, em função das lutas pela democracia no Brasil, só nos últimos vinte e oito anos é que os jovens entre 16 e 18 anos conquistaram o direito de votar?

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Você sabia que após cada Olimpíada acontece a organização das Paralimpíadas? Um evento onde as pessoas com deficiências (cegos, surdos ou com alguma limitação física) também realizam os seus jogos olímpicos? Pois bem, o Comitê Olímpico Internacional - uma instituição social - organiza as Paralimpíadas, como resposta às grandes lutas pelos direitos civis em nível mundial.

Mas, também podem ocorrer mudanças em instituições com regras rígidas, devido às ações e atitudes de certos indivíduos. Por exemplo: a Igreja Católica, há poucos anos, exigia que seus padres rezassem a missa somente em latim, que era a língua oficial do Antigo Império Romano, da qual originaram diversas outras línguas modernas, como o espanhol, o francês, o italiano e o português. Porém, alguns padres começaram a perceber que as missas estavam se esvaziando, porque muitas pessoas não entendiam ou não viam significado na missa sendo realizada em uma língua que elas não conheciam. Final da história: muitos padres começaram a rezar as missas nas suas línguas maternas e a autoridade máxima da igreja, o Vaticano, resolveu não mais exigir que as missas fossem realizadas em latim. Aqui, portanto, temos um exemplo explícito de que as instituições podem sofrer mudanças devido à ação dos indivíduos.

Bom, entendendo isso, já podemos definir as instituições sociais como órgãos reguladores da vida humana, que nos dizem de que maneira devemos nos conduzir, que existem de forma padronizada e que nos obrigam a seguir comportamentos e atitudes desejáveis pela sociedade. Muitas vezes, as instituições nos mostram que há somente aquela maneira de fazer e pensar as coisas do mundo. Podemos dizer, em outras palavras, que as instituições, enquanto estruturas organizadas, nos apontam o tipo de ação que se deve fazer num determinado tempo e espaço.

Essa definição nos faz lembrar aquilo que dizia Durkheim - que os fatos sociais são exteriores a nós. Podemos perceber que o mesmo se aplica às instituições. Elas existem, independentemente de nós; não podem ser negadas e temos que saber lidar com elas. Elas moldam nossas ações e expectativas. Por isso, temos que cumprir certos papéis sociais e, se recusamos estes papéis, as instituições têm um número variado de recursos de controle e sanções. Essas sanções são capazes de nos isolar, nos expor ao ridículo, nos privar de algo e, em último caso, nos violentar.

Mas, como dissemos antes, a vida com as instituições não é tão automática assim. Se elas são quase impessoais e entidades acima de nós, por que muitas pessoas as aceitam e convivem plenamente com elas? Simplesmente porque quase sempre desejamos e queremos aquilo que a sociedade e algumas instituições esperam de nós. Mas também, porque o que nós somos e como nós definimos as coisas, são quase da mesma maneira que as instituições fazem ou são. Isso também pode ser entendido porque todas as instituições tiveram uma origem no tempo, em uma determinada época da História.

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LEGENDA: Igreja - uma poderosa instituição social. Na foto, paróquia de São Sebastião dos Capuchinhos, no Rio de Janeiro.

FONTE: Mônica Lins

Os homens sempre inventaram novas formas de conduta, novas regras, novos valores e novas ideias.

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Contudo, na medida em que são transmitidas às novas gerações, as condutas, as regras e os valores se cristalizam ou se solidificam, quer dizer, passam a ser percebidas como independentes dos indivíduos que as mantém e que as desejam. É como se as instituições sociais adquirissem uma vida própria, cuja existência não é mais percebida como uma criação humana. Por isso é que é muito difícil para os indivíduos perceberem que as instituições - ou a estrutura da sociedade onde vivem - são assim porque os indivíduos, em um determinado momento, as fizeram e as reproduziram de uma certa forma. Entretanto, isto não impede que certos indivíduos modifiquem uma instituição ou a destruam e criem outras instituições. Lembra do exemplo dos padres?

Pois bem, diante deste início de conversa, o que podemos definir é que as instituições funcionam para um determinado fim, representam certas ideias, códigos, valores expressos com uma determinada linguagem, se autorreproduzem para se legitimarem, têm uma durabilidade muito maior que os grupos e os indivíduos e interagem e influenciam-se com outras instituições. Portanto, veremos agora algumas das principais instituições que existem em nossa sociedade.

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LEGENDA: Sede central da Universidade Federal do Paraná - UFPR, em Curitiba. Esta instituição exerce grande influência social e política em todo o estado - reconhecida pela formação qualificada de profissionais e pela extensa produção científica.

FONTE: Luiz Fernandes

Papai, mamãe, titia e os outros...

Todos nascemos numa família. Claro, mas nem todas são iguais ou se formam da mesma maneira. Mas, a família é a primeira instituição social em que o(s) indivíduo(s), ao nascer(em), entra(m) em contato. E por ser uma instituição primordial, ela é a instituição social que mais influencia e tem impacto sobre as relações sociais. Mas, ela também sofre as influências das outras instituições sociais e da História de uma determinada sociedade. Geralmente uma família é definida a partir de laços de parentescos, convivência e necessidades mútuas dos indivíduos. Podemos dizer que estas são suas características básicas, porém, suas formas variam no tempo e no espaço. Variam, porque dependem da cultura (veremos este conceito mais adiante), ou seja, de hábitos, costumes e valores de uma determinada sociedade, dependem das relações econômicas, das relações com determinada religião e outros fatores.

Podemos dizer que um grupo de pessoas formado pelo pai, pela mãe e pelos filhos constitui uma família. Isto é o que acontece entre a maioria das pessoas no Brasil e em muitas partes do mundo, em especial nas sociedades ocidentais. Este tipo de família, encabeçada por um homem e uma mulher, é intitulada como monogâmica. Porém, também em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil, alguns grupos de pessoas estão inseridos em famílias que não são estruturadas desta forma. Há famílias em que sua organização é baseada somente com um pai e várias mulheres, que tem vários filhos deste mesmo pai. Existem sociedades em que ocorre o contrário, uma mulher com muitos maridos. Essa forma de organização da família é chamada de poligamia e é comum, por exemplo, no primeiro caso - um homem com várias esposas - em algumas sociedades muçulmanas. Já o segundo caso - uma mulher com vários maridos - pode ser encontrado em algumas sociedades existentes na Costa do Marfim e em Moçambique, na África. Nesse caso, chamamos de poliandria.

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Hoje, há um novo fenômeno, por uma série de razões, em que os filhos só contam com suas mães. Em algumas sociedades africanas, como as citadas de passagem anteriormente, são as mulheres a principal referência para as famílias, ou seja, a identificação de uma família acontece a partir da identificação de quem são os filhos e os irmãos destas mulheres. Os pais das crianças podem até ser identificados, mas são os papéis das mulheres que identificam uma determinada família. Isto tem a ver com um estudo bastante tradicional chamado relações de parentesco. No caso em questão, trata-se de um sistema de parentesco matrilinear. Já nas sociedades em que as relações de parentesco são determinadas pela figura paterna, temos um sistema patrilinear. O antropólogo francês Lévi-Strauss pesquisou essas relações, na década de 1940. Para ele, o parentesco é uma estrutura formal, universal, própria dos seres humanos. Ou seja, é através das variadas formas de parentescos que as famílias se organizam (cf. LÉVI-STRAUSS, 1982). O que ele fez com estes estudos foi desnaturalizar a família ocidental, ou seja, demonstrar que o tipo de família monogâmica não é universal.

Mas, as famílias também são estruturadas e influenciadas pelas concepções religiosas, pelas condições econômicas ou pelos valores e ideias em uma determinada sociedade, no espaço e no tempo. Isto quer dizer que, dependendo da sociedade e de uma determinada religião, certas formas familiares são aceitas e outras não. Um bom exemplo diz respeito aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Na nossa cultura este tipo de unidade familiar é bastante rejeitado e malvisto. A grande maioria das religiões não aceita este tipo de união matrimonial e influencia diretamente as pessoas nas suas concepções sobre o que seja uma família.

Agora, vamos pensar: que influências devem ser consideradas para que uma família seja de um jeito e não de outro? Este é um bom debate e pode motivar uma boa pesquisa sociológica.

Enfim, a família é uma instituição que socializa os indivíduos, tem certas normas, que prescrevem condutas e possuem laços parentais, que podem ser nucleares, ou seja, com casais que cuidam de seus filhos, ou ampliadas, compostas também por outras pessoas, não necessariamente parentes, mas que sempre foram muito próximas. Porém, seria mais interessante falarmos de "famílias" no sentido de que suas formas são muito variadas.

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LEGENDA: Família construída através do casamento monogâmico: na sociedade ocidental, uma instituição que é influenciada pela concepção religiosa judaico-cristã.

FONTE: Luiz Fernandes

Meus colegas, minha turma, meus professores...

Poderíamos falar aqui da educação em geral e suas instituições mais exemplares como as escolas, os internatos ou as universidades. Mas, para exemplificar melhor o que faz uma instituição social, resolvemos falar da escola.

Houve um tempo em que falar de educação escolar era afirmar uma perspectiva de futuro para as novas gerações de crianças e jovens. A professora e o professor tinham seus papéis, os alunos e alunas tinham suas obrigações, os métodos tinham suas funções e as instituições de ensino tinham suas regras e normas.

A escola surge por volta dos séculos XVII e XVIII, junto com a chamada modernidade na Europa. Era na escola que se depositavam todas as esperanças redentoras de uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e livre.

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A História revela que uma "política educacional", em seu sentido específico, tem início no final do século XVIII e início do XIX e decorre de três visões de mundo que passaram a ser dominantes no ocidente naquele momento: a crença no poder da razão e da ciência, o projeto liberal de igualdade de oportunidades e a luta pela consolidação dos Estados Nacionais.

Bem, o que estamos querendo dizer com isso?

Primeiro, quando falamos em "política educacional" estamos nos referindo a um conjunto de ações que são planejadas por instituições - como o próprio Estado, por exemplo - no sentido de construir escolas, contratar professores e organizar currículos (ou seja, os conteúdos que serão ensinados), entre outras possibilidades.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: Na instituição escola aprendemos regras e normas sociais.

FONTE: Luiz Fernandes

A partir dessas ações, a educação escolar recebe uma missão principal: a ilustração do povo - tarefa somente possível a partir do princípio da instrução pública com um caráter universal e iniciado pela alfabetização básica. Essa missão não significou necessariamente que os sistemas nacionais de ensino - na Europa e na América do Norte - tenham assumido proporções significativas de imediato. Pelo contrário, do final do século XVIII até meados do século seguinte, a presença da escola é muito mais intenção de um grupo de intelectuais da burguesia - a classe dominante composta por industriais, banqueiros e comerciantes - do que a realidade.

Só a partir do século XX houve um desenvolvimento significativo do processo de escolarização nas sociedades ocidentais, atingindo basicamente todas as classes sociais. Neste sentido, o que de fato estamos afirmando é que a escola moderna - tal como hoje a conhecemos - é uma invenção histórica, ou seja, surge com a ascensão do mundo industrial e de uma nova classe social, a burguesia. Assim, aparece uma instituição especializada - a escola - que separa o aprender do fazer.

O que estamos dizendo, com esta última frase, é que a escola, na verdade, não é "única", ou melhor, não é uma instituição que se organiza da mesma forma para todas as pessoas; ela não tem, de fato, um caráter "universal". Os filhos da burguesia, por exemplo, frequentam escolas privadas, com a melhor infraestrutura possível em termos de salas de aula e seus recursos tecnológicos, com a presença de profissionais como pedagogos e psicólogos, e docentes recebendo um salário acima da média recebida pelos professores em geral. O ensino básico, nessas escolas, tem como objetivo a "formação integral" do ser humano em termos de acesso ao conhecimento geral, para somente depois, no ensino superior, assumir um caráter de especialização e formação para o exercício de uma profissão.

No caso da classe trabalhadora - tendo como exemplo o nosso país -, a escola é diferente: infraestrutura e recursos escassos, péssimas condições de trabalho e salários baixos dos profissionais de ensino e, consequentemente, inúmeras desistências no exercício do magistério. Nessas escolas, o número de evasões é bastante alto; há muitas dificuldades para os estudantes concluírem o ensino básico pois também precisam trabalhar enquanto estudam, contribuindo para o sustento da família. Poucos conseguem, depois, cursar uma universidade.

Ainda em relação ao Brasil, parte da classe trabalhadora tem como alternativa cursar o Ensino Médio e, ao mesmo tempo, aprender determinados conhecimentos especializados que lhe permitam o ingresso no mundo do trabalho em profissões técnicas, de nível médio.

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Trata-se das escolas pertencentes à rede profissional e tecnológica, de âmbito federal, mas também existindo em diversos estados. Neste caso, de qualquer forma, persiste um mecanismo de segregação em termos de política educacional, pois o objetivo desta é a formação de um quadro de técnicos que se torna necessário aos projetos de desenvolvimento capitalista. Com os recursos disponíveis, em geral, e a garantia de uma relativa qualidade do ensino nessa rede de escolas, são elas que geralmente permitem a ascensão dos filhos da classe trabalhadora ao ensino superior público - o que significa, na prática, o "fracasso" da política educacional proposta pelos gestores governamentais e os diversos investimentos promovidos para a expansão dessa rede.

Voltando à discussão mais geral sobre o papel desempenhado pela instituição escola, vale a pena lembrar que ainda não completou duzentos anos a ideia de que a educação é um produto da escola, com um conjunto de pessoas especializadas na transmissão de saberes e conhecimentos - os professores.

A escola é também uma nova instituição porque passou a funcionar como uma "fábrica de cidadãos" (segundo determinado ponto de vista), possuindo um conjunto de valores estáveis e próprios. Estes, portanto, foram os elementos que contribuíram para uma longa estabilidade da escola. Ou seja, criaram-se regras, um tempo de aprendizagem dividido em etapas, uma organização burocrática, um rol de conteúdos selecionados com objetivos específicos para a formação dos estudantes, sistemas de avaliação de desempenho que estabelece quem será "credenciado" com determinado título (quem receberá o certificado ou o diploma), e etc. Em outras palavras, a forma de organização dessa instituição deu à escola um papel fundamental de seleção daqueles que serão "incluídos" ou "excluídos" da sociedade como um todo, além de uma determinada escolha de conteúdos que incidirão sobre a formação cultural e política dos estudantes.

Vamos pensar mais sobre a instituição escola: quando a criança, ou o jovem, entra na escola, o que se discute são as várias questões internas, que não existem em outros espaços. No espaço escolar existe um cotidiano específico. Ali, jovens e crianças se transformam em estudantes. Mas, não somente eles. Os adultos, dependendo da função profissional que ocupam, se transformam em professores, funcionários ou gestores da escola. Essas pessoas ocupam espaços na escola e se relacionam de forma específica. Existem regras também específicas e formas de relacionamento entre as pessoas, que devem obedecer a essas regras.

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LEGENDA: A escola como instituição social é um espaço de educação criado no século XIX na Europa. Na foto, uma aula de Sociologia no município de Seropédica - RJ.

FONTE: Nalayne Mendonça Pinto

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Mas, nesse espaço escolar existem relações cotidianas que acontecem de uma forma territorial, social, cultural e existencial. O que queremos dizer com isso?

Queremos dizer que apesar das regras existentes, das funções que cada um ocupa na escola - o professor leciona, o funcionário administrativo cuida da papelada, o diretor responde por tudo na escola, os alunos aprendem as lições etc. -, existe um cotidiano de funcionamento que é muito influenciado pelas histórias de vida de cada um dos agentes socializadores.

A forma territorial segrega a educação num espaço próprio, corredores, pátios e sala de aula. A forma social e cultural é aquela que estabelece regras e formas de funcionamento, que é muito influenciada por ideias como hierarquia, solidariedade, comportamentos adequados, divisão de tarefas etc. E a forma existencial, porque na escola passamos boa parte de nossas vidas, portanto, ser professor, ser diretor ou ser estudante, define o nosso ser por alguns anos de vida.

Neste sentido, falar de cotidiano escolar é entender que esse não é simplesmente constituído num mundo à parte, fora da sociedade. Por mais que queiramos que a escola nos ensine matérias e conteúdos, é no cotidiano da escola que aprendemos muito mais coisas que os conteúdos das disciplinas. Enfim, quando alguém (criança / jovem / adulto) entra na escola encontra outra forma de socialização, outras regras de convivência e outras pessoas com as quais se relaciona. Esse cotidiano não é frio e sem vida, mas repleto de várias histórias, desejos e angústias. E isso vale também para professores e os outros profissionais da Educação.




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Meu padre, meu pastor, minha mãe de santo, os adeptos...

Mais adiante falaremos da religião como uma preocupação sociológica e mais especificamente como a expressão da religiosidade dos indivíduos e grupos, pois é um tema de muita importância na História da humanidade. Entendemos por religiosidade uma qualidade do indivíduo que é caracterizada pela disposição ou tendência do mesmo para seguir uma religião ou a integrar-se ao sagrado. Outra coisa é a instituição social que se organiza a partir de uma religião. Enquanto instituição social, ela apresenta uma simbologia que invoca reverências ou temeridades às coisas sagradas e tem seus fiéis ou seguidores. Ela possui rituais, ou seja, práticas, gestos, atos, palavras que têm um significado sacro. Por exemplo: podemos acender uma vela para iluminar nossa casa quando falta energia elétrica; mas, quando acendemos uma vela em reverência a um deus ou deuses ou forças espirituais, este gesto se realiza enquanto ato sagrado. Na maioria das religiões, há também uma prescrição de condutas, quer dizer, em função de uma determinada crença, você é obrigado a se comportar, agir ou pensar de determinada forma.

Todas as religiões têm suas comunidades de fiéis, mas essas comunidades são extremamente variadas. Na Sociologia, tivemos dois teóricos que tentaram classificar as religiões enquanto instituições - Max Weber e Ernst Troel - tsch. Eles fizeram uma distinção entre Igrejas e seitas. Quando nos referimos à instituição Igreja, neste caso, estamos falando da comunidade de fiéis citada acima - e não aos prédios, também nomeados como "igrejas" ou templos. Nesse sentido, a Igreja é definida por esses autores como um agrupamento bem maior do que as seitas.

As Igrejas possuem uma estrutura burocrática, com hierarquias e dogmas bem definidos e, por isso, uma coesão institucional bem estruturada. Segundo Troeltsch (1987), as Igrejas se orientam visando à conversão de todos e tendem a se ajustar aos valores da sociedade existente, acomodando-se às demais instituições.

Já as seitas - ainda de acordo com Ernst Troeltsch - criam comunidades próprias, têm poucos funcionários e seus membros participam em condições de relativa igualdade, ou seja, há pouca hierarquia. Mas, além disso, têm como características atitudes bem demarcadas de austeridade ética e de separação em relação à sociedade em geral, com uma visão de afastamento e de desconfiança em relação ao mundo secular, seus valores e suas instituições (cf. TROELTSCH, 1987).

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Estes conceitos são bastante úteis para interpretar certas religiões como instituições sociais, principalmente aquelas ligadas às tradições judaico-cristãs. Porém, se fizermos um estudo mais aprofundado das instituições religiosas que existem no Brasil, nem todas podem ser classificadas como igrejas, seitas, denominações ou cultos.

Há opiniões de senso comum em que se costuma dizer que o candomblé, o espiritismo e a umbanda são seitas. Entretanto, se observarmos a História do Brasil, veremos que estas manifestações religiosas são bem estáveis e permanentes. Os primeiros terreiros de candomblé surgem no início do século XIX. O espiritismo chega ao Brasil no final do século XIX e se mantém como instituição até os dias de hoje. A umbanda surge nos primeiros anos do século XX, no Rio de Janeiro, e está presente em todo o Brasil atualmente. É claro que estas religiões não têm uma organização centralizada, como a Igreja Católica. No entanto, elas apresentam hierarquias e rituais permanentes e a participação de seus membros nos cultos acontece de forma bastante coesa.

No capítulo sobre religiosidade, discutiremos um pouco mais sobre as religiões existentes no Brasil. Porém, o que estamos destacando aqui é a sua importância para a Sociologia, enquanto uma instituição social que molda os indivíduos e tem finalidades próprias, mas que também interfere em outras esferas da vida em sociedade.

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LEGENDA: Índios da comunidade Trucá fazendo cerimônia religiosa do toré, na ilha de Assunção, em Cabrobó (PE). Poderíamos classificar essa cerimônia como uma Instituição?

FONTE: Antônio Gaudérico/ Folhapress

O político, o juiz, o funcionário e o povo...

Foi dito no início do capítulo que, quando você completa 18 anos, certamente terá que possuir e lidar com uma série de documentos. Desde quando você nasceu, na verdade, pois seus pais tiraram a sua certidão de nascimento, registrada em cartório. Quer dizer, você saiu da maternidade com status de cidadão, ou seja, como um indivíduo que é membro de um Estado, com determinados deveres e direitos políticos. Assim, podemos dizer que a nossa sociedade é organizada também a partir de uma instituição chamada Estado.

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Todos nós fazemos parte do Estado; somos todos cidadãos, com determinados direitos e deveres. E mais, todas as instituições sociais - a família, a escola, a religião, as empresas, os clubes etc. - estão, de alguma forma, inseridas e são reconhecidas, legalizadas ou registradas no Estado. O que não quer dizer que estas instituições dependam do Estado para existir. Algumas são somente reconhecidas e outras devem obrigações ao Estado. Mas, o que diferencia o Estado das outras instituições é o seu caráter universal dentro de uma determinada sociedade, isto é, todos os indivíduos, independentemente de pertencerem ou não a outra instituição, são membros do Estado. Entretanto, pelo seu caráter universal e público, as ações que os indivíduos realizam, em nome do Estado, devem ser também de caráter público, sem discriminar ninguém ou nenhuma outra instituição. Mas vamos ver resumidamente este tema, já que teremos um capítulo à parte sobre o tema do Estado.

Em tese, o bem público constitui a própria razão de ser dos Estados. Mas, o que vem a ser "bem público"? O bem público não se confunde com o bem deste ou daquele indivíduo ou grupo. Também não é algo abstrato, indefinido, resultante da soma do bem de todas as pessoas que compõem o Estado. O bem público compreende um conjunto de ações políticas e instituições específicas que podem contribuir para que os homens atinjam mais plena e facilmente certo padrão de qualidade de vida. Dessa forma, podemos entender os bens públicos como materiais (prédios públicos, como escolas e postos de saúde, mas também as praças, as ruas e etc.) e imateriais (como são as leis, os direitos, os serviços públicos etc.). Dentre tais ações e instituições, que são tarefas do Estado, destacamos: garantir a produção e distribuição de produtos e serviços essenciais à sobrevivência da população (como, por exemplo, a energia elétrica, a água potável e os serviços de saúde pública); promover o desenvolvimento econômico, social, político e cultural (através, por exemplo, da rede de escolas públicas e os seus conteúdos curriculares); garantir os direitos e exigir deveres de seus cidadãos, além de julgar possíveis conflitos de interesses entre pessoas, grupos ou instituições (como é o objetivo da legislação, em geral, e como devem ser as funções dos poderes públicos). A lista seria muito mais ampla. Entretanto, limitamo-nos a esses exemplos, para ilustrar a ideia de bem público.

Para a realização desses objetivos públicos, geralmente, os Estados modernos se organizam através da distribuição de poderes em três esferas, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, para o exercício das funções de elaborar leis, administrar o interesse público obedecendo às leis e estabelecer a justiça no convívio social. Estas esferas são independentes umas das outras, mas, teoricamente, harmônicas entre si. Surgiram a partir da teoria da tripartição dos poderes, que se tornou característica do Estado moderno. O principal autor desta teoria foi um filósofo francês chamado Montesquieu, que viveu ao longo da primeira metade do século XVIII e se tornou um dos expoentes do Iluminismo. Vejamos como a instituição chamada Estado se organiza no Brasil.

Boxe complementar:

O Poder Legislativo - é constituído por um conjunto de representantes do povo, eleitos pelos cidadãos que têm direito ao voto. Ao nível federal, é formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que constituem o Congresso Nacional. Os deputados federais são eleitos para seus mandatos políticos a cada quatro anos e os senadores, a cada oito anos. Nos estados são formadas as Assembleias Legislativas, com os deputados estaduais eleitos a cada quatro anos. Já nos municípios temos as Câmaras de Vereadores, onde os representantes são eleitos também a cada quatro anos. As principais funções do Legislativo são: legislar, isto é, elaborar ou receber, discutir e aprimorar (ou rejeitar) os projetos de leis; fiscalizar o Executivo no desempenho de suas funções e, em alguns casos, julgar os chefes do Executivo, quando acusados de crime.

Fim do complemento.

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Boxe complementar:

O Poder Executivo - ao Poder Executivo compete a direção do Estado, segundo as leis emanadas do Legislativo. Cabe-lhe, entre outras coisas, no caso do presidente da República, cuidar de qualquer assunto que tenha interesse nacional (em nível estadual, os governadores cuidam dos assuntos dos estados; e em nível municipal, os prefeitos se responsabilizam pelos assuntos do município); manter a ordem interna e a soberania externa; administrar todos os setores da vida pública; criar e extinguir órgãos ou cargos administrativos; nomear ou demitir funcionários; arrecadar e administrar os recursos econômicos necessários ao funcionamento da máquina governamental e à promoção do bem público, tais como educação, saúde, assistência social etc.

Fim do complemento.

Boxe complementar:

O Poder Judiciário - ao Judiciário compete aplicar a lei e, teoricamente, segundo as normas legais estabelecidas pelo Direito, "fazer reinar a Justiça" no relacionamento dos indivíduos entre si e com o Estado, bem como as relações entre as instituições. Sua estrutura é composta por juízes e promotores. Na esfera nacional estes são nomeados pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo. Nas esferas estaduais, a grande maioria entra por concursos públicos. São eles que desempenham os papéis de garantidores da lei quando há conflitos de interesses entre pessoas, grupos e instituições. Para desempenhar corretamente sua função, o Judiciário não pode estar submetido a nenhum dos outros poderes. No Estado brasileiro, procura-se garantir ao juiz o máximo de estabilidade no cargo e plena liberdade para interpretar a lei e ditar suas sentenças, sem receio de represálias, arbitrariedades ou pressões. O órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro é o Supremo Tribunal Federal - STF. Suas deliberações, sobre diversos temas, significam sempre a "última decisão", não cabendo, praticamente, qualquer tipo de recurso do ponto de vista jurídico.

Fim do complemento.

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LEGENDA: Ex-Ministro do Supremo Tribunal, Joaquim Barbosa. Um dos representantes do órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, entre 2003 e 2014.

FONTE: Alan Marques/Folhapress

Para um funcionamento regular desses poderes, em todas as suas instâncias, e que acaba envolvendo todos os cidadãos brasileiros, há uma relação que intitulamos como "burocrática", ou seja, que envolve uma determinada "rotina" ou "procedimento legal", garantido através de uma série de regras que, teoricamente, precisam ser as mesmas para toda a população. Fazem parte dessas rotinas ou procedimentos, por exemplo, tirarmos qualquer tipo de documento oficial, tais como certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF, título de eleitor etc. Quando fazemos isto, em algum momento das nossas vidas, estamos estabelecendo, de alguma forma, uma relação com o Estado e seus poderes constituídos.

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LEGENDA: Reunião do Poder Executivo brasileiro, composto por ministros e a então presidente da República Dilma Rousseff.

FONTE: Ségio Lima/Folhapress

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O sociólogo Max Weber foi um estudioso dessa relação burocrática na sociedade e no Estado. Segundo ele, a burocracia, nos tempos modernos, é um aspecto central da racionalização das instituições e das sociedades, afetando dimensões como a cultura, a educação, as ciências etc. Ou seja, o fenômeno da burocracia foi se desenvolvendo muito, ao ponto de permitir que os indivíduos tomassem decisões direcionadas racionalmente, deixando de lado procedimentos e decisões baseadas em costumes tradicionais e determinadas crenças. Para Weber, portanto, a burocracia é uma solução inevitável numa sociedade ou instituição que vai se tornando cada vez mais complexa. Para ele, a complexidade das relações sociais provoca um avanço de sistemas de gerenciamento e controle impessoais. A partir de um tipo ideal de conceito de burocracia - ideal enquanto conceito formulado por Weber, ou seja, não no sentido "que se deseja", mas no sentido de se estabelecer uma referência teórica para se comparar as diversas instituições -, Weber afirmou que as instituições em geral - e, particularmente, o Estado - têm as seguintes características:

- uma hierarquia bem definida de autoridade;

- funcionários que trabalham em tempo integral e recebem salários;

- regras escritas que regulam as condutas de funcionários em todos os níveis da organização;

- uma separação entre as tarefas dos funcionários e suas vidas privadas;

- utilização de recursos financeiros que não são de propriedade dos indivíduos.

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LEGENDA: Atendimento de pessoas no DETRAN de São Paulo: a burocracia está presente no cotidiano das pessoas.

FONTE: Mateus Bruxel /Folhapress

Deve-se registrar que a burocracia estudada por Weber e tratada neste livro, definida de acordo com estas características e identificada com um corpo de funcionários e instituições pertencentes ao Estado, não deve ser confundida com a ideia de burocracia que se faz cada vez mais presente no senso comum, entendida de forma negativa e caracterizada por um funcionamento moroso e ineficiente por parte das instituições públicas em geral. Essa última ideia é repetida como uma forma de se apresentar críticas ao Estado de maneira generalizada, entendendo-o quase como um "sinônimo" dessa definição negativa de burocracia... Muitas vezes, essa visão acrítica é tão acentuada, que não se percebe que definições de "morosidade" e "ineficiência" podem ser também vinculadas a ações da iniciativa privada, como se vê cotidianamente em nossas relações com os bancos, com os serviços de telefonia, com as empresas que são concessionárias dos transportes públicos e etc.

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Para terminarmos esta seção - retomando as características arroladas por Weber e anotadas anteriormente-, podemos dizer que o Estado é uma típica instituição burocrática. Mas, isto vale também, de certa forma, para as outras instituições. O que você acha? Veremos em outro capítulo que há estudiosos que têm outra visão sobre o Estado. Mas, isso é uma discussão para depois...

As empresas, as associações e o esporte

Depois de estudar todas essas instituições sociais, suas características e finalidades, quais seriam as outras instituições sociais presentes em nossas vidas?

Podemos listar algumas: os clubes recreativos que frequentamos, as empresas onde as pessoas trabalham, os bancos em que os nossos pais recebem o seu salário e onde acabam abrindo suas contas-correntes, as associações de moradores, os sindicatos de trabalhadores, os clubes de futebol e de outras modalidades de esporte etc. Todas elas, como vimos, têm algumas características que as definem como instituição social.

Seria interessante, inclusive, estudar suas formas de organização no tempo e no espaço. Por exemplo: a maioria das instituições de nossa sociedade funciona em lugares especialmente planejados. Até uma cidade pode ser planejada em função das instituições, como foi o caso da construção da cidade de Brasília, fundada, segundo os políticos da época, para que o Estado Federal pudesse se organizar melhor e ter maior proximidade com todos os estados da federação, já que estaria situada no Planalto Central do país.

A arquitetura, o vestuário das pessoas, o espaço de alocação de determinadas coisas, geralmente são organizadas em função das específicas finalidades da instituição. Por exemplo: a arquitetura de um hospital e as vestimentas de seus funcionários são muito diversas das de uma escola. Os horários e o controle do tempo são diferentes entre uma fábrica e um presídio. Um clube de futebol tem certos aspectos diferentes daqueles de uma universidade. Enfim, seria interessante fazermos uma pesquisa sobre as instituições, seus espaços, seus controles do tempo e as formas de relações que as pessoas realizam nesses espaços. O que você acha? É uma boa oportunidade para exercitarmos nossa imaginação sociológica, tentando responder à pergunta feita no título deste capítulo e verificar se as pessoas compreendem as instituições sociais: afinal, o que se vê mais, o jogo ou o jogador?

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LEGENDA: A arquitetura, os horários e as relações entre as pessoas fazem dos presídios um tipo bem específico de instituição. Rebelião de presos no presídio Carandiru, São Paulo, em 19/02/2001.

FONTE: Patricia Santos/ Folhapress

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Educação Física

"Profe, é queima e volte?"

Joanna de Ângelis Lima Roberto

Segundo Kishimoto (2010)1, "tentar definir jogo não é tarefa fácil. Quando se pronuncia a palavra jogo cada um pode entendê-la de modo diferente. Pode-se estar falando de jogos políticos, de adultos, de crianças, animais ou amarelinhas, xadrez, adivinhas, contar estórias, brincar de 'mamãe e filhinha', futebol (...) e uma infinidade de outros.." Sendo que cada um com uma especificidade diferente. O jogo possui um caráter polissêmico, ou seja, tem vários conceitos. E esses nos fazem viajar em diversas possibilidades de sentidos, acreditando no "jogo da vida".

A pergunta que dá título a esse texto, é uma pergunta frequente a professoras e professores, quando jogamos o queimado, jogo tão comum nas escolas, parques e ruas. Sim, as crianças gostam de jogar. Mas, antes precisam saber o que está valendo ou não para aí sim entrar no jogo. Sabem que existem regras, convivem com elas o tempo todo e em todos os lugares, em casa, na escola, na instituição religiosa que seus pais frequentam, e aprendem que elas não podem mudar no meio do jogo.

Como vimos nesse capítulo, existem instituições e são essas instituições que fazem as regras, de acordo com seus interesses.

Então, o que faz o JOGO ser diferente do ESPORTE? E eles são diferentes? Não é tudo a mesma coisa?

Não. O ESPORTE é um jogo, mas nem sempre o JOGO é um esporte.

A principal diferença entre os dois é que o Esporte é um Jogo que foi institucionalizado, através das ligas, federações e confederações, que o organiza, fazendo com que suas regras sejam universais, permitindo as competições entre pessoas de lugares, línguas e culturas tão diferentes, uma comunicação através das regras. Durante muito tempo e principalmente no final da década de 60, os grupos políticos dominantes viram na Educação Física e principalmente no Esporte um grande instrumento a ser utilizado na Instituição escolar, com função de selecionar os estudantes com mais aptidões para que se pudesse formar um Exército Forte e saudável desmobilizando possíveis forças oposicionistas ao sistema, surgindo uma identificação entre Esporte e o Nacionalismo, "uma Paixão Nacional!"

É importante ressaltar que ambos possuem regras, mas as regras do esporte são OFICIAIS, e as regras do jogo não podem ser modificadas conforme os interesses e necessidades do grupo que o joga. É isso, seja qual for o Jogo, seguimos conforme os interesses e necessidades de nós mesmos, daquilo que vai nos favorecer, e muitas das vezes, essas regras mudam durante a partida do jogo.

Como nos fala Bregolato (2008)2 no jogo da vida nem todos têm as mesmas oportunidades. "O time da sociedade na maioria das vezes é desunido, é 'cada um joga por si' e não pela coletividade. As oportunidades não são para todos 'só se passa a bola' para os melhores, os mais bonitos, os mais ricos, os mais hábeis." E será que estamos aprendendo isso onde? Na Escola de uma forma em geral ou apenas nas aulas de Educação Física? Em casa? Quando nossos pais dizem que não podemos perder, por que a vida é competição e que o mundo é dos mais fortes? De que lado queremos estar? De que queremos fazer parte? Queremos mudar o atual sistema ou queremos fazer parte dele?

Então, já sabe responder quem faz a REGRA DO JOGO?

Joanna de Ângelis Lima Roberto é professora de Educação Física das redes estadual do Rio de Janeiro e municipal de Macaé/RJ. É mestre em Educação pelo PPGEDUC/UFRRJ.

1. KISHIMOTO. Tizuco Morchida (Org.) Jogo, Brinquedo, brincadeira e a Educação. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

2. BREGOLATO. Roseli Aparecida. Cultura Corporal do Jogo. São Paulo: Ícone,2008. V.4. Coleção Educação Física Escolar: no princípio de totalidade e na concepção histórico-crítica-social.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Como pode ser definida uma instituição social?

2 - Que tipo de sanções uma instituição social pode aplicar caso os indivíduos não cumpram certas normas? Dê um exemplo.

3 - Quais são as características da burocracia numa instituição, segundo Max Weber?

Dialogando com a turma

1- Você acha que os indivíduos podem mudar as instituições? Por quê?

2 - Quais são as normas e regras fundamentais existentes em sua escola e que a caracterizam como uma instituição social?

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2011)

O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia de Lima Barreto).

O distanciamento entre "reconhecer" e "cumprir" efetivamente o que é moral constitui uma ambiguidade inerente ao humano, porque as normas morais são:

(A) decorrentes da vontade divina e, por esse motivo, utópicas.

(B) parâmetros idealizados, cujo cumprimento é destituído de obrigação.

(C) amplas e vão além da capacidade de o indivíduo conseguir cumpri-las integralmente.

(D) criadas pelo homem, que concede a si mesmo a lei à qual deve se submeter.

(E) cumpridas por aqueles que se dedicam inteiramente a observar as normas jurídicas.

2 - (ENEM, 2010)

Um fenômeno importante que vem ocorrendo nas últimas décadas é o baixo crescimento populacional na Europa, principalmente em alguns países como Alemanha e Áustria, onde houve uma brusca queda da taxa de natalidade. Esse fenômeno é especialmente preocupante pelo fato de a maioria desses países já ter chegado a um índice inferior ao "nível de renovação da população", estimado em 2,1 filhos por mulher. A diminuição da natalidade europeia tem várias causas, algumas de caráter demográfico, outras de caráter cultural e socioeconômico.

As tendências populacionais nesses países estão relacionadas a uma transformação:

(A) na estrutura familiar dessas sociedades, impactada por mudanças nos projetos de vida das novas gerações.

(B) no comportamento das mulheres mais jovens, que têm imposto seus planos de maternidade aos homens.

(C) no número de casamentos, que cresceu nos últimos anos, reforçando a estrutura familiar tradicional.

(D) no fornecimento de pensões de aposentadoria, em queda diante de uma população de maioria jovem.

(E) na taxa de mortalidade infantil europeia, em contínua ascensão, decorrente de pandemias na primeira infância.




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Pesquisando e refletindo

LIVROS

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BRANDÃO, Carlos R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1995.

O autor nos mostra que a educação pode ocorrer onde não há escola e por toda parte pode haver redes e estrutura sociais de transferência de saber de uma geração a outra. O desenvolvimento cultural da humanidade levou o homem a transmitir conhecimento, criando instituições e situações sociais de ensinar-aprender-ensinar.

DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Edusp, 2007.

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Livro que discute sobre a solidariedade e cooperação, tendo como ponto de partida o estudo de diferentes sociedades e comunidades e como elas se relacionam com as instituições. Procura responder a uma velha pergunta da Sociologia: de que modo as instituições interferem nos pensamentos das pessoas?

FILMES

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INIMIGO DE ESTADO (Enemy of the State, EUA, 1998). Diretor: Tony Scott. Elenco: Will Smith, Gene Hackman, Jon Voight, Regina King. Duração: 128 min.

O filme tem como ponto de partida o assassinato do congressista Phillip Hammersley por um órgão do governo, logo após ele ter se declarado radicalmente contra uma lei que, em nome da segurança nacional, permitiria que houvesse uma total invasão de privacidade e monitoramento dos cidadãos por parte do Estado.

CARANDIRU (Brasil, 2003). Direção: Hector Babenco. Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Mílton Gonçalves, Aílton Graça, Maria Luísa Mendonça. Duração: 148 min.

Um médico (Luiz Carlos Vasconcelos) se oferece para trabalhar no maior presídio da América Latina, o Carandiru (SP). Lá ele convive com a realidade atrás das grades, que inclui violência, superlotação das celas e instalações precárias. Porém, apesar de todos os problemas, o médico logo percebe que os prisioneiros não são figuras demoníacas, existindo dentro da prisão solidariedade, organização e uma grande vontade de viver.

INTERNET

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SOCIOLOGIA APLICADA AO ALUNO - "INSTITUIÇÕES SOCIAIS": http://bit.ly/1gGFlbS

Blog organizado pela professora de Sociologia Marilia Quentel Corrêa, de Joinville, SC. Além da síntese sobre "Instituições sociais", destacada aqui, a página conta com outros textos que podem contribuir para a pesquisa e a leitura dos estudantes de Ensino Médio. Acesso: janeiro/2016.

SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO - "INSTITUIÇÕES SOCIAIS": http://bit.ly/VKfdYg

Outro blog organizado voltado para a Sociologia no Ensino Médio que apresenta uma síntese sobre "Instituições sociais", entre outros temas. Vale conferir. Esta página é de responsabilidade da professora Luciana Paula da Silva de Oliveira. Acesso: fevereiro/2013.

MÚSICAS

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ANOTHER BRICK IN THE WALL (Outro Tijolo na Parede). Autor: Roger Waters. Intérpretes: Pink Floyd.

Crítica radical à instituição escola: "Não precisamos de nenhuma educação, não precisamos de controle mental (...): Professores, deixem as crianças em paz!"

PROTEÇÃO - Autores e intérpretes: Plebe Rude.

As forças policiais são instituições sociais organizadas para nos proteger? Para proteger o Estado? Para segurança de quem? Eis as questões colocadas pela música.

FILME DESTAQUE

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SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS

(Dead Poets' Society)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Peter Weir

Elenco: Robin Williams, Ethan Hawke

Duração: 129 min.

(EUA, 1989)

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FONTE: Touchstone Pictures/ Peter Weir

SINOPSE:

Em 1959, na tradicional escola preparatória, Welton Academy, um ex-aluno (Robin Williams) se torna o novo professor de literatura, mas logo seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a "Sociedade dos Poetas Mortos".

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Aprendendo com jogos

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The Sims (Electronic Arts, 2012)

QUAL O SEU PROJETO DE VIDA?

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FONTE: Divulgação/ Electronic Arts

The Sims é um jogo que se propõe ser um simulador da vida real, onde o jogador controla as ações diárias de um ou mais personagens. Você pode tomar decisões a respeito da profissão que quer seguir, se quer se casar, ter filhos, que objetos gostaria de ter em casa, o que assistir no final da tarde de domingo. O objetivo do nosso jogo é discutirmos as interações entre indivíduo e sociedade a partir da ideia de "projeto de vida".

Como jogar:

1. Baixe uma versão gratuita do jogo para PC. Se preferir, há versões gratuitas para dispositivos móveis, inclusive. Você pode encontrá-las aqui: http://goo.gl/fseS5t

2. Você deve escrever o projeto de vida para seus avatares no jogo. Esses projetos irão orientar as suas decisões com os personagens da simulação, ok?

3. Anote toda a decisão que afetar a rotina do seu personagem no jogo e mantenha um diário sobre isso, comentando por que tomou certa decisão.

4. Ao final do prazo determinado para a execução do jogo entregue o seu diário ao professor ou à professora.

5. Depois que tiver seu diário devolvido, compare o projeto de vida de seus avatares com o diário que redigiu ao longo do jogo e discuta com os seus colegas de classe as limitações do jogo para a realização plena do projeto de vida.

6. Responda às perguntas:

a) Quais as diferenças entre o projeto de vida de meu avatar e o que aconteceu realmente no jogo? Consegui realizar tudo o que previ para o meu personagem? Por quê?

b) Que tipo de limitação o jogo traz para a construção do meu personagem?

c) Em sociedade, há algum tipo de limitação para o desenvolvimento dos projetos de vida das pessoas?

d) De que maneira o jogo poderia se aproximar mais da realidade?

e) O que é determinante para a vida do sujeito: suas escolhas ou a estrutura de relações em que vive? Por quê?

7. No prazo determinado, apresente suas respostas em sala e discuta as respostas de seus colegas.

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Capítulo 4 - "Torre de Babel": culturas e sociedades

Hoje em dia temos contato, através da internet, com vários sites, blogs, redes sociais etc. Em fevereiro de 2010 foi veiculada em um site a seguinte mensagem, com um pedido de ajuda ao final:

Boxe complementar:

FAMÍLIA DO NAMORADO, SEM CULTURA. AJUDA?

Gente, a família do meu namorado é sem cultura, para não dizer outra coisa. Não gosto da família dele, mas ele não sabe, nem ir em lugares onde o chamam, porque me sinto deslocada. Eu gosto de gente com educação, que saibam falar e comer direito, sem aquelas piadinhas que agente (sic.) dá risada por educação. Agora me chamaram para uma festinha que vai ter. O pior é que não curto esse pessoal, na verdade odeio. Acho eles sem educação demais, até o modo de falar. O que eu faço?

Fonte: http://bit.ly/14gf4di

Acesso: Jan./2016

Fim do complemento.

Cultura no senso comum

Da mesma forma que na mensagem citada, quem já não ouviu pelas ruas a frase "Fulano não tem cultura, ele é um ignorante quando se trata de discutir coisas sérias"?

Esse é um dos modos, no senso comum, de se definir a ideia ou conceito de cultura. Quando utilizamos essa forma de definição, estamos nos referindo a pessoas que não tiveram acesso a determinadas informações e saberes durante a sua vida - saberes que podemos julgar como mais "sofisticados". Assim, estamos nos referindo e criticando o tipo de educação que essas pessoas receberam durante a sua vida - ou, colocando a questão de outra forma, estamos afirmando que essas pessoas "não tiveram educação". Este tipo de avaliação sobre aquelas pessoas que julgamos como "sem cultura" leva em conta, evidentemente, o que podemos chamar de falta de acesso à educação formal, ou seja, por ter frequentado pouco a escola, essas pessoas possuem poucas leituras e, consequentemente, além de falar o português de forma "errada", têm uma capacidade menor de compreender certas situações ou dados da realidade em que vivem.

Sob esta ótica, cultura se torna um termo para classificar os indivíduos, as pessoas com as mesmas afinidades e até grupos inteiros, de forma generalizante. Um exemplo disso seria uma pessoa nascida em São Paulo ou no Rio de Janeiro se referir aos nordestinos como pessoas que "não têm cultura" ou que "são todos analfabetos". Neste sentido, então, a ideia de cultura, no senso comum, estaria sendo usada para discriminar indivíduos e grupos, servindo como instrumento de um julgamento e uma possível ação preconceituosa. Citamos aqui como exemplo de alvo de discriminação e preconceito os brasileiros que nasceram na região Nordeste e que migraram para o Sul em busca de trabalho, sendo vistos quase como "estrangeiros dentro de seu próprio país".

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Mas poderíamos nos referir a outras pessoas que, dependendo do contexto, também podem ser vistas por alguns de forma preconceituosa, como os pobres, os moradores de favelas, os negros, os índios, os ciganos, as mulheres etc.

Mas será mesmo que a palavra cultura pode ser usada somente neste sentido preconceituoso? Bem, vamos responder a esta pergunta conhecendo outras duas formas de definir o conceito de cultura.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: Ao se usar o termo "sem cultura" no senso comum - no sentido da falta de acesso a informações e saberes "sofisticados" - pode-se cair no erro de considerar que os povos indígenas no Brasil "não têm cultura". Na foto, garotos da comunidade Assurini participantes dos Jogos dos Povos Indígenas, em Paragominas - PA, em 2009.

FONTE: Janduari Simões/Folhapress

Cultura como representação da realidade

Cultura é um termo de origem latina e que tem ligação com o verbo "cultivar", no sentido de ser um meio de se buscar o crescimento - daí, por exemplo, a palavra agri cultura. Essa ideia de se "buscar o crescimento" em termos de formação intelectual do homem, desejada como a mais ampla que se pudesse alcançar, foi utilizada de maneira usual a partir do Iluminismo, na Europa do século XVIII. " Cultura compreendia, então, tudo aquilo que um indivíduo deveria adquirir para se tornar uma pessoa moral e intelectual, no sentido mais pleno possível" (SIMÕES; GIUMBELLI, 2010, p. 188). E então, você percebeu como essa ideia, reproduzida até os dias de hoje, pode ser relacionada com o significado que o senso comum atribui à cultura? Pois é, podemos dizer que isso explica alguma coisa... Daí, afirmarmos que alguns "têm mais cultura" do que outros, em razão do seu acesso a essa "formação intelectual mais ampla", que pode incluir não somente a educação formal, adquirida nas escolas, como também, como um aperfeiçoamento posterior desse saber - e acessível a um número bem menor de pessoas -, o gosto "refinado" pelas artes plásticas, pela literatura, pela música clássica.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: "Chorinho", Portinari. Rio de Janeiro, 1942. Série Os Músicos. Obra executada para decorar a sede da Rádio Tupi do Rio de Janeiro, RJ.

FONTE: Acervo do Projeto Portinari

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Voltando mais ainda no tempo histórico, podemos dizer que o ato do ser humano de transformar a natureza pode ser entendido como uma primeira definição de cultura. Afinal, os homens e as mulheres são diferentes dos animais, pois eles são "inventores do mundo". Isto significa dizer que os seres humanos são os únicos que não se submeteram totalmente à natureza, mas sim a transformam. Cultura, portanto, pode ser definida por oposição à natureza. Trata-se da intervenção que o homem fez - utilizando sua capacidade intelectual, sua criatividade - no mundo natural que se encontrava ao seu redor. Esse longo processo de adaptação do meio ambiente original para um ambiente que podemos chamar de "cultural", em função da intervenção humana, teve início há cerca de quinze milhões de anos. Desde então, segundo o antropólogo Denys Cuche, os instintos humanos foram sendo "substituídos" de forma progressiva pela cultura. Discorrendo a respeito, ele escreveu que a cultura permitiu ao ser humano "não somente adaptar-se a seu meio, mas também adaptar este meio ao próprio homem, a suas necessidades e seus projetos" (CUCHE, 1999, p. 10). Nosso mundo, portanto, é resultado desse processo; é resultado - podemos dizer - da cultura.

Assim, o ser humano, ao contrário dos animais, não vive de acordo com seus instintos, mas sim a partir da sua capacidade de pensar a realidade que o cerca e de construir significados. Estes são realizações culturais, que se transformam em símbolos. Os símbolos são representações dos homens sobre a sua realidade, e não estão presentes em todas as sociedades da mesma forma, variando de acordo com o tempo histórico e com o espaço físico e geográfico.

Vamos imaginar, a título de exemplo, como seriam duas necessidades básicas de homens e mulheres com a mediação da cultura: a alimentação e o ato sexual para reprodução.

Em nossa sociedade comemos qualquer coisa, mesmo que seja considerada nutritiva? Na sociedade em que vivemos as formigas são comidas? Por que em determinadas sociedades ingere-se carne de porco e em outras há restrições até de ordem religiosa?

Apesar da carne de porco e das formigas poderem ser considerados como alimentos, pelo fato de serem comprovados cientificamente como nutritivos, dependendo do entendimento de algumas sociedades, eles não são comestíveis. Por quê? Simplesmente porque cada comida tem um significado cultural para uma determinada sociedade. Até mesmo a forma como se come. Por exemplo: enquanto no Brasil nós misturamos várias comidas num mesmo prato, na Itália a maioria dos seus habitantes separa as comidas na hora do almoço e do jantar: primeiro as verduras, depois uma massa e em seguida uma carne.

Em uma de suas obras, o sociólogo alemão Norbert Elias (1994) relata que, na Idade Média, os franceses comiam com as mãos um cabrito inteiro sobre a mesa, arrotavam e cuspiam os ossos no chão. Séculos depois, esse hábito alimentar mudou. Passaram a utilizar talheres e desapareceram certos hábitos, como o de levar à mesa um animal inteiro, o arroto etc.

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LEGENDA: A forma como se come é um ato tipicamente cultural. Na foto, amigos de nacionalidades diversas compartilham prato de comida à moda árabe (comer com as mãos e no chão). Porém, um deles optou por usar a colher. Eckerd College, 2012.

FONTE: Thomas Sertã

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No que diz respeito ao ato sexual, podemos observar que, em algumas situações, o contato físico inicial entre um homem e uma mulher é muito diferente em diversas sociedades. Por exemplo: durante a Segunda Guerra Mundial, os soldados americanos, estacionados em Londres, entraram em choque com os costumes das prostitutas locais, que não se deixavam beijar na boca por considerar esta atitude nojenta antes do ato sexual.

Só para ficarmos nestes dois exemplos sobre dois atos básicos do ser humano, o alimentar e o sexual, percebemos que eles não são iguais para todas as sociedades, pois dependendo da forma como são os costumes, há um determinado significado e uma maneira específica de representar a ação dos indivíduos.

Essa é outra forma de definir cultura, ou seja, como uma representação da realidade ou da ação dos indivíduos. Um gesto muito simples como o beijo pode ilustrar isso.

Quando um brasileiro (estamos falando do sexo masculino) encontra um conterrâneo amigo (também do sexo masculino) ambos se abraçam ou dão um aperto de mão. A troca de beijos no rosto entre homens brasileiros é mais comum entre pais e filhos, ou, em sinal de respeito, beija-se a mão do padre ou do pai de santo. Os italianos beijam-se no rosto, porém, é usual os amigos russos se beijarem na boca. Ou seja, nas diferentes sociedades há diversas formas de representar um gesto de amizade, e um ato desse tipo tem o seu significado. Certamente, o ato de beijar na boca entre os homens no Brasil tem o significado de uma relação homossexual - entendimento que não acontece, necessariamente, na Rússia.

A representação da realidade acontece muitas vezes por meio dos símbolos. O termo símbolo tem sua origem no grego (sýmbolon), que designa um elemento representativo que está no lugar de algo que tanto pode ser um objeto como um conceito ou ideia. O símbolo é um elemento essencial na comunicação e nas culturas, e é difundido no cotidiano pelas mais variadas formas da realidade e do saber humanos. Alguns símbolos são reconhecidos internacionalmente e outros, só em um determinado grupo ou contexto religioso, cultural etc...

A representação de cada símbolo pode aparecer como um resultado natural das relações sociais ou pode ser de comum acordo. Poderíamos citar vários exemplos de símbolos, tais como a cruz para a Igreja Católica, com a sua representação do significado da crucificação de Jesus Cristo, ou a aliança de casamento, representando a união do casal. Para continuarmos na instituição casamento, o vestido branco de noiva como representação da pureza etc.

Podemos resumir símbolo como alguma coisa que representa algo para alguém, e ele será um dos elementos centrais das culturas. Por meio dos símbolos, os indivíduos representam a realidade em que vivem e formam a sua cultura, cultivam e inventam formas de se relacionar uns com os outros, formam uma visão sobre o mundo. Portanto, diferentemente do senso comum, a cultura como forma de representar a realidade existe em todos os lugares e indivíduos, não havendo, portanto, pessoas que têm e pessoas que não têm cultura. Todos nós temos uma cultura, que se expressa em símbolos - as formas de se vestir, as formas de falar, as formas religiosas, as formas artísticas etc.

Cultura e o significado antropológico

Há outra forma de definir cultura: o sentido antropológico. Nessa forma, cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado.

A Antropologia é o estudo das culturas humanas em suas diversidades históricas e geográficas. O que isso quer dizer?

De forma semelhante à Sociologia, sua "irmã", a Antropologia é uma Ciência Social que nasceu no século XIX, como um projeto de ciência que consistia em reconhecer, conhecer e compreender a diversidade das manifestações culturais dos povos no tempo e no espaço.

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A Antropologia nos permitiu descobrir que aquilo que pensávamos ser natural em nós mesmos é, na verdade, cultural, ou seja, ficamos perplexos e conscientes de que o menor de nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de natural, como vimos no exemplo do beijo e dos hábitos alimentares.

Enfim, a Antropologia nos diz que o conhecimento de nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento de outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.

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LEGENDA: O modo tradicional de se vestir dos indígenas andinos é parte da sua cultura específica.

FONTE: Marcos Serra

O que podemos dizer sobre qualquer indivíduo e sociedade é sua aptidão quase infinita em inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversas. Ou seja, as formas do andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar, e tantas mais, existem em todas as sociedades, mas os modos pelos quais essas manifestações ocorrem dependem da cultura criada e estabelecida por determinada sociedade.

Na Antropologia, o conceito de cultura já passou por várias definições ao longo dos anos. Dentre elas, definições que afirmavam que a cultura é um complexo de conhecimentos; que cada cultura é única; que é um meio de adaptação do homem na natureza; que vai além da herança genética; que a cultura é um meio para o funcionamento da sociedade; que a cultura é um sistema simbólico etc.

Para entendermos melhor o significado antropológico de cultura, vamos nos reportar ao antropólogo brasileiro Roberto DaMatta que elaborou uma síntese de algumas dessas definições. Segundo ele, cultura "é um mapa, um receituário, um código, através do qual, as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas" (DaMATTA, 1986, p. 123). Em outras palavras, a cultura é o "cimento" que dá unidade a certo grupo de pessoas que divide os mesmos usos e costumes, os mesmos valores. Deste ponto de vista, portanto, podemos dizer que tudo o que faz parte do mundo humano é cultura.

Você pode perceber que cultura é um tema complexo e que nem todos os estudiosos, na história da Ciência Social, concordam quanto à sua definição. Segundo o professor brasileiro Everardo Guimarães Rocha (1988), existem cerca de cento e cinquenta definições de cultura.

Concretamente, podemos falar de culturas, ao invés de cultura, no singular. Assim, referimo-nos a uma cultura indígena, com seus modos de vestir, dormir, caminhar, se relacionar etc., como a uma cultura chinesa, japonesa, francesa, cigana, nordestina... Enfim, quando estudamos e identificamos traços de comportamentos, personalidades, simbologias comuns, atitudes comuns em determinados grupos, comunidades ou nações, podemos dizer que há uma cultura específica desses indivíduos que compõem grupos, comunidades ou nações.

Definir cultura é compreender também as variadas formas que governam os grupos humanos às suas relações de poder, aos diferentes modos de organizar a sociedade, de se apropriar dos recursos naturais, de inventar, significar e expressar a realidade humana.

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LEGENDA: Indianos tiram fotos no celular por ocasião do festival Rama Navami, em Bangalore, na Índia, em 28 de março de 2015. Esse festival hindu celebra o nascimento do deus Rama.

FONTE: Manjunath Kiran/AFP

Boxe complementar:

RESUMINDO:

- No decorrer da História, os instintos originais do homem foram secundarizados pela cultura.

- A cultura é produzida pelo homem em qualquer meio geográfico.

- A cultura permitiu que o homem se adaptasse ao meio, como também que este se adaptasse ao próprio homem e suas necessidades.

- A herança cultural prevalece sobre a herança genética do homem, pois este aprende hábitos e costumes através da sua cultura.

- A cultura é acumulada socialmente a partir da experiência histórica vivida pelas gerações anteriores.

- A cultura estabelece regras que determinam como o mundo pode e deve ser classificado.

- A cultura condiciona o comportamento humano e pode servir como justificativa para todas as suas ações.

- A cultura dá unidade a grupos de pessoas que compartilham os mesmos usos, costumes e valores.

- Uma cultura se modifica (e modifica) no contato com outra cultura.

Fim do complemento.



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A Babel da cultura

Vimos várias formas de se definir cultura. Entretanto, o maior interesse da Sociologia está nas definições de cultura como representação da realidade humana e no seu sentido antropológico, pois são essas definições que nos permitem fazer uma interpretação sociológica das distintas sociedades, assim como permitem contribuir para a compreensão dos processos de mudanças sociais existentes.

A cultura como representação da realidade e no sentido antropológico nos faz lembrar que as sociedades são multiculturais, ou seja, existem várias culturas no interior de uma mesma sociedade. A relação entre essas diversas culturas pode ser de aceitação, de tolerância ou de conflito. O que vai determinar a maneira como se dá a relação entre essas culturas distintas tem a ver com a história de cada sociedade ou a forma como uma determinada "cultura dominante" se impôs (ou foi imposta) diante das demais culturas.

A Torre de Babel, segundo a narrativa bíblica apresentada pelo Livro de Gênesis (11:1-9), foi uma torre que começou a ser construída pelos homens, através da qual eles pretendiam chegar ao Céu. Segundo a narrativa, Deus interpretou este projeto humano como uma ameaça, no futuro, ao seu poder, pois os homens poderiam tentar ocupar o seu próprio lugar e suas atribuições enquanto Deus.

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Assim, como os homens falavam uma mesma língua, Deus interrompeu a construção da torre e dispersou todos os homens em diferentes partes do mundo, confundindo a sua linguagem de tal forma que eles não conseguiam mais se comunicar entre si, com cada um passando a falar uma língua diferente. Esta história é apenas uma das várias narrativas de cunho religioso e mítico existentes em diversas culturas, relacionadas às explicações sobre a criação do mundo e dos homens e são utilizadas para explicar a existência, no planeta, de muitas línguas e culturas diferentes. No caso, a Torre de Babel é a explicação apresentada pela tradição judaico-cristã e prevalece nas sociedades ocidentais.

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LEGENDA: Torre de Babel (c.1563), por Pieter Brueghel.

FONTE: Acervo Kunsthistorisches Museum (Viena, Áustria)

Existe um provérbio nagô-iorubá - uma sociedade africana milenar localizada na Nigéria -, que afirma que "os dedos não são iguais", mas, como pertencem a uma mesma mão, precisam viver juntos, lado a lado. Esse provérbio pode ser interpretado, dentre outras leituras possíveis, para afirmar que, apesar das suas diferenças, todos os seres humanos precisam se respeitar e saber conviver entre si. É bom ressaltar que nesse provérbio não há conotação de "desigualdade", mas sim quanto à "diferença" - apesar dos tamanhos diferentes de cada dedo.

Tanto o Livro de Gênesis quanto o provérbio africano se relacionam com os estudos desenvolvidos pela Antropologia voltados para a compreensão da diversidade das culturas, suas distintas razões e suas diferentes manifestações.

Compreender que nossas sociedades são multiculturais é afirmar que a diversidade do gênero humano se constitui numa questão fundamental de convivência entre todas as culturas, apesar das suas diferenças. Esta diversidade é um dado da realidade humana. E, para nos situar no mundo, é necessário ter a consciência de que existe uma Babel cultural, de que os dedos não são iguais, que os homens são diferentes e que encontram, com base na sua cultura, diversas formas de lidar com a realidade.

Por fim, voltando à historinha contada no início do capítulo sobre a suposta família do namorado, que "é sem cultura". O que você responderia para a moça agora?

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LEGENDA: Muitos símbolos, muitas culturas: a multiplicidade das culturas que precisam ser compreendidas em suas diferentes manifestações.

FONTE: Marcos Ferreira

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Matemática

Vamos entender melhor as culturas através da matemática ou das matemáticas?

Marcio Vianna

Você gosta de estudar Matemática na escola? E no seu dia a dia, você usa a Matemática? De qual você mais gosta, da Matemática da escola ou da Matemática que você usa no seu cotidiano.

Pois bem, a Matemática que estudamos hoje na escola é o resultado de mais de quatro mil anos de sua construção, que teve origem na Babilônia, no Egito, na Índia, etc., e que se consolidou na Grécia Antiga e foi amplamente difundida na Europa e, consequentemente, pelo mundo afora. Há quem diga que essa Matemática é uma "linguagem universal". Mas será que só existe essa forma de Matemática? Você por acaso já viu um pedreiro analfabeto usar técnicas na sua profissão onde há a presença de conhecimentos matemáticos, mesmo sem nunca ter frequentado a escola formal? Pois é, eles frequentaram a "escola da vida" e aprenderam essas técnicas pelo saber-fazer, construídas e difundidas entre os seus pares ou pelos seus antepassados. Você já percebeu como os indígenas constroem cabanas, barcos e ocas com precisão matemática de "dar inveja" a qualquer engenheiro civil? Essas técnicas, impregnadas de matemáticas, são transmitidas de pai para filho e não são aprendidas na escola formal.

Esses saberes populares são estudados pela Etnomatemática, que é uma forma de investigar o conjunto de artes ou técnicas (tica) e de explicar, de conhecer, de entender e de lidar (matema) com o ambiente social, cultural e natural desenvolvido nas distintas culturas (etno). Entendeu? Etno + matema + tica é como o pesquisador brasileiro Ubiratan D'Ambrósio1 denominou os estudos das matemáticas nas diversas culturas pelo mundo.

Diversos pesquisadores imbuídos dessa ideia buscaram, ao redor do mundo, perceber essas matemáticas nos povos que ainda não tiveram (ou que tiveram pouco) contato com a Matemática que conhecemos e aprendemos nas escolas. Estudos com povos indígenas no Brasil tiveram essa repercussão, assim como as técnicas populares de medição da terra pelos trabalhadores rurais, as rendeiras no nordeste, entre muitas outras culturas que foram pesquisadas no cenário do nosso país. Fora do "território tupiniquim", estudos apresentaram outra forma de linguagem matemática pelos povos Maori na Nova Zelândia, assim como as geometrias nas técnicas de construção de cestas de palha e nos jogos desenvolvidos pelos povos africanos, entre diversos outros exemplos. É impressionante como esses povos desenvolvem matemáticas mesmo sem perceber e, ao agregar todos os saberes populares aos mais eruditos, valorizando cada saber, cada técnica, a Matemática não será somente UMA Matemática.

Como vimos, não é somente a Sociologia que aborda o conceito de cultura. Podemos ver que as matemáticas nos ajudam a dar soluções para as diversas questões de nossas vidas, entre elas, as formas de medir, classificar e construir objetos no cotidiano. Sendo assim, as matemáticas são muito influenciadas pelas formas culturais criadas por homens e mulheres.

Marcio de Albuquerque Vianna é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Graduado em Matemática pela Universidade Castelo Branco (RJ) e Mestre em Educação Matemática pela Universidade Santa Úrsula (RJ).

1. D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática. Arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Ática, 1990.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Defina cultura de acordo com o senso comum e segundo o sentido antropológico.

2 - O que significa a afirmação "nossa sociedade é multicultural"?

3 - Explique a importância da definição de cultura comparando-a com a definição do senso comum.

Dialogando com a turma

1 - Você já presenciou alguma situação em que as pessoas definiam cultura no senso comum? Descreva-a para seus colegas de turma.

2 - Neste capítulo apresentamos como exemplo o beijo, que se manifesta de forma diferenciada em diversas sociedades. Dê outro exemplo de gestos que são diferentes e discuta com seus colegas as possibilidades de significados para esses gestos.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2001)

Os textos referem-se à integração do índio à chamada civilização brasileira.

I - "Mais uma vez, nós, os povos indígenas, somos vítimas de um pensamento que separa e que tenta nos eliminar cultural, social e até fisicamente. A justificativa é a de que somos apenas 250 mil pessoas e o Brasil não pode suportar esse ônus. (...) É preciso congelar essas ideias colonizadoras, porque elas são irreais e hipócritas e também genocidas. (...) Nós, índios, queremos falar, mas queremos ser escutados na nossa língua, nos nossos costumes."

Marcos Terena, presidente do Comitê Intertribal Articulador dos Direitos Indígenas na ONU e fundador das Nações Indígenas, Folha de S. Paulo, 31 de agosto de 1994.

II - "O Brasil não terá índios no final do século XXI (...). E por que isso? Pela razão muito simples que consiste no fato de o índio brasileiro não ser distinto das demais comunidades primitivas que existiram no mundo. A história não é outra coisa senão um processo civilizatório, que conduz o homem, por conta própria ou por difusão da cultura, a passar do paleolítico ao neolítico e do neolítico a um estágio civilizatório."

Hélio Jaguaribe, cientista político, Folha de S. Paulo, 2 de setembro de 1994.

Pode-se afirmar, segundo os textos, que:

(A) tanto Terena quanto Jaguaribe propõem ideias inadequadas, pois o primeiro deseja a aculturação feita pela "civilização branca", e o segundo, o confinamento de tribos.

(B) Terena quer transformar o Brasil numa terra só de índios, pois pretende mudar até mesmo a língua do país, enquanto a ideia de Jaguaribe é anticonstitucional, pois fere o direito à identidade cultural dos índios.

(C) Terena compreende que a melhor solução é que os brancos aprendam a língua tupi para entender melhor o que dizem os índios. Jaguaribe é de opinião que, até o final do século XXI, seja feita uma limpeza étnica no Brasil.

(D) Terena defende que a sociedade brasileira deve respeitar a cultura dos índios e Jaguaribe acredita na inevitabilidade do processo de aculturação dos índios e de sua incorporação à sociedade brasileira.

(E) Terena propõe que a integração indígena deve ser lenta, gradativa e progressiva, e Jaguaribe propõe que essa integração resulte de decisão autônoma das comunidades indígenas.

2 - (ENEM, 2010)

Não é raro ouvirmos falar que o Brasil é o país das danças ou um país dançante. Essa nossa "fama" é bem pertinente, se levarmos em consideração a diversidade de manifestações rítmicas e expressivas existentes de Norte a Sul. Sem contar a imensa repercussão de nível internacional de algumas delas. Danças trazidas pelos africanos escravizados, danças relativas aos mais diversos rituais, danças trazidas pelos migrantes etc. Algumas preservam suas características e pouco se transformaram com o passar do tempo, como o forró, o maxixe, o xote, o frevo. Outras foram criadas e são recriadas a cada instante: inúmeras influências são incorporadas, e as danças transformam-se, multiplicam-se. Nos centros urbanos, existem danças como o funk, o hip hop, as danças de rua e de salão.

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É preciso deixar claro que não há jeito certo ou errado de dançar. Todos podem dançar, independentemente de biótipo, etnia ou habilidade, respeitando-se as diferenciações de ritmos e estilos individuais.

GASPARI, T. C. Dança e educação física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008 (adaptado).

Com base no texto, verifica-se que a dança, presente em todas as épocas, espaços geográficos e culturais é uma:

(A) prática corporal que conserva inalteradas suas formas, independentemente das influências culturais da sociedade.

(B) forma de expressão corporal baseada em gestos padronizados e realizada por quem tem habilidade para dançar.

(C) manifestação rítmica e expressiva voltada para as apresentações artísticas, sem que haja preocupação com a linguagem corporal.

(D) prática que traduz os costumes de determinado povo ou região e está restrita a este.

(E) representação das manifestações, expressões, comunicações e características culturais de um povo.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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DaMATTA, Roberto. Você tem Cultura? In: Explorações : Ensaios de Sociologia interpretativa. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

Texto em que o autor discute o conceito e as diversas interpretações dados à cultura.

SANTOS, José Luiz. O que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996.

Livro que aborda a cultura e as diversas escolas antropológicas que tentaram definir o seu conceito.

FILMES

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A MISSÃO (The Mission, Inglaterra, 1986). Direção: Roland Joffé. Elenco: Robert De Niro, Jeremy Irons. Duração:125 min.

O filme conta a destruição das missões dos jesuítas no Paraguai e o massacre dos indígenas, feitos pelos colonizadores ibéricos no século XVII.

NARRADORES DE JAVÉ (Brasil, 2003). Direção: Eliane Caffé. Elenco: José Dumont, Matheus Nachtergaele, Nélson Dantas. Duração: 100 min.

A cidade de Javé será submersa pelas águas de uma represa. Os moradores não serão indenizados e não foram notificados porque não possuem registros e documentos das terras. Inconformados, descobrem que o local poderia ser preservado se tivesse um patrimônio histórico de valor comprovado em "documento científico". Decidem então escrever a história da cidade.

INTERNET

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COMUNIDADE VIRTUAL DE ANTROPOLOGIA: http://www.antropologia.com.br/

O site se propõe a ser um canal de divulgação da produção dos antropólogos, contribuindo também "para a visibilidade das manifestações culturais e dos diversos grupos sociais". Acesso: janeiro/2016.

SUA PESQUISA - Seção "Música e Cultura": http://bit.ly/1aoPsj7

Página que apresenta um leque bem variado de opções de pesquisa no campo da cultura brasileira. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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A CULTURA - Autores: Rappin' Hood, Sabotage. Intérprete: Sabotage.

Segundo Sabotage, "Rap é compromisso", cuja proposta somente "a periferia (é) que domina".

BYE, BYE, BRASIL - Autores: Roberto Menescal e Chico Buarque. Intérprete: Chico Buarque.

A nação indígena dos Parintins, uma marca de calça jeans e o grupo pop Bee Gees rimam com a ideia de cultura? Sim, segundo Chico.

FILME DESTAQUE

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ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

(Entre les Murs)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Laurent Cantet

Elenco: François Bégaudeau, Nassim Amrabt,

Duração: 128 min.

(França, 2007)

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FONTE: Haut Et Court/Laurent Cantet

SINOPSE:

Filme que mostra o choque cultural entre um professor de francês e seus estudantes, pertencentes a diversas culturas fora da França.

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Aprendendo com jogos

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Conhecendo a África e a história de nossos ancestrais

(Luiz F. de Oliveira, Eliane A. de Souza e Cruz, Ana P. C. Fernandes, Maria C. da S. Cardoso, 2015)

FAZENDO TRILHA NA ÁFRICA!

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FONTE: Acervo dos autores

Este é um jogo de tabuleiro clássico de duas trilhas que permite trabalhar os conhecimentos sobre a história de nossos ancestrais africanos e de suas influências culturais, tecnológicas e sociais na história do povo brasileiro. O objetivo é propiciar aprendizagens de conhecimentos sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira.

Como jogar:

1. Acesse o jogo "Caminhos da África" no site da editora desta obra. (www.imperiallivros.com.br)

2. Dois jogadores entram no início da trilha e jogam o dado para ver quem sai primeiro (a ordem é quem tirar o número maior).

3. Depois de jogar o dado, o jogador vai pular os países de acordo com o número inscrito no mapa. No país que se encontrar, deverá responder a uma pergunta. Caso acerte, vai aguardar os outros jogadores até chegar a sua vez novamente.

4. Caso erre a resposta, poderá responder a mais uma pergunta. Nesta segunda pergunta, caso tenha dúvida ou não saiba a resposta, ele pode passar e ir adiante. Mas só é permitido passar três perguntas.

5. Na quarta vez em que não souber responder a primeira e a segunda pergunta, o jogador será eliminado.

6. Chegando ao último país da trilha, o jogador que passou por no máximo três perguntas sem respostas, deverá respondê-las para vencer.

7. Caso o jogador responda erradamente a segunda pergunta, sairá do jogo automaticamente, tanto no momento em que se encontrar num determinado país, quanto ao final do jogo.

8. Dos dois jogadores da trilha, vence aquele que chegar primeiro e responder todas as perguntas até o final.

9. As perguntas de cada país não são fixas, mas aleatórias.

10. Ao final do jogo, reúna-se com seus colegas e avalie a experiência.

11. Assista o filme Amistad (Steven Spielberg, 1997, que você pode encontrar em https://goo.gl/ FM7Wk7 ) e discuta em sala de aula com os seus colegas as seguintes duas questões: como o filme aborda as diferenças culturais? Como o filme põe em discussão o tema do racismo?

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Capítulo 5 - "Sejam realistas: exijam o impossível!" Identidades sociais e culturais

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LEGENDA: Geração Emo: Será que ser jovem hoje é mais fácil ou mais difícil do que na época dos nossos pais?

FONTE: Public-domain-image.com

Boxe complementar:

Acho que os jovens têm mais medo do futuro. Hoje é mais difícil ser jovem que antigamente.

(Cohn-Bendit, Daniel. Um legado de perguntas sem respostas, in: O Globo, Caderno Especial 1968, 11/05/08, p. 2)

Fim do complemento.

A afirmação acima, proferida por um dos principais líderes estudantis das manifestações históricas que ocorreram na França, em 1968 - de onde também extraímos a frase-título deste capítulo -, revela uma avaliação sobre uma possível diferença entre o ser jovem nos dias de hoje, no século XXI, e o ser jovem há mais de quarenta anos. Na verdade, podemos e devemos perguntar até que ponto é isso mesmo: será que ser jovem hoje é mais difícil do que antigamente? Por quê? O que significa ser jovem no Brasil, nos dias atuais? Será que as respostas a estas perguntas seriam as mesmas em qualquer parte do país, como, por exemplo, nas capitais ou no interior, na Região Sul ou nos estados do Nordeste?

Refletir sobre essas questões é um dos temas da Sociologia, ao qual damos o título de Identidade.

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Identidade: o que é?

Quando falamos em identidade, lembramos logo do Registro Geral (RG), um documento em que aparece a nossa foto, acompanhada do nosso nome completo, da nossa assinatura, dos nomes dos nossos pais, do estado em que nascemos, da data de nascimento, entre outras informações. Quando registramos esses dados em algum órgão do governo, recebemos a carteirinha com um determinado número - pronto: estamos devidamente identificados, representados por um único número, que não pode ter nenhum outro igual!

O que significa o documento de identidade?

Em uma visão difundida pelo senso comum, significa que, a partir desse momento - o recebimento da carteira -, podemos ser reconhecidos como membros da sociedade, como um indivíduo singular (que não tem igual), como um sujeito participante da vida social, com suas características específicas: nome, número, cor da pele (que aparece na fotografia), sexo, idade, naturalidade. Podemos dizer que o RG, na verdade, é o nosso primeiro documento, pois a Certidão de Nascimento, que é expedida pelo Cartório ao nascermos, é um documento dos nossos pais que afirmam e declaram ao mundo a nossa existência, reconhecendo-nos como seus filhos.

Nada mais óbvio do que tudo que escrevemos até aqui, não é verdade? Mas, para a Sociologia, falar em identidade é muito mais complexo do que podemos imaginar.

Em primeiro lugar, podemos dizer que os dados estampados no RG revelam diversos pertencimentos desse indivíduo que nós somos: pertencemos a um país, a um estado, a uma família, a uma determinada geração. Revelam também características físicas, tais como o sexo e a cor da pele. Mas, será que "revelam" tudo a nosso respeito? É claro que não.

A nossa identidade formal, anunciada pelos dados, é apenas a nossa estampa, uma "casca" que esconde as nossas ideias, as nossas emoções, os nossos gostos, as nossas crenças, as motivações que temos e as aspirações que buscamos na vida. Todos estes e outros elementos é que formam de fato a nossa identidade, que nos transformam em sujeitos, pertencentes a uma determinada época e lugar, inseridos em um tipo específico de sociedade, construída a partir de uma determinada História.

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LEGENDA: Mulheres gaúchas que foram alfabetizadas queimam suas carteiras de identidades para analfabetos. Esta atitude mostra que a nossa identidade é muito mais do que um simples documento.

FONTE: Alan Marques/Folhapress

Se entendemos esta questão dessa forma, podemos dizer, portanto, que ser jovem não é a mesma coisa hoje e há mais de quarenta anos, aqui no Brasil ou na França, assim como, de forma mais ampla e mais diferenciada, entre as sociedades ocidentais e uma sociedade em Bali (na Indonésia) ou uma comunidade indígena do Xingu.

Para entender melhor o que estamos falando, vamos tomar como exemplo os acontecimentos que abalaram o mundo em 1968, nos quais a juventude teve um papel de liderança, de marcante protagonismo.

1968: os jovens comandam uma revolução política e social

Em 1968, os jovens estudantes franceses tomaram as ruas de Paris com palavras de ordem e frases de impacto, tais como:

"Sejam realistas: exijam o impossível!"

"É proibido proibir."

"Abaixo a sociedade de consumo!"

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"A economia está ferida. Pois que morra!"

"Parem o mundo que eu quero descer!"

"Antes de escrever, aprenda a pensar."

"A barricada fecha a rua, mas abre o caminho."

Esse ano, na verdade, foi o momento culminante de uma série de mudanças que vinham ocorrendo nas sociedades ocidentais, desde o final da década de 1950. Essas mudanças, de caráter social, político e cultural, foram comandadas por jovens: eles eram os principais líderes da Revolução Cubana, como Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos. Eram os atores que representavam personagens desafiadores e rebeldes, que pilotavam suas motos e carros em alta velocidade, como Marlon Brando e James Dean; eram os músicos que transformaram o rock em um fenômeno mundial, como Elvis Presley, Chuck Berry e Bill Halley and His Comets.

Influenciada por esses acontecimentos, a década de 1960 assistiu ao surgimento e ao sucesso dos Beatles e seus cabelos compridos; à permanente rebeldia dos Rolling Stones; à invenção da minissaia; ao uso das drogas como forma de libertação do pensamento, da imaginação e da criatividade; e à disseminação do sexo livre, com a descoberta da pílula anticoncepcional.

Ser jovem passou a significar, nesse contexto, a afirmação da luta por uma liberdade plena, contra a "caretice" das gerações mais velhas (os pais e os avós) e contra todas as formas de opressão política, desde a sociedade de consumo ocidental, representada pelos Estados Unidos, até as ditaduras socialistas, representadas pela União Soviética. Assim, a luta pelo "amor livre" associava-se às manifestações contra a Guerra do Vietnã e contra o alistamento militar; a luta pela revolução socialista era combinada com a resistência à invasão soviética da Tchecoslováquia, que pôs fim às reformas políticas conhecidas como a Primavera de Praga (aproveite para pesquisar a respeito).

As manifestações estudantis que ocorreram em Paris se espalharam pelo mundo, atingindo cerca de cinquenta países, entre os quais Itália, Polônia e Iugoslávia. Cidades como Madri, Valência, Nova York, Santiago, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro tiveram suas ruas tomadas.

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LEGENDA: Grafite do americano Mr Brainwash com imagem dos Beatles que ocupa uma parede no bairro de Holborn - Londres, Inglaterra.

FONTE: Joseph Epotein/BBC - Brasil

As bandeiras de luta eram semelhantes, mas também distintas.

Enquanto em Nova York a luta pela liberdade não poderia ser dissociada da luta contra a guerra, aqui no Brasil a luta pela liberdade significava posicionar-se contra a ditadura civil-militar que se instaurara no país em 1964.

Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, o assassinato de um estudante secundarista, Edson Luís, ocorrida em março de 1968, provocou diversas manifestações pelo país, culminando com a histórica passeata dos Cem Mil, na Cinelândia. Na avaliação do sociólogo Paulo Sérgio do Carmo: "Diferentemente do movimento francês, que lutava por causas mais 'abstratas', contra o capitalismo, o consumo e a alienação, no Brasil, a luta se dava contra uma ditadura feroz e com muita disposição para reprimir" (CARMO, 2003, p. 86).

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Independentemente do resultado concreto dessas manifestações - no Brasil, por exemplo, a ditadura não foi derrubada, mas se tornou ainda mais violenta nos anos seguintes, promovendo perseguições, exílio, torturas e assassinatos de seus opositores -, todo esse mundo, em permanente ebulição, sempre sob o comando da juventude, nunca mais seria o mesmo.

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LEGENDA: Em 1968, lutar por liberdade no Brasil significava o enfrentamento do poder da ditadura militar pelos estudantes.

FONTE: Acervo Última Hora/Folhapress

A crítica à sociedade de consumo teve como uma de suas consequências o surgimento do movimento ecológico e a denúncia da destruição do meio ambiente como contrapartida do chamado "progresso" e do desenvolvimento econômico e a busca do lucro a qualquer custo. O enfrentamento das diversas formas de opressão permitiu a denúncia do machismo e dos falsos moralismos, até então vigentes, levando à redefinição do papel da mulher na sociedade, que passou a ter uma presença cada vez mais fortalecida no mercado de trabalho, e a luta pela superação de todas as formas de discriminação sexual. Essas lutas, que prosseguem até os dias atuais, tiveram um acentuado impulso nesse período. Elas significaram, também, uma mudança nas concepções sobre as identidades das pessoas, não só dos jovens, como dos membros da sociedade em geral.



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Identidade no debate da Sociologia

Entretanto, o debate sociológico sobre o tema da identidade não é novo. Desde muito tempo, alguns sociólogos já discutiam os significados do termo "identidade". Vejamos dois pensadores que se dedicaram a esse tema: George Herbert Mead e Erving Goffman.

O sociólogo americano George Herbert Mead (1863-1931) dizia que nós somos o que somos porque adquirimos ao longo da vida alguns traços característicos de nosso "self", por meio das interações sociais que estabelecemos com outros indivíduos. Numa tradução mais difundida, o termo em inglês "self" poderia ser entendido como "si mesmo". Para Mead, entretanto, a ideia era concebida como uma referência à existência de um self social, ou seja, significava que o indivíduo organiza uma série de atitudes sobre o meio social em que vive e tem condições de adotar, é a consciência que um sujeito tem de si mesmo. Mas, ele afirmava também que esta consciência só é possível se o indivíduo estabelecer contatos sociais, não é uma coisa que nasce com ele ou é um fator biológico ou genético. Você já viu ou ouviu falar do filme O enigma de Kaspar Hauser, produzido pelo diretor Werner Herzog (veja na seção Interatividade), que relata um caso real de um menino alemão, passado em 1820, que teve o seu primeiro contato com humanos na adolescência e que só aprendeu a falar após esse contato com outras pessoas? Pois bem, se pensasse neste exemplo, George Mead nos diria que o caso ilustra como o self é impossível de ser concebido fora de um intercâmbio simbólico com outras pessoas.

O "self", para George Mead, apresenta duas características: o "eu" e o "mim". O eu refere-se ao sujeito que age e o mim refere-se a como nos vemos através dos olhos de outras pessoas. Está complicado? Vamos ver um exemplo: quando vamos a uma festa sempre nos vestimos de forma adequada ao ambiente, pois sabemos que as pessoas podem nos julgar pela forma como nos apresentamos.

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Pois bem, se nos sentimos confortáveis e elegantes com uma determinada roupa é porque gostamos de estar de um jeito e também porque sabemos que outras pessoas podem gostar. Mead diz, portanto, que "o 'eu' é a reação do organismo às atitudes dos outros; e o 'mim' é a série de atitudes organizadas dos outros que alguém adota" (MEAD, 1973, p. 202).

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LEGENDA: O filme "O enigma de Kaspar Hauser" mostra a vida de um adolescente que começa a ter uma identidade social após ter vivido desde o nascimento num porão, isolado do mundo.

FONTE: Filmverlag der Autoren /Werner Herzog

Outro sociólogo importante que se debruçou sobre o tema da identidade foi o canadense Erving Goffman (1922-1982). No seu livro A representação do eu na vida cotidiana, Goffman sustenta a ideia de que a vida social do indivíduo, por consequência sua identidade, pode ser entendida como representação teatral. Como ele argumenta isso? Vamos ler com atenção.

A ação de um indivíduo em relação a outros não tem somente uma finalidade instrumental, ou seja, não tem somente um objetivo de fazer algo, mas também é condicionado pelo modo como este sujeito quer aparecer diante dos outros. Goffman afirma que quando um indivíduo está diante de outro, ele tem muitas razões para tentar controlar as impressões que os outros têm dele e da situação específica dessa relação. Ou seja, podemos dizer que, para Goffman, o indivíduo e sua identidade são produtos de uma cena que é representada durante uma determinada situação. Vejamos o que ele mesmo escreve sobre isso:

Boxe complementar:

Quando um indivíduo chega à presença de outros, estes, geralmente, procuram obter informação a seu respeito ou trazem à baila a que já possuem. (...) A informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação, tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar. Assim informados, saberão qual a melhor maneira de agir para dele obter uma resposta desejada.

(GOFFMAN, 1975, p.11)

Fim do complemento.

Em outro trecho, ele também explica:

Boxe complementar:

A sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de esperar que os outros o valorizem e o tratem de maneira adequada. Ligado a este princípio há um segundo, ou seja, de que um indivíduo que implícita ou explicitamente dê a entender que possui certas características sociais deve de fato ser o que pretende que é. Consequentemente, quando um indivíduo projeta uma definição da situação e com isso pretende, implícita ou explicitamente, ser uma pessoa de determinado tipo, automaticamente exerce uma exigência moral sobre os outros, obrigando-os a valorizá-lo e a tratá-lo de acordo com o que as pessoas de seu tipo têm o direito de esperar.

(GOFFMAN, 1975, p.21)

Fim do complemento.

Como se vê, a ideia de identidade de Goffman é muito parecida com a de George Mead. Em ambas, segundo eles, pode-se afirmar que os indivíduos assumem diversas identidades, dependendo de uma determinada situação social em que estes mesmos indivíduos se encontram.

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Identidades sociais ontem e hoje

Como vimos, a Sociologia tem vários autores que discutem e refletem sobre o conceito de identidade. Agora vamos destacar outro autor que escreveu um pequeno livro sobre o assunto: um teórico jamaicano, mas radicado no Reino Unido, chamado Stuart Hall.

Quando falamos em identidade, estamos falando em papéis distintos assumidos pelo indivíduo enquanto sujeito histórico, pertencente a uma determinada sociedade. Stuart Hall (2004) destaca um determinado indivíduo genérico, membro da sociedade ocidental, ou seja, as sociedades europeias e as sociedades colonizadas pelos europeus nas Américas. Nesse sentido, esse sociólogo apresenta três ideias muito diferentes sobre as identidades que se constituíram historicamente no Ocidente, como veremos a seguir.

Uma primeira identidade do sujeito, segundo Hall, teve origem no Iluminismo, com base numa concepção de pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado de capacidades de razão, de consciência e de ação (2004, p. 10).

Como estudamos nas aulas de História, essa ideia estava associada à afirmação da centralidade do homem (antropocentrismo), em oposição às concepções que vinham da Idade Média, que afirmavam a total centralidade de Deus e o poder inquestionável da Igreja. Um primeiro momento de nascimento desse "novo indivíduo" foi o Renascimento do século XVI, com o seu Humanismo. Este se consolida no século XVIII, com o Iluminismo. A razão humana, finalmente, se sobrepunha definitivamente à fé cega, que impedia o desenvolvimento da ciência e do capitalismo.

A segunda identidade que surgiu historicamente, de acordo com Stuart Hall, foi baseada na noção de um sujeito sociológico, que coincidiu com a ascensão da sociedade moderna, associada ao capitalismo, no século XIX. Devemos entender esse sujeito sociológico como um indivíduo que não tinha a autonomia e a autossuficiência do sujeito iluminista, mas sim com o um sujeito que se relacionava integralmente com a sociedade em que vivia, interagindo permanentemente com ela.

No século XIX, com a consolidação do capitalismo a partir da Inglaterra e as suas consequências para o restante da humanidade, o "sujeito sociológico" que assume o poder apresenta, então, a sua "carteira de identidade": ele era branco, europeu, anglo-saxão, do sexo masculino, cristão. Todas as outras identidades, dentro da mesma sociedade, e principalmente em outras partes do mundo, deveriam, necessariamente, estar subordinadas a ele.

Por fim, segundo Hall, a identidade apontada acima, que teve origem na Era Moderna, começou a ser totalmente "desmontada" no século XX, principalmente a partir das mudanças que ocorreram na década de 1960, citadas anteriormente. Trata-se, agora, de um sujeito pós-moderno, no qual coexistem diversas identidades simultâneas e até contraditórias, todas de caráter cultural.

Deve-se observar que este "novo sujeito" é também produto das mudanças constantes que caracterizavam a Era Moderna, desde o século XIX, tal qual descreveram Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto Comunista : "(...) As relações rígidas e enferrujadas, com suas representações e concepções tradicionais, são dissolvidas, e as mais recentes tornam-se antiquadas antes que se consolidem. Tudo o que era sólido desmancha no ar, tudo que era sagrado é profanado, (...)" (1998, p. 11).

O que pode ser apresentado como "novidade" - como defende Stuart Hall - é o ritmo e a profundidade dessas mudanças, aceleradas desde os anos 1970, em comparação com as sociedades modernas que foram se consolidando no mundo ocidental a partir do século XIX, após a Revolução Francesa.

O sujeito pós-moderno, segundo essa concepção, não teria um "centro", ou melhor, teria este "deslocado", desarticulado, perdido a estabilidade. Explicando: o sujeito moderno ou sociológico do século XIX é um indivíduo que tem uma identidade única, centrada na sua nacionalidade (o país onde nasceu) e nas suas características físicas (cor da pele, sexo, por exemplo).

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É a partir dessas definições que esse sujeito se situa e se relaciona com a sociedade. Já o sujeito pós-moderno apresentaria múltiplas identidades, sem que uma determinada se impusesse às demais.

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LEGENDA: O sujeito pós-moderno apresentaria múltiplas identidades, sem que uma determinada se impusesse às demais.

FONTE: Vanderlei Sadrack

Um exemplo dessa "multiplicação de identidades", apresentado por Stuart Hall, foi o episódio da indicação de um novo juiz para a Suprema Corte norte-americana, pelo então presidente George Bush (pai de George W. Bush), em 1991. Como presidente eleito pelo Partido Republicano, Bush desejava indicar um juiz conservador, que defendesse determinados interesses. Daí, segundo Hall, ele promoveu um "jogo das identidades": indicou para o cargo Clarence Thomas, um juiz negro de posições conservadoras. Assim, ele teria o apoio dos seus eleitores brancos que, apesar da possibilidade de ter preconceitos contra um juiz negro, veriam Thomas com outros olhos, em razão das suas ideias conservadoras, e dos seus eleitores negros que aplaudiriam a indicação de Thomas. Durante o processo de escolha do juiz, no entanto, Clarence Thomas foi acusado de assédio sexual por uma ex-colega, Anita Hill, que era negra. O tal "jogo de identidades" ocorreu novamente em torno do escândalo provocado pelo caso: alguns homens negros apoiaram Thomas, com base na cor da sua pele; outros se opuseram a ele, por causa do assédio sexual. As mulheres negras se dividiram: algumas apoiaram Thomas e outras, a mulher agredida. Os homens e as mulheres brancas conservadoras, antifeministas, apoiaram Thomas; os mais liberais, que condenavam o sexismo, não (cf. HALL, 2004, p. 18-21).

Dentre outras consequências desse "jogo", ficou claro por que a identidade do sujeito ficou "descentrada", na visão de Hall? Exatamente porque não existiria, no caso descrito, uma identidade única, que conduzisse as demais. A identidade do juiz citado seria "deslocada" de acordo com os distintos pontos de vista presentes na sociedade, de como ele era visto por homens ou mulheres, brancos ou negros, conservadores ou liberais, machistas ou feministas.

Voltando aos jovens: quais são as suas identidades?

Começamos este capítulo refletindo sobre uma determinada juventude que viveu nos anos 1960. Mas e os jovens de hoje no Brasil? Podemos dizer que eles têm uma identidade? Ou será que eles têm várias identidades?

O sociólogo brasileiro e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Juarez Dayrell parte da ideia de uma "condição juvenil" atual, abordando tudo o que pode ser entendido como culturas, demandas e necessidades da juventude. Ou seja, segundo Dayrell, precisamos entender as manifestações cotidianas e seus símbolos como a amostra de uma maneira de ser jovem. O que este sociólogo destaca é que uma parcela da juventude, que predominantemente no Brasil frequenta as escolas públicas, é pobre e vive nas periferias das grandes cidades.

Para Juarez Dayrell - num artigo que escreveu juntamente com Juliana Reis -, a juventude é uma definição que é socialmente construída, sendo marcada por variadas condições sociais, culturais, de gênero e geográficas, ou seja, há jovens de diversas classes, etnias, religiões, com determinados valores, dentre outros aspectos. Além de serem marcados pela diversidade, as identidades da juventude são dinâmicas, ou seja, transformam-se de acordo com o tempo (cf DAYRELL; REIS, 2007).

A categoria de "condição juvenil", segundo Dayrell e Reis, "refere-se ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão histórico-geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais - classe, gênero, etnia, etc." (DAYRELL; REIS, 2007, p. 4).

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Assim, a condição juvenil, no Brasil, manifesta-se em variadas dimensões.

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FONTE: Fernando Donasci/Folhapress

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LEGENDA DAS FOTOGRAFIAS: A chamada "condição juvenil" se expressa de diferentes formas. Na foto de cima, integrantes do trio cubano de Hip-Hop "Orishas". No sentido horário: Youtel, Roldan e Ruzzo. Na foto de baixo, jovens da Cidade Tiradentes (Zona Leste de São Paulo-SP) que produzem e vendem camisetas grafitadas.

FONTE: Apu Gomes/Folhapress

A primeira delas é a dimensão do trabalho. Este é um desafio cotidiano para muitos jovens e, para muitos, é a garantia da própria sobrevivência, na qual eles buscam uma gratificação imediata e um possível projeto de futuro. Para muitos jovens, ser jovem é viver o trabalho, para garantirem um mínimo de recursos financeiros para se divertir, namorar ou consumir.

A segunda dimensão é a cultural. Ou seja, "eles são jovens, amam, sofrem, divertem-se, pensam a respeito das suas condições e de suas experiências de vida, posicionam-se diante dela, possuem desejos e propostas de melhorias de vida" (DAYRELL; REIS, 2007, p. 5). Na vida dos jovens, aquilo que chamamos de simbólico, em nossas relações sociais, tem sido cada vez mais utilizado por milhões de jovens brasileiros como uma maneira de se comunicarem e de se posicionarem diante da sociedade e até de si mesmos.

A terceira é uma dimensão que pode ser chamada de sociabilidade. De acordo com muitos estudos sociológicos brasileiros, há uma importância grande nesta dimensão quando pensamos sobre as identidades dos jovens, pois, entre seus pares, amigos e colegas, no lazer, na diversão, nas escolas ou no trabalho, " a turma de amigos é uma referência na trajetória da juventude: é com quem fazem os programas, 'trocam ideias', buscam formas de se afirmar diante do mundo adulto, criando um 'eu' e um 'nós' distintivo" (DAYRELL; REIS, 2007, p. 6).

Esses autores falam sobre outras dimensões não menos importantes, tais como os espaços que são construídos como lugares "só de jovens" e a dimensão da "transição para a vida adulta". Esta significa, nas palavras desses autores, que

Boxe complementar:

(...) a vida constitui-se no movimento, em um trânsito constante entre os espaços e tempos institucionais, da obrigação, da norma e da prescrição, e aqueles intersticiais, nos quais predomina a sociabilidade, os ritos e símbolos próprios, o prazer. É nesse trânsito, marcado pela transitoriedade, que vão se delineando as trajetórias para a vida adulta. É nesse movimento que se fazem, construindo modos próprios de ser jovem. Podemos dizer que, no Brasil, o princípio da incerteza domina a vida dos jovens, que vivem verdadeiras encruzilhadas de vida, nas quais as transições tendem a ser ziguezagueantes, sem rumo fixo ou pré-determinado.

(DAYRELL; REIS, 2007, p. 8)

Fim do complemento.

Em síntese, pode-se dizer que a vida dos jovens é um momento de transição, apresentando-se como um constante vai e vem entre os prazeres da juventude e a vida rígida das obrigações adultas.

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E você? O que acha disso tudo? Podemos dizer que os jovens têm muitas identidades ou podemos afirmar que existe uma definição única de ser jovem? Discuta com seus amigos e colegas.

Existe uma identidade brasileira?

Agora, vamos conversar um pouco sobre a ideia de identidade no Brasil. Você acha que, diante de tudo que levantamos até agora, poderíamos falar na existência, de alguma forma, de uma determinada "identidade brasileira"?

Poderíamos dizer que sim, até determinado ponto, se considerarmos uma série de características culturais que se fazem presentes nas manifestações da maioria da população como, por exemplo, nas suas tradições religiosas ou nas suas opções esportivas (como é o caso do futebol). Deve-se perceber, porém, que, assim como em outros países, essas tradições são todas elas construídas ou "inventadas", em um determinado momento da nossa História. Como assim? O que estamos querendo dizer com isso?

Pegando como exemplo o futebol, se resolvermos fazer uma pesquisa sobre a história do futebol no Brasil, descobriremos que ele foi trazido para o nosso país por ingleses, entre o finalzinho do século XIX e o início do século XX. Naquela época, tomando como exemplo a capital do país, a cidade do Rio de Janeiro, o esporte mais popular eram as regatas - as corridas de embarcações (canoas) pilotadas por remadores, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Somente com a passagem de algumas décadas é que o futebol acabou virando o esporte mais popular do Rio e também do Brasil. Se pensarmos em outros países, como é o caso dos EUA, o futebol (chamado de soccer), apesar de sua origem inglesa (football), até hoje não é o esporte mais popular.

Outras identidades culturais são construídas e desconstruídas, de acordo com a época histórica, de acordo com os interesses políticos. Na década de 1930, por exemplo, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre formulou a ideia de que o Brasil seria um modelo de "democracia racial" para todo o mundo, em que brancos e negros viveriam harmoniosamente, inexistindo a prática do racismo. A partir da década de 1950, no entanto, outros sociólogos, entre os quais os paulistas Florestan Fernandes e Octavio Ianni, demonstraram, através de diversas pesquisas patrocinadas pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - que essa ideia de Freyre não passava de um mito, sem qualquer sustentação na dura realidade vivenciada pelos afrodescendentes brasileiros.

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LEGENDA: Você acredita que, no Brasil, no início do século XX, o remo era um esporte mais popular que o futebol? Na foto, torcida do Botafogo, no estádio do Maracanã.

FONTE: Rudy Trindade/Folhapress

Por fim, num país que apresenta extremos de desigualdade social e de concentração de renda, como é o nosso, não se pode falar na existência de uma determinada identidade cultural que "unifique" a maioria dos indivíduos, seus habitantes. Podemos, sim, dizer que existem identidades de classe social ou de grupos sociais específicos. Assim, os jovens estudantes de uma escola pública no interior de Pernambuco apresentam características bem distintas dos jovens estudantes de uma escola privada frequentada pela burguesia paulistana. Poderíamos falar em "identidades jovens" semelhantes nestes dois casos? Mesmo considerando o poder e a expansão cada vez maior da internet nos dias atuais? Está aí um bom tema para iniciarmos o debate.

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Literatura

Os muitos passeios pelos "bosques da ficção"

Leila Medeiros de Menezes

V ocê deve se perguntar, algumas vezes, o quê e o porquê de estudar e ler Literatura. Aquela Literatura enquanto disciplina escolar.

Tomando emprestada a frase de impacto, usada pelos jovens militantes no ano de 1968, nas ruas de Paris - "A barricada fecha a rua, mas abre o caminho" - ouso dizer que a Literatura também abre caminhos que nos levam, como diz Umberto Eco (2006)1, a tantos "bosques da ficção".

Convidamos você a ousar também muitos caminhos e caminhadas pela Literatura. Poderíamos, aqui, trabalhar com vários períodos da História do nosso país, onde a Literatura assumiu papel de denúncia, de resistência, oferecendo-nos momentos de reflexão a respeito do nosso envolvimento enquanto seres individuais e coletivos.

Para dialogar com o conceito de identidade deste capítulo, assumiremos a História do tempo presente como motivo para as nossas reflexões e discussões. Tanto na prosa quanto na poesia, ela se faz presente, engajada. Definiremos os chamados "anos de chumbo" - 1968 a 1978 - como momento privilegiado de reflexão. O período foi assim denominado por marcar um momento bastante cruel da História brasileira recente, onde nos porões da Ditadura muitas arbitrariedades foram cometidas em nome da Segurança Nacional. Queremos juntar os estilhaços para buscarmos recompor a memória recente acerca da censura política.

Segundo Veronese, "a primeira função da arte é política, é chocar, uma vez que é instrumento para provocar reflexão entre as pessoas" (2000, p. 2)2. Dentre as várias formas de resistência a arte tornou-se, sem dúvida, um grande instrumento catalisador do pensamento nacional. Ao "chocar" os poderes constituídos, sua possibilidade de reflexão tornou-se uma arma explosiva.

No diálogo entre poesia e música, exemplificaremos com poemas-canção3 de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha. Ele assumiu a palavra poética como denunciante da palavra política e social para colocar-se na contramão do sistema vigente. Sua produção musical oscilou entre as coisas do coração, a exaltação da vida - canções atemporais - e a denúncia das arbitrariedades do regime, marcadas por "um tempo onde lutar por seu direito [era] um defeito que [matava]" - canções datadas. Gonzaguinha foi, sem dúvida, um verdadeiro ator do político.

Gonzaguinha teve a plena consciência do que representava naquele momento, deixando seu coração e sua razão explodirem com o "peito fervendo ao grau de uma fornalha" (PINHEIRO, 1976, p. 42)4, equilibrando a quantidade exata do sonho com a matéria que dava forma à poesia; dessa forma, partilhava com seus possíveis interlocutores sofrimentos, indignações que marcaram o período em tela.

Ocupando-se da palavra, o poeta-compositor Gonzaguinha deixou explodir sua indignação e se fez plenamente ativo, atualizado, engajado, respondendo, assim, aos questionamentos de uma juventude que, segundo seus versos, na composição Não dá mais pra segurar, de 1979 - que acabou por ficar mais conhecida por um de seus versos, "explode coração"- ansiava por ver "o sol desvirginando a madrugada". Gonzaguinha sempre se identificou com os anseios e as lutas de uma grande parcela da população brasileira que vive à margem do acesso e da produção dos bens sociais e culturais. Nunca esqueceu das suas verdadeiras raízes.

Então, já que discutimos as identidades dos jovens, que tal agora, com seu professor de Literatura, mergulhar nos poemas-canção de Gonzaguinha para entendermos melhor os jovens de ontem e de hoje?

Leila Medeiros de Menezes é professora dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - CAp-UERJ. Graduada em Letras - Português - Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e Mestre em História Política pela UERJ.

1. ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

2. VERONESE, Antonio. O manifesto de Veronese. In: Jornal do Brasil, Caderno B, 27/07/2000, p.2.

3. Estamos chamando de poemas-canção a relação íntima entre poesia e música.

4. PINHEIRO, Paulo César. Batalha. In: PINHEIRO, Paulo César. Canto brasileiro. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de Artes Gráficas, 1976.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - O que dizem sobre o conceito de identidade os pensadores George Mead e Erving Goffman?

2 - Sintetize as três concepções de identidade formuladas pelo sociólogo Stuart Hall.

3 - Quais são as dimensões do ser jovem no Brasil, segundo o sociólogo Juarez Dayrell?

Dialogando com a turma

1 - O texto cita o uso de drogas e a liberação sexual como acontecimentos que marcaram a década de 1960. Hoje, podemos dizer que tanto um quanto o outro assumiram significados bem diferentes. Pesquise a respeito e debata a sua opinião com a turma.

2 - Entreviste, na sua família, uma pessoa que tenha sido jovem na década de 1960 e anote a opinião dela a respeito dos acontecimentos, sob o ponto de vista de alguém que presenciou ou viveu intensamente aquela época. Compare a sua entrevista com as de seus colegas e, em conjunto, relate as diferentes visões encontradas.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2011)

Em geral, os tupinambás ficam bem admirados ao ver os franceses e os outros dos países longínquos terem tanto trabalho para buscar o seu arabotã, isto é, pau-brasil. Houve uma vez um ancião da tribo que me fez esta pergunta: "Por que vindes vós outros, mairs e pêros (franceses e portugueses), buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?"

O viajante francês Jean de Loy (1534-1611) reproduz um diálogo travado, em 1557, com um ancião tupinambá o qual demonstra uma diferença entre a sociedade europeia e a indígena no sentido:

(A) do destino dado ao produto do trabalho nos seus sistemas culturais.

(B) da preocupação com a preservação dos recursos ambientais.

(C) do interesse de ambas em uma exploração comercial mais lucrativa do pau-brasil.

(D) da curiosidade, reverência e abertura cultural recíprocas.

(E) da preocupação com o armazenamento de madeira para os períodos de inverno.

2 - (ENEM, 2011)

A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e determina que o conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, além de instituir, no calendário escolar, o dia 20 de novembro como data comemorativa do Dia da Consciência Negra.

A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional, mas também para a sociedade brasileira, porque:

(A) legitima o ensino das ciências humanas nas escolas.

(B) divulga conhecimentos para a população afro-brasileira.

(C) reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua cultura.

(D) garante aos afrodescendentes a igualdade no acesso à educação.

(E) impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-racial do país.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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ZAPPA, Regina; SOTO, Ernesto. 1968: eles só queriam mudar o mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

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Livro que conta a história de uma geração de jovens que sonhavam em mudar o mundo. Inspirados pelos ideais e pela figura carismática de Che Guevara, foram esses jovens que estavam à frente do movimento feminista e em defesa da liberdade sexual, em prol dos Direitos Civis nos EUA, do movimento contra a Guerra do Vietnã, entre tantas outras lutas.

FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

Excelente livro para discutir aspectos da identidade nacional brasileira. O autor relata como o futebol, esporte inventado pelos ingleses, foi modificado através dos negros brasileiros, e como virou uma marca nacional de identidade.

FILMES

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O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (Jeder für sich und Gott gegen alle, Alemanha, 1974). Direção: Werner Herzog. Elenco: Helmut Döring, Bruno S., Walter Ladengast. Duração:110 min.

Baseado em fato real ocorrido na Alemanha de 1820, o adolescente Kaspar Hauser aparece em uma cidade, após ter vivido desde o nascimento em um porão, sem qualquer contato humano. É acolhido na casa de um professor, que inicia a sua socialização. Vencedor da Grande Prêmio do Júri em Cannes.

FORREST GUMP - O CONTADOR DE HISTÓRIAS (Forrest Gump, EUA, 1994).

Direção: Robert Zemeckis. Elenco: Tom Hanks, Gary Sinise, Sally Field. Duração:141 min.

Viagem pela história dos EUA através do personagem Forrest Gump, com destaque para os acontecimentos das décadas de 1950 e 1960, como a Guerra do Vietnã, os assassinatos de John Kennedy e de Martin Luther King e o surgimento do movimento hippie.

INTERNET

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"O POVO BRASILEIRO": https://goo.gl/sulu4M

Documentário baseado no livro do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997), no qual ele apresenta sua visão sobre a formação do povo brasileiro e suas identidades. Acesso: janeiro/2016.

INFOJOVEM - "DIVERSIDADE E IDENTIDADE": http://goo.gl/wJyegD

Página hospedada no site Infojovem, um portal de informação juvenil ancorado em estudos e pesquisas relacionados às informações juvenis no Brasil, América Latina e o mundo, realizados pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, Universidade da Juventude. Nesta página, você encontrará uma reflexão sobre identidade e juventude. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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NÃO É SÉRIO - Autores e intérpretes: Charlie Brown Jr. Participação de Negra Li.

Você acha que o jovem é levado a sério em nosso país? Será que ele é sempre visto como o "culpado" de tudo? O que será que ele tem a dizer? A letra da música proporciona uma boa discussão a respeito.

MY GENERATION (Minha Geração) - Autor: Pete Townshend. Intérpretes: The Who.

Rock que virou um hino representativo da juventude da década de 1960, ficando marcado pela frase "I hope I die before I get old" - ou, em tradução livre, "tomara que eu morra antes de ficar velho". Como curiosidade, vale registrar que a banda The Who ainda hoje é escutada por diversos jovens da atual geração, com suas músicas sendo regravadas por grupos mais novos e servindo de tema para seriados da TV norte-americana - ou seja, exatamente como afirma a letra da música brasileira "Como nossos pais", composta por Belchior.

FILME DESTAQUE

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DIÁRIOS DE MOTOCICLETA

(The Motorcycle Diaries)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Walter Salles

Elenco: Gabriel Garcia Bernal, Rodrigo de La Serna.

Duração: 128 min.

(EUA, 2004)

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FONTE: Film Four / Walter Salles

SINOPSE:

Reconstituição da viagem do jovem médico Ernesto Che Guevara pela América Latina, acompanhado do seu amigo Alberto Granado, quando ele toma contato com a dura realidade de miséria do continente e decide transformar-se em um revolucionário. A viagem é realizada em uma moto, que acaba quebrando após oito meses. Eles então passam a seguir viagem através de caronas e caminhadas, sempre conhecendo novos lugares.

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Aprendendo com jogos

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Detetive por um dia

ELEMENTAR, MEU CARO WATSON.

Neste jogo, você é um(a) jovem detetive que tem por missão desvendar um misterioso assassinato. Você terá de resolver o mistério identificando o suspeito do crime, o local do crime e a motivação do crime. Os crimes estão relacionados à violência contra minorias sociais. O objetivo pedagógico desta adaptação é propiciar reflexão sobre sexismo, misoginia e racismo.

Como jogar:

1. Organize-se com os seus colegas de sala para jogarem o jogo. No entanto, é parte da proposta que vocês construam o tabuleiro do jogo. Este jogo é uma adaptação do conhecido jogo Detetive, criado em 1944 pelo advogado inglês Anthony E. Pratt e publicado originalmente em 1949. Em versão bem conhecida e já publicada no Brasil, o jogo possui regras simples, pelas quais os participantes recebem três tipos de cartas (suspeitos, armas e cenários), percorrem os aposentos de uma mansão representada no tabuleiro e apresentam suspeitas (quem é o assassino, onde ocorreu o assassinato e qual arma o criminoso utilizou). O jogo segue com outro participante desmentindo as suspeitas levantadas ao mostrar apenas para quem levantou a suspeita a carta do assassino, do local do crime ou da arma que é citada na suspeita. Quando se tem certeza, um jogador pode fazer uma acusação. Ganha o jogo quem descobrir o assassino e o local e a arma do crime, mas é desclassificado quem fizer uma acusação errada. Para construírem o tabuleiro, sugerimos que pesquisem sobre o tema violência contra minorias sociais, leiam matérias jornalísticas e reflitam sobre as histórias de preconceito narradas. Após isso, imaginem os cenários em que se deram essas histórias, que irão compor as "salas" do tabuleiro. Vocês talvez desejem pesquisar na internet imagens do jogo sobre o qual se propõe esta adaptação.

2. As cartas das armas do crime serão substituídas pelas de motivações para o crime, sendo: 1 - "Ela pediu por isso" - violência contra a mulher;

2 - "Porque esse tipo de gente tem de morrer" - ódio racial ou étnico; 3 - "Sua crença é o mal na Terra" - intolerância religiosa; 4 - "Esses fanáticos é que acabam com o nosso país" - facismo ou reacionarismo de direita; 5 - "Eles veem para cá e roubam os nossos empregos" - xenofobia; 6 - "Isso é falta de vergonha na cara" - violência de gênero. As "motivações" dos crimes são representadas por crenças do assassino no jogo. Você pode aperfeiçoar ou ampliar esta adpatação de modo a contextualizar ainda melhor os crimes apontados. Ao final da construção do grupo, haverá três tipos de cartas: suspeito, local do crime e motivação do crime.

3. Reflita junto com os seus colegas sobre as motivações dos crimes ocorridos no jogo e como são diferentemente tratados, pela mídia tradicional e pelo aparato do Estado, os crimes em que as vítimas são outros sujeitos da hierarquia social. Analisem como identidades precisam ser reconhecidas e não violentadas (aproveite para se perguntar como é possível que pessoas sofram todo o tipo de violência sem que isso seja considerado um escândalo). Discuta o que significa a igualdade como princípio político de uma sociedade. Elabore junto com os seus colegas de sala uma "Carta de direitos" da diversidade racial, étnica, social e de gênero, a ser afixada em local visível na sua escola.

4. Elabore uma narrativa breve que conte a história do assassinato desvendado, suas relações com a desigualdade social e as representações acerca de populações específicas, gêneros, etnias e classes sociais, em formato de uma notícia de jornal que não se veria na mídia tradicional.

5. Assista ao documentário Eu Tarzan, você Jane (CBC Rádio Canadá, 2006) que mostra, sob o ponto de vista da sexualidade, a diferença entre o papel dos homens e o das mulheres no decorrer das últimas décadas. Você pode assistir em https://goo.gl/b6t5tD. Discuta com os colegas de turma como o processo de socialização permite a construção de identidades de gênero e de sexualidades e como esse mesmo processo permite que representações sociais que naturalizam gêneros e sexualidades se tornam base de preconceitos e de violência.

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Capítulo 6 - "Ser diferente é normal": as diferenças sociais e culturais

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LEGENDA: Somos iguais ou somos diferentes?

FONTE: Getty Images

Boxe complementar:

Somos todos iguais ou somos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo que a resposta se abrigava, segura de si, no primeiro termo (...). Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou. A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se em ritmo acelerado e perturbador a consciência de que nós, os humanos, somos diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes na pele e nos olhos, temos sexo e gênero diferentes além de preferências sexuais diferentes, somos diferentes de origem familiar e regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses diferentes, diferentes hábitos e gostos, diferentes estilos ou falta de estilo; em suma, somos portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também diferentes de direito. É o chamado "direito à diferença", o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente. The right to be different!, é como se diz em inglês o direito à diferença. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou a queremos menos. Motiva-nos muito mais, em nossa conduta, em nossas expectativas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e coletivamente diferentes uns dos outros.

Antônio Flávio Pierucci em Ciladas da Diferença (1999, p.7)

Fim do complemento.

Você concorda com o texto acima? Nós, hoje, desejamos mais o direito de ser diferente do que o direito a igualdade? Está confuso?

Então, vamos ver essa notícia veiculada na internet em 18 de março de 2010:

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Boxe complementar:

CASAL BRITÂNICO É PRESO POR SE BEIJAR E CONSUMIR ÁLCOOL EM DUBAI

Um casal britânico - um homem que mora e trabalha em Dubai e uma turista - foi preso em novembro do ano passado na cidade dos Emirados Árabes Unidos por se beijar em público e consumir álcool. Soltos após pagar fiança, eles irão à uma corte em 4 de abril.

De acordo com a rede de TV americana CNN, o casal - cuja identidade não foi revelada - jantava ao lado de amigos no restaurante Bob's Easy Diner, próximo da praia Jumeirah, quando uma mulher que estava no local com a família ligou para a polícia.

É o terceiro caso envolvendo cidadãos britânicos presos em Dubai em menos de dois anos. Em janeiro deste ano, um casal britânico de namorados foi detido por ter relações sexuais fora do casamento. No final de 2008, outro casal britânico foi condenado a três meses de prisão depois de ter sido considerado culpado por fazer sexo na praia.

Segundo estrangeiros que vivem em Dubai, autoridades locais parecem estar agindo de forma cada vez mais rígida em relação a situações de choque das diferentes culturas.

Fonte: http://bit.ly/19Icikw

Acessado em 21/03/2010

Fim do complemento.

Pois bem, há situações em que não basta reivindicar o direito à igualdade, mas sim reivindicar o reconhecimento da cultura e das formas de ser do outro ou de outra sociedade ou grupos sociais. Neste capítulo, vamos estudar um tema que, além de interferir nas relações sociais, é um dos mais importantes para entendermos melhor a nossa sociedade: as diferenças sociais e culturais.

Ser diferente é normal

Vimos no capítulo sobre cultura que nossas sociedades são multiculturais, ou seja, temos a presença de diferentes grupos culturais numa mesma sociedade, estejamos nos referindo à cidade ou à nação. Entretanto, ter a consciência dessa realidade nos faz ficar atentos a fatos concretos que dizem respeito aos diversos interesses de grupos e pessoas.

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LEGENDA: O direito à diferença também significa não aceitar ser tratado com inferioridade na sociedade comandada pelos "homens brancos". Na foto, índios protestando contra a opressão dos brancos.

FONTE: Diego Felipe

Queremos dizer com isso que quando uma pessoa ou grupo considera normal ou natural uma situação ou ideia, muitas vezes essa normalidade ou naturalidade se expressa como relação de poder, desigualdade ou opressão.

Para a Sociologia, falar em sociedade não significa descrevê-la simplesmente de forma homogênea. Quando fazemos uma análise das sociedades, identificamos de imediato a existência de desigualdades sociais e diferenças entre grupos e pessoas. As desigualdades são fabricadas pelas relações sociais, econômicas, culturais e políticas. Geralmente, as classes ou camadas superiores das sociedades são as mesmas, tanto sob o ponto de vista cultural ou político. O que estamos querendo dizer é que as classes sociais ou camadas superiores das sociedades são as mesmas em termos de manutenção do poder político e dos privilégios sociais e econômicos, reproduzindo sua dominação através da cultura e da disseminação de certa visão de mundo. Porém, devemos chamar a atenção para não confundirmos desigualdade social com diferenças sociais e culturais dos indivíduos, grupos e sociedades.

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Boxe complementar:

As desigualdades sociais são definidas a partir das condições sociais e econômicas de determinados grupos. Isto é, há grupos que possuem mais riquezas do que outros e maior acesso a determinados serviços, gerando uma sociedade desigual, na qual poucos possuem muitas riquezas e bens materiais e muitos possuem pouca ou nenhuma riqueza material.

A diferença social e cultural, por outro lado, significa que os indivíduos ou grupos são apenas diferentes e não superiores e inferiores. O indivíduo originário do continente africano é diferente do chinês ou do europeu; a mulher é diferente do homem; o heterossexual é diferente do homossexual; o adepto ao candomblé cultua uma religião diferente da do evangélico; as pessoas com deficiências são diferentes daqueles que não possuem necessidades educacionais especiais, e assim por diante. Essas características dos seres humanos não significam superioridade ou inferioridade de uns sobre outros.

Fim do complemento.

Nas sociedades onde existem muitas diferenças sociais e culturais - como é o caso da nossa -, estas podem se transformar em fatores de desigualdades. Isto quer dizer que os "outros", que muitas vezes não são considerados "normais", aparecem como "entidades ameaçadoras". Daí, surgirem comportamentos e atitudes de discriminação, preconceitos, racismos, machismos, homofobia etc. Na forma física, afetiva e ideológica, os que se consideram "normais" evitam contatos e criam seus próprios mundos, excluindo os que são considerados como "diferentes". Por isso, a consciência do caráter multicultural de uma sociedade não leva necessariamente ao desenvolvimento de uma relação social de trocas e relações entre as culturas - o chamado interculturalismo.

Em 2007, no enredo e na letra do sambaenredo da Escola de Samba Império Serrano, do Rio de Janeiro, cantava-se: Quem nasceu diferente, e venceu preconceito, a gente tem que admirar. Este samba fala dos portadores de necessidades especiais, porém podemos ampliar esta ideia de que todas as diferenças são normais. Entretanto, se ser diferente é normal, lidar com a diferença é difícil em função das relações de poder entre as pessoas e grupos. Vamos ver qual a razão e como isto acontece nas sociedades.

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FONTE: Carlos Ruas

O etnocentrismo

Por que as diferenças sociais e culturais são, para muitas pessoas, sinônimo de desigualdades? No senso comum, por exemplo, o nordestino na maioria das vezes é associado ao analfabetismo, à ignorância etc. Negros e índios são associados a marginais ou selvagens. Mulheres são consideradas inferiores. Homossexuais, pessoas que apresentam anomalias "mentais" e "morais".

Podemos dizer que essas ideias representam visões etnocêntricas de mundo. Mas, o que significa mesmo o termo "etnocentrismo"?

Bem, etimologicamente, "etno" deriva do grego "ethnos" e se refere à etnia, raça, povo, clã. Assim, "etnocentrismo" significa considerar a sua etnia como o centro ou o eixo de tudo, a base que serve de referência ou o ponto de vista de onde se deve olhar e avaliar o mundo ao redor.

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Estendendo essa definição, podemos entender o etnocentrismo como uma tendência a considerar apenas os valores da própria cultura ao analisar as demais. Isto significa dizer que as visões de um determinado grupo - política, econômica e socialmente dominante em uma dada sociedade - são consideradas como o centro e a referência de tudo. Tudo - inclusive outros grupos e indivíduos - é pensado e sentido através dos valores, modelos e definições segundo o grupo dominante, que seria a própria "representação" da existência humana.

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LEGENDA: Todos somos diferentes, temos escolhas e características biológicas e sociais diferentes. Reconhecer estas diferenças não deveria significar desigualdades em direitos ou de alguma forma de discriminação.

FONTE: Image Source/Shannon Fagan

Quando duas culturas se encontram, pode ocorrer um choque cultural, ou seja, de repente surge um "outro", ou o grupo "diferente" que, quase sempre, não age como o grupo dominante - ou, quando age, é considerado estranho. Enfim, esse "diferente" é ameaçador porque pode ferir (afetar de alguma forma) a nossa identidade cultural. Então, se pertencemos ao grupo que apresenta os padrões culturais considerados como "corretos", "naturais", não aceitamos que outro grupo tenha hábitos que julgamos "estranhos". Assim o grupo do "eu" faz da sua visão a única possível - ou, mais discretamente, "a melhor", "a natural", "a superior", "a certa".

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FONTE: Carlos Ruas

Em poucas situações, a atitude etnocêntrica passa por um julgamento simples do valor da cultura do outro, nos termos da nossa própria cultura, sem consequências mais sérias. Mas, na maioria das vezes, a História da humanidade é repleta de exemplos onde o etnocentrismo implica um julgamento do outro, na sua forma mais violenta. Por exemplo, julgar um povo - como os indígenas ou os africanos - de primitivo ou bárbaro, pode significar, socialmente e politicamente, como "algo a ser destruído" ou como empecilho ao "desenvolvimento econômico" das nações.

O etnocentrismo formula representações e imagens distorcidas sobre aquele que entendemos como "diferente" de nós, sendo representações sempre manipuláveis como bem entendemos. Além disso, no fundo, transforma a diferença pura e simples num juízo de valor, perigosamente prejudicial à humanidade.

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Etnocentrismo - termo criado em 1906 pelo sociólogo americano William Graham Summer (1840-1910) -, portanto, é a base explicativa sociológica e antropologicamente dos preconceitos, discriminações, racismos, homofobia, sexismo e estereótipos sobre os mais variados grupos, considerados diferentes em comparação a um determinado padrão.

Esclarecido isso, podemos refletir sobre a nossa própria história: como sabemos, nossas sociedades ocidentais americanas são herdeiras diretas da tradição europeia, branca e cristã, que foi trazida pelos colonizadores e que predominou sobre outras culturas que existiam anteriormente nas Américas.

Sabendo disso, perguntamos: como se deu esse processo de conquista, não somente sob o ponto de vista social e cultural, mas sob a perspectiva da visão de mundo desses colonizadores europeus? Será que o desejo de riqueza não veio aliado a uma crença num estilo de vida que excluiu as diferenças sociais e culturais?

Se pensarmos em termos de História do Brasil, podemos verificar que nossa formação nacional foi marcada pela eliminação física do "diferente" (indígenas) ou por sua escravização (africanos). Da mesma forma, foi forjada uma verdadeira negação do "outro", também no que diz respeito aos seus pensamentos, suas ideias e seus mais variados comportamentos.

Por exemplo, até algum tempo atrás, na maioria dos livros didáticos de História, encontrávamos a ideia distorcida de que os índios andavam nus, à época da chegada dos portugueses. Ora, esse "escândalo exótico" esconde, na verdade, a nossa noção particular do que deve ser uma roupa e o que, no corpo, deve-se mostrar ou esconder.

A mesma ideia se expressa quando se diz que os povos indígenas cultuam deuses em formas de espíritos ancestrais, animais, árvores etc., ou seja, eles eram animistas, com superstições sem sentido. Aqui se esconde a visão de que só os ocidentais é que têm o deus ou deuses certos e os "selvagens" não. Perguntamos: o que diriam muitos indígenas na Amazônia se soubessem que nossas indústrias madeireiras derrubam milhões de árvores para fazer papel, e que grande parte desse papel é jogado no lixo? E mais: o que diriam eles, sabendo que a derrubada de árvores provoca um desequilíbrio ecológico ameaçador para a própria existência humana? Deste ponto de vista, não seríamos nós os "selvagens", fazendo coisas sem sentido?

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LEGENDA: Um exemplo de visão etnocêntrica: em pleno século XXI, filmes ainda exibem a África e seus povos como selvagens e primitivos.

FONTE: Morgan Creek Productions/Tom Shadyac




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As trocas e os diálogos culturais

A notícia sobre o casal que se beijou em Dubai demonstra que mais do que reivindicar um direito de igualdade, é necessário lutar pelo reconhecimento das diferenças. Se a diferença é normal, é necessário lutar para a garantia daquilo que chamamos de interculturalidade ou relações sociais interculturais.

Relação intercultural significa a valorização, a interação e a comunicação recíprocas entre os diferentes sujeitos e grupos culturais. A interculturalidade é a ideia que tem por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. É tentar promover relações de diálogo e relações igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a culturas diferentes, sem perder de vista a crítica às relações desiguais de poder entre grupos e pessoas.

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Nas palavras de Catherine Walsh, pedagoga americana e professora da Universidade Andina Simon Bolívar, no Equador, a interculturalidade é:

Boxe complementar:

Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade; um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença; um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados; uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade; e uma meta a alcançar.

(WALSH, 2001, p.10-11)

Fim do complemento.

Na sociedade brasileira ainda há muita dificuldade em reconhecer e promover o diálogo e a troca entre diferentes grupos, pois ainda ocorrem muitos casos de violência contra os homossexuais, atitudes e comportamentos de rejeição a pessoas com deficiências, violência contra as mulheres e negros etc. O simples fato de ser diferente, sob diversos aspectos, dificulta que certos indivíduos tenham acesso a bens, a oportunidades de trabalho e até mesmo de frequentarem certos espaços.

Nestas poucas palavras, você consegue perceber que a interculturalidade pode ser o oposto do etnocentrismo?

O que diferencia o ser humano dos outros seres é sua capacidade de dar respostas aos diversos desafios que a realidade impõe. Mas, essa preocupação com a realidade e esse agir no mundo não se dão de maneira isolada. É na relação entre homens e mulheres e destes e destas com o mundo que uma nova realidade se constrói e novos homens e mulheres se fazem. Criando cultura. Fazendo história. E essas culturas e histórias sempre se relacionam entre si. Por isso, as diferenças sociais e culturais, que são os aspectos mais humanos que existem entre as pessoas e as sociedades, podem se expressar através do etnocentrismo ou das relações interculturais.

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LEGENDA: Índios e brancos juntos: como exercer o interculturalismo? Na foto, índios pataxós comemoram a condenação dos jovens acusados pela morte do índio Galdino Jesus dos Santos e saúdam o promotor pela sua atuação no caso.

FONTE: Alan Marques/Folhapress

Fechamos esta reflexão com um chamado do sociólogo Boaventura de Sousa Santos para refletirmos sobre as diferenças culturais e as desigualdades sociais: "temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza" (1995, p.7).

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FONTE: Vanderlei Sadrack

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Educação Física

Educação Física: desenvolvimento de habilidades físicas ou o conhecimento da "cultura corporal do movimento"?

Adriana Penna

Desde a sua inserção nas primeiras formações sociais, o ser humano buscou na natureza os meios para a sua sobrevivência. Para se constituir como tal, o homem sempre precisou transformar a natureza para a satisfação de suas necessidades, criando padrões de movimento, de pensamento e de ação condicionados às circunstâncias impostas por cada período histórico. Já neste ponto, então, podemos afirmar que os seres humanos não nasceram andando, correndo, pulando, nadando etc., de forma natural e mecânica. Ao contrário, as atividades humanas se constituem pelas condições criadas por relações sociais determinadas historicamente.

Deste modo, a relação homem/natureza compõe uma unidade que é mantida sob uma relação de dependência e de conflito. Verifica-se assim a permanente criação e recriação da natureza e da humanidade no processo histórico de constituição das sociedades e de sua cultura. De acordo com Karl Marx (1818-1883), esta integração homem/natureza compreende uma relação exclusivamente humana denominada "trabalho". Esta é a atividade criadora e fundante do ser social.

Pode-se perceber então que o ser humano é, ao mesmo tempo, produto e produtor da sociedade na qual está inserido e de sua cultura. No entanto, submetido às condições do mundo capitalista, grande parte da humanidade passou de sujeito da História à simples peça desta engrenagem social que aliena o homem e a natureza, simultaneamente. O mundo do trabalho capitalista - ou seja, as condições de emprego criadas pelo modo de produção capitalista - passou a dominar tanto o meio ambiente, quanto a vida do trabalhador, utilizando a natureza e o ser humano com se fossem peças descartáveis. Por este motivo, estratégias são constantemente criadas, submetendo o tempo, os movimentos e os pensamentos do trabalhador às demandas de manutenção da sociabilidade capitalista.

Com base nas considerações acima, convidamos você a pensar sobre a Educação Física como uma prática social e pedagógica e que, como tal, deve privilegiar na escola conteúdos, temas e atividades que integram a "cultura corporal do movimento", tais como as danças, as lutas, os esportes, os jogos etc. Tais conteúdos têm a propriedade de promover o entendimento do corpo físico e do corpo social, integrando-os à totalidade das relações sociais e explicando a expressão da sua cultura.

Nesta perspectiva, buscamos explicar de forma histórica a objetividade do corpo e de seus movimentos. Entendida sob esta perspectiva, a Educação Física se contrapõe àquela visão que ainda hoje a vincula à concepção técnica, tendo relação direta com o desenvolvimento de aptidões físicas e com a preparação do futuro trabalhador para o mundo do trabalho alienado. Tal concepção tem criado no espaço escolar uma ideia de Educação Física como mera execução de exercícios físicos desconectados de uma reflexão sobre o fazer corporal e sua função na sociedade.

E então, o que você acha a respeito do que escrevemos? Até que ponto a prática da Educação Física em nossas escolas não significa a imposição de um determinado padrão cultural relativo ao "corpo em movimento", de acordo com certa definição de "normalidade" presente na sociedade, e, juntamente com isso, a exclusão do diferente, daquele que não se encaixa em um determinado padrão estético? Pense a respeito.

Adriana Machado Penna é professora da Universidade Federal Fluminense. Graduada em Educação Física pela UFRJ, Mestre em Educação pela UFF e Doutora em Serviço Social pela UERJ.

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Interatividade

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Reve

ndo o capítulo

1 - Diferencie os termos desigualdade social e diferenças sociais e culturais.

2 - O que significa etnocentrismo?

3 - O que significa interculturalidade?

Dialogando com a turma

1 - Faça uma pesquisa sobre músicas que fazem referência às diferenças culturais existentes no Brasil. Apresente o resultado do seu trabalho para a turma.

2- Debata com a sua turma a reflexão do sociólogo Boaventura de Sousa Santos: "temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza".

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2002)

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FONTE: King Features Syndicate/Ipress

De acordo com a história em quadrinhos protagonizada por Hagar e seu filho Hamlet, pode-se afirmar que a postura de Hagar:

(A) valoriza a existência da diversidade social e de culturas, e as várias representações e explicações desse universo.

(B) desvaloriza a existência da diversidade social e as várias culturas, e determina uma única explicação para esse universo.

(C) valoriza a possibilidade de explicar as sociedades e as culturas a partir de várias visões de mundo.

(D) valoriza a pluralidade cultural e social ao aproximar a visão de mundo de navegantes e não-navegantes.

(E) desvaloriza a pluralidade cultural e social, ao considerar o mundo habitado apenas pelos navegantes.

2 - (ENEM, 2010)

Chegança

Sou Pataxó,

Sou Xavante e Carriri,

Ianomâni, sou Tupi

Sou Pancaruru,

Carijó,Tupinajé,

Sou Potiguar, sou Caeté

Ful-ni-ô Tupinambá.

Eu atraquei num porto seguro,

Céu azul, paz e ar puro...

Botei as pernas pro ar.

Logo sonhei que estava no paraíso

Onde nem era preciso dormir para sonhar.

Mas de repente me acordei com a surpresa:

Uma esquadra portuguesa veio na praia atracar.

De grande-nau,

Um branco de barba escura,

Vestindo uma armadura me apontou para me pegar.

E assustado dei um pulo da rede,

Pressenti a fome, a sede,

Eu pensei: "vão me acabar".

Levantei-me de Borduna já na mão.

Aí, senti no coração,

O Brasil vai começar.

NÓBREGA, A; FREIRE,W. CD

Pernambuco falando para o mundo, 1998.

A letra da canção apresenta um tema recorrente da história da colonização brasileira, as relações de poder entre os portugueses e povos nativos, e representa uma crítica à ideia presente no mito:

(A) da democracia racial, originado das relações cordiais estabelecidas entre portugueses e nativos no período anterior ao início da colonização brasileira.

(B) da cordialidade brasileira, advinda da forma como os povos nativos se associaram economicamente aos portugueses, participando dos negócios coloniais açucareiros.

(C) do brasileiro receptivo, oriundo da facilidade com que os nativos brasileiros aceitaram as regras impostas pelo colonizador, o que garantiu o sucesso da colonização.

(D) da natural miscigenação, resultante da forma como a metrópole incentivou a união entre colonos, ex-escravas e nativas para estabelecer o povoamento da colônia.

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(E) do encontro, que identifica a colonização portuguesa como pacífica em função das relações de troca estabelecidas nos primeiros contatos entre portugueses e nativos.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. O livro indicado foi editado para a coleção "Primeiros Passos", voltada exatamente para os jovens que começaram a se interessar pelos estudos sociológicos e antropológicos.

UNESCO. Declaração Universal sobre Diversidade Cultural. XXXI Conferência Geral. Paris, 2001.

Documento que apresenta os resultados da Conferência da UNESCO, trazendo várias conclusões e recomendações de políticas que deveriam ser aplicadas pelos países membros da Organização das Nações Unidas - ONU.

FILMES

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OS DEUSES DEVEM ESTAR LOUCOS (The Gods Must Be Crazy, Botsuana/África do Sul, 1980). Direção: Jamie Uys. Elenco: Marius Weyers e Michael Thys. Duração: 108 min.

Uma comédia que trata do choque entre culturas a partir da queda de uma garrafa de Coca-Cola numa tribo de nativos africanos.

PRECIOSA, UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA (Precious: Based on the Novel "Push" by Sapphire, EUA, 2009). Direção: Lee Daniels. Elenco: Gabourey Sidibe, Mo'Nique. Duração: 110 min.

Claireece "Preciosa" Jones é uma adolescente de 16 anos que vive no Harlem, bairro de Nova York, e sofre uma série de privações durante sua juventude. Além disto, ela tem um filho portador de síndrome de Down. Quando engravida pela segunda vez, é suspensa da escola, mas, com a ajuda de uma amiga, consegue se matricular numa escola alternativa.

INTERNET

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DIVERSIDADE HUMANA - Projeto GhENTE - FIOCRUZ: http://goo.gl/qsw2zw

Segundo o site, "o Projeto GhENTE é um espaço de informação e de debate social, que reúne pensadores das ciências biológicas, sociais e humanas para discutir as implicações das modernas biotecnologias na área da saúde. A página específica que estamos indicando foi organizada pela pesquisadora da ENSP/ FIOCRUZ Cibele Verani e apresenta reflexões e referências bibliográficas importantes sobre o tema DIVERSIDADE. Acesso: janeiro/2016.

CULTURA E ETNOCENTRISMO

http://goo.gl/Xk2M0z

Blog de História que apresenta dois vídeos: um sobre o conceito de etnocentrismo e outro sobre o conceito de cultura. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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GENI E O ZEPELIM - Autor: Chico Buarque. Intérpretes: Chico Buarque e Letícia Sabatella.

Geni era "diferente" e repudiada pelos habitantes da cidade. Até o dia em que ela se torna a única capaz de salvar todos da morte e a cidade da destruição.

SER DIFERENTE É NORMAL: O IMPÉRIO SERRANO FAZ A DIFERENÇA NO CARNAVAL

- Autores: Arlindo Cruz, Maurição, Aloísio Machado, Carlos Senna, João Bosco. Intérpretes: Nêgo e G. R. E. S. Império Serrano - Samba-enredo do Carnaval do Rio de Janeiro, 2007.

A letra do samba pergunta "diferença social para quê?". E responde: "tá na cara que a beleza está nos olhos de quem vê".

FILME DESTAQUE

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DISTRITO 9 (District 9)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Neill Blomkamp

Elenco: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt.

Duração: 108 min.

(EUA, Nova Zelândia, 2009)

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FONTE: TriStar Pictures/ Neill Bomkamp

SINOPSE:

Com o enguiço da sua nave, extraterrestres se refugiam numa favela de Johanesburgo, na África do Sul, o Distrito 9. Ao serem descobertos, provocam a reação do governo, que contrata uma empresa para controlar os alienígenas e mantê-los em campos de concentração.

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Aprendendo com jogos

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Aritana e a Pena da Harpia

(Duaik, 2014)

FAÇA A DIFERENÇA!

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FONTE: Divulgação/ Duaik

Um jovem índio deixa sua aldeia em busca de um artefato mágico, a pena da Harpia (também conhecido como Gavião Real). Tal artefato é única forma de salvar o cacique do seu povo, que está doente. Você deve assumir o lugar de Aritana, superar os perigos e desafios e enfrentar os espíritos da floresta e o temível mapinguari para salvar o cacique.

Como jogar:

1. Acesse a versão demo do jogo ("Baixar demonstração") em http://goo.gl/AtsNej

2. Explore o game, e, com base em sua experiência, utilize os conhecimentos adquiridos no capítulo para analisar os elementos do game. Escreva uma redação breve relacionando o capítulo com o jogo.

3. Faça uma pesquisa com o apoio do livro didático e procure observar como ele fala sobre os índios.

4. Uma vez compreendida a razão do 19 de Abril, pesquise como populações indígenas veem a data. Organize-se em grupos para um debate sobre as respostas encontradas.

5. Observem letras de música (de grupos de rap, por exemplo, como Bro Mcs e a música Eju Orendive) e façam uma pesquisa de suas palavras desconhecidas.

6. Produzam, ainda os mesmos grupos, desenhos sobre a visão dessas letras sobre os indígenas. Analisem os estereótipos visuais que podem surgir da representação dessas letras.

7. Comparem seus resultados com os demais grupos e reflitam com os seus colegas de sala.

Bonecas e bonecos

RESPEITE O DIFERENTE.

O jogo tem como objetivo a desconstrução de estigmas. A sociabilidade entre os indivíduos é o ponto principal e você está convidado a enxergar as pessoas com as quais "comumente" não se relacionaria.

Como jogar:

1. Bonecas e bonecos circularão entre todos os seus colegas de classe, organizados em um círculo. Você deve fazer alguma coisa com a (o) boneca(o). Um após outro chegará a suas mãos e você deve fazer algo com cada um deles. Assim como todos os seus colegas.

2. Depois de todos os colegas observarem os bonecos e fizerem algo com eles, cada um deverá comentar o que a experiência significou para si, se gostou ou não gostou da experiência e por qual motivo.

3. Analise junto com os seus colegas a "caracterização" possivelmente estereotipada desses bonecos e o que permitiu que fossem identificados como sendo um tipo ou outro.

4. Reflita junto com os seus colegas sobre as diferenças entre gênero, sexualidade e sexo biológico. Reflita sobre a violência decorrente da intolerância e do ódio fundado em preconceito e a necessidade de respeito a todos os sujeitos como questão de justiça e de igualdade política.

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Capítulo 7 - "A matrix está em toda parte...": ideologia e visões de mundo

O que será que anda na cabeça de nossa gente?

Nossa vida cotidiana é recheada de ideias, valores, concepções sobre determinados temas e fatos, e estes orientam nossas atitudes e comportamentos. Vejamos exemplos tirados das páginas de alguns jornais e revistas de grande circulação nacional, nos quais se publicam frases de e sobre pessoas famosas, e às quais retornaremos ao final deste capítulo:

Boxe complementar:

"Por que as pessoas entram na faculdade? Para arrumar um emprego. Eu já tenho um trabalho." (Avril Lavigne, cantora pop canadense, explicando por que não quer fazer graduação, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 12 de setembro de 2005).

"Mussolini nunca mandou matar ninguém. Mandava as pessoas passar férias no exílio". (Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro da Itália, ao descrever o ditador fascista Benito Mussolini. Revista Época em 15 de setembro de 2003).

"Só não vou te estuprar porque você não merece". (Jair Bolsonaro, deputado federal, dirigindo-se a Maria do Rosário, também deputada federal, em 09 de dezembro de 2014).

"Estão enviando gente que tem muitos problemas, estão nos enviando seus problemas, trazem drogas, são estupradores e suponho que alguns até podem ser boa gente, mas eu falo com agentes da fronteira e me contam a verdade". (Donald Trump, multimilionário norte-americano, ao se referir ao México e ao povo mexicano no discurso em que anunciou sua candidatura à presidência dos EUA, em 16 de junho de 2015).

"Precisamos de um ator jovem, na faixa dos 20/25 anos, muito bonito. A direção gostaria que ele fosse negro, então o ideal seria ter um ator negro e muito bonito, mas conscientes do grau de dificuldade, faremos teste também com os bons atores, lindos, que não sejam negros." (Anúncio da agência +Add Casting, contratada pela Boutique Filmes para a série de ficção "3%", da Netflix - Outubro de 2015).

"[...] calorias que "deveriam" ser ingeridas para alcançar o corpo perfeito: 800, 1.000 calorias diariamente. [...] no gueto de Lodz, em 1941, em pleno nazismo, os judeus se alimentavam de rações que tinham de 500 a 1.200 calorias por dia". (Ana Luísa Fernandes e Priscila Bellinio, em reportagem sobre a ditadura da estética da magreza, citando o livro O Mito da Beleza, de Naomi Wolf. Revista Superinteressante - 08 de julho de 2015).

Fim do complemento.

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FONTE: Dalcio/Correio popular

Estas e outras centenas de frases, que podemos ler toda semana em diversos veículos de comunicação, vêm carregadas de ideias sobre a sociedade, a realidade do mundo e as relações sociais entre os indivíduos. O que eles dizem pode estar na própria frase ou por trás dela. Podem ser metáforas, expressar preconceitos, valores ou um conjunto de ideias sobre determinado assunto. O que vamos estudar aqui é justamente esse conjunto de ideias que chamamos de ideologia.

Marilena Chauí assim define a ideologia:

Boxe complementar:

É um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo, de representações e práticas (normas, regras e preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador (...).

(1980, p. 113)

Fim do complemento.

É claro que, além desta, encontramos ao longo da história da Sociologia mais algumas definições de ideologia.

O conceito de ideologia foi, literalmente, inventado por um filósofo francês chamado Destutt de Tracy, que escreveu, em 1801, o livro Elementos da Ideologia. É um tratado enorme que, hoje, quase ninguém mais lê. Segundo este filósofo, a ideologia seria o estudo científico das ideias e as ideias são o resultado da interação de um indivíduo com seu meio ambiente.

Alguns anos depois, em 1812, Tracy e seus seguidores entraram em conflito com Napoleão, que os chamou de "ideólogos", no sentido bem pejorativo da palavra, ou seja, como pessoas que fazem abstração da realidade e que vivem especulando sobre o mundo. Como Napoleão era a pessoa mais importante na França daquela época, este sentido da ideologia ficou bastante popular.

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LEGENDA: Napoleão Bonaparte, no século XIX, se referiu a um grupo de filósofos franceses como "ideólogos", ou seja, pessoas que viviam especulando sobre o mundo. Quadro: Napoleão atravessando os Alpes (c.1800) de Jacques Louis David.

FONTE: Coleção Château de Malmaison, Rueil-Malmaison, França

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Em 1846, Karl Marx dá outro sentido para o termo ideologia. Para ele - e Friedrich Engels, com quem escreveu a respeito desse tema -, falar em ideologia significa se referir às "falsas representações" que os homens apresentam sobre o mundo que os cerca. Dizendo ainda de outra forma, Marx e Engels afirmaram que, diante da tentativa dos homens de explicar a realidade, é necessário considerar as formas de conhecimento ilusório que levam ao mascaramento dos conflitos sociais (cf. MARX; ENGELS, 1979). Segundo Marx e Engels, portanto, a ideologia adquire um sentido como instrumento de dominação de uma classe social sobre outra ou de um grupo social sobre outro. Ideologia seria também uma falsa consciência da realidade.

Um dos seguidores das ideias de Marx, o revolucionário russo Vladimir Ilitch Uliânov, o Lênin, deu outro sentido para o termo ideologia. Segundo ele, ideologia era qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses das classes sociais, ou seja, cada classe social teria a sua própria ideologia (cf. LÊNIN, 2006).

Assim, como podemos ver, ao longo do tempo, a palavra vai mudando de sentido.

Nos anos de 1920, outro significado surge para o termo, segundo a reflexão do filósofo italiano Antonio Gramsci. Ele tinha uma concepção bastante interessante quando dizia que as ideologias "(...) organizam as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc." (GRAMSCI, 1989, p. 62-63).

Para Gramsci, o conceito de ideologia significa também uma concepção de mundo manifestando-se implicitamente na Arte, no Direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida. E, de acordo com o pensador italiano, tal conceito tem por função conservar a unidade de toda a sociedade e dos grupos.

Por fim, o sociólogo alemão Karl Mannheim apresentou um novo sentido para o termo ideologia com a sua obra Ideologia e utopia, publicada em 1929.

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LEGENDA: Segundo Antonio Gramsci (1891 - 1937), o conceito de ideologia significa também uma concepção de mundo.

FONTE: Leemage/Other Images

Mannheim, primeiro, fez uma distinção entre os termos ideologia e utopia. Ideologia seria um conjunto de concepções, ideias e teorias que orientam os indivíduos para estabilizar, legitimar ou reproduzir a ordem das relações sociais dos homens. Ou seja, todas aquelas ideias, concepções ou teorias que têm um caráter de conservação da realidade social. Utopia seria o contrário, ou seja, ideias, concepções ou teorias que aspiram à construção de outra realidade social, que ainda não existe. Mas, Mannheim traz outra classificação para o termo ideologia: a ideologia total e a ideologia estrita. Ideologia total seria o conjunto de formas de pensar, estilos de pensamento, pontos de vista, que representam interesses de grupos ou classes. A ideologia estrita é a forma conservadora que a ideologia total pode se tornar (cf. MANNHEIM, 1976).

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FONTE: Alexandre Beck

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Vamos utilizar uma interpretação da filósofa brasileira, Marilena Chauí (1980), para explicar, em outras palavras, o conceito de ideologia e ver como ele pode ser um instrumento de imaginação sociológica. Através de algumas características da ideologia como fenômeno social e do estudo de exemplos concretos, podemos descrever sua importância para entendermos melhor, em nossa vida cotidiana, como a ideologia opera e funciona.

No quadro a seguir, temos uma breve síntese da ideologia. Converse com seus colegas e com o(a) professor(a) e tente encontrar outros exemplos de acordo com as características da primeira coluna.

Quadro: equivalente textual a seguir.


IDEOLOGIA
Característica O que faz Exemplo
Prescrição de normas Orienta as ações humanas. Modela os interesses humanos. Diz o que se deve fazer, pensar ou expressar. A ideia de monogamia, nas sociedades ocidentais, faz com que homens e mulheres a considerem como a única forma possível de relação existente no mundo.
Representação da realidade Dá sentido à realidade humana. Utiliza-se de símbolos e da criação mental. O conceito pátria ou o sentimento patriótico.
Generalização do particular Trata o específico como exemplo de um fenômeno geral. Todos os alunos de uma turma são iguais.
Inversão da realidade Esconde as reais causas de um fenômeno. O MST não luta pela reforma agrária, mas sim invade terras produtivas.
Naturalização das ações humanas Torna normal e natural aquilo que é histórico e contingente. A desigualdade entre os homens e mulheres é normal. Por isso estas podem ser tratadas de forma inferiorizada.
Reificação da realidade As coisas aparecem com vida própria, ou seja, coisas inertes ganham aspectos naturais, não construídas pelos homens. Os salários não expressam relações desiguais de trabalho.



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Na escola todos falam a mesma língua?

No mundo da escola existem pensamentos e sentimentos que, sem percebermos, podem ser caracterizados como ideológicos. Eles podem ser expressos por professores, alunos, funcionários, responsáveis e por diretores ou mesmo podem ser trazidos de fora da escola por esses "atores".

Vejamos alguns pensamentos e frases recorrentes no cotidiano da escola:

"A melhor prova de que Deus é homem é que se ele fosse mulher não faria a Terra, o Sol, o Universo... Ficaria apenas sentado dando palpites."

"A função do professor é ensinar, a do aluno é aprender, e só."

"Professor não pode falar de política em sala de aula."

"A escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem as coisas da vida."

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Todas essas frases expressam pensamentos e ideias disseminadas não só na escola, mas em toda a sociedade. Essas frases, como vimos nas características da ideologia, prescrevem normas, representam a realidade e generalizam o particular, além de inverter a realidade, naturalizar e ocultar os fatos.

Na frase, por exemplo, A melhor prova de que Deus é homem é que se ele fosse mulher não faria a Terra, o Sol, o Universo... Ficaria apenas sentado dando palpites - tenta-se naturalizar e generalizar uma determinada condição de inferioridade da mulher.

Prescrever normas é elaborar, repetir e manter a ordem "normal" das coisas. Por isso, dizer que A função do professor é ensinar e a do aluno é aprender, e só, é ignorar que o docente, além de ensinar, pode sim fazer política, reivindicar melhores condições de trabalho. Da mesma forma, o estudante também tem o direito de lutar por melhores condições para o seu aprendizado na escola, ou seja, assim como o professor, ele também pode falar e fazer política. Isto pode significar, necessariamente, se organizar e lutar por melhorias na infraestrutura do espaço escolar, que envolvem desde a exigência de que as carteiras não estejam quebradas, que o telhado não tenha goteiras e que seja oferecida uma refeição de qualidade, até salas de aula refrigeradas, bibliotecas com um bom acervo, computadores com acesso a internet, distribuição de livros didáticos, etc. Não fazer isso - como prescreve a frase citada - é, sim, legitimar, na escola, as condições de desigualdades presentes na sociedade como um todo.

No último pensamento - A escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem as coisas da vida -, tenta-se ocultar o fato de que a escola, com sua suposta aura democrática, de se apresentar como "igual para todos", pode contribuir para reproduzir as desigualdades sociais presentes na sociedade. Como isso ocorre? Vejamos.

Alunos com condições diversas de acesso à cultura, ao lazer, aos meios de comunicação têm tendência a obter mais informações e maior formação fora da escola e um desempenho melhor nas aulas. Por exemplo, se um aluno tem como recurso extraclasse apenas a televisão, enquanto outro tem a oportunidade de frequentar museus, bibliotecas, teatros, comprar mais revistas, viajar para diversos lugares etc., é natural que este último assimile mais os conteúdos das aulas de Português, Literatura, História, Geografia, Filosofia e Sociologia, do que o primeiro, que apenas vê a televisão. Neste sentido, quando a instituição escolar trata todos igualmente - ou melhor, quando usa um padrão de linguagem e ensino que está mais próximo daquele que tem maior acesso aos diversos bens culturais - ela acaba por reproduzir ainda mais o aprofundamento das desigualdades.

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LEGENDA: Aula-debate - A escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem sobre as coisas da vida?

FONTE: Ricardo Costa

A reflexão apresentada no parágrafo anterior é uma das conclusões de um importante sociólogo que se dedicou, entre outros temas, a estudar a educação na sociedade capitalista. O francês Pierre Bourdieu (1930-2002) elaborou o conceito de capital cultural para explicar a desigualdade de desempenho entre os estudantes, de acordo com a sua classe social de origem. Em relação ao papel da escola no sentido da manutenção e aprofundamento das desigualdades, Bourdieu, em parceria com o pensador, Jean-Claude Passeron, escreveu em 1970 uma obra que se tornou referência nos estudos da Sociologia sobre a educação, intitulada A reprodução : elementos para uma teoria do sistema de ensino (1975).

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Nela, Bourdieu e Passeron, ao analisar o sistema educacional francês, demonstraram sociologicamente o papel assumido pela escola no sentido de reproduzir ideologicamente as desigualdades sociais existentes, cumprindo com o seu papel conservador da ordem vigente.

Mas, mesmo sem ter fugido do assunto, voltemos ao foco central da nossa exposição, o conceito de ideologia. Vocês devem concordar que a ideologia, assim estudada, pode ser tornar de fácil compreensão. Na verdade, porém, apesar dela estar presente no nosso cotidiano o tempo inteiro, não é percebida dessa forma como estamos apresentando pela grande maioria das pessoas. O que tentamos fazer aqui - uma reflexão sobre como os homens elaboram ideias sobre este mundo e sobre suas relações com outros homens - não é percebido com facilidade no senso comum. Por este motivo, vamos continuar este nosso esforço de reflexão para mostrar a importância do estudo da ideologia, mas agora recorrendo a um filme bastante interessante e que se tornou uma referência no gênero da ficção científica.

A matrix nossa de cada dia

Na virada do século, a trilogia inaugurada com o filme The Matrix fez muito sucesso entre os jovens. Vamos aproveitar a história do primeiro filme para explicar e exemplificar um pouco mais a questão da ideologia no nosso cotidiano.

Num dos diálogos de Matrix, Morpheus questiona Neo:

- Você já teve um sonho, Neo, em que você estava tão certo de que era real? E se você fosse incapaz de acordar desse sonho? Como saberia a diferença entre o mundo do sonho e o real?

A série Matrix, repleta de superefeitos especiais, é uma magnífica aventura cibernética em que a Terra é totalmente dominada por máquinas dotadas de inteligência artificial, que passam a ter controle sobre a humanidade. Os homens e todo o mundo não passam de um software, um programa de computador, uma mera ilusão.

Em outro diálogo entre Morpheus e Neo, este procura a verdade:

Neo: - O que é Matrix?

Morpheus: - Você quer saber o que é Matrix? Matrix está em toda parte [...] é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade.

Neo: - Que verdade?

Morpheus: - Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu em cativeiro. Nasceu em uma prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente.

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LEGENDA: "Você já teve um sonho em que você estava tão certo de que era real?" (Cena do filme Matrix).

FONTE: Warnner Bros. Pictures/ Andy and Lana Warchowski

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Depois de estudar o conceito de ideologia, podemos afirmar que vivemos numa matrix? Será que vivemos numa ilusão, como diria Marx? Que tudo é um faz de conta? E que essa ilusão nos aparece como real? Além disso, será que existe alguém que controla a matrix e tem em mãos a programação de nossas vidas?

Quando nascemos, recebemos ideias já pré-concebidas pelos nossos pais, pela escola, pelas instituições religiosas etc. É quase impossível contestar certas ideias ou conjunto de ideias. Se fizermos uma analogia de Matrix com a ideologia, veremos que há muitas semelhanças. Mas, vamos devagar!

Muitas vezes, em nossa vida, achamos que os pobres são burros e ignorantes. Que as mulheres são menos inteligentes. Que os negros são inferiores e vieram de um continente atrasado chamado África. E que os jovens que estão cursando o Ensino Médio, certamente, vão conseguir um emprego fazendo um excelente curso técnico ou, dependendo da sua condição financeira, seguir diretamente para a faculdade. Ao final, se não encontrarmos ninguém que conteste essas ideias, estaremos crentes de que todas essas afirmações são verdades absolutas.

Nós também temos nossa matrix: ela está aqui, como diz Morpheus, está em toda parte, é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade.

Não existe uma grande realidade virtual, nem uma máquina que nos controla, mas ideias que nos fazem pensar que o mundo "é assim" e "sempre será assim". Ou seja, se existem desempregados é porque "esses não são capazes", se existe violência é porque certos "indivíduos são malvados", se existem políticos corruptos, "todos são corruptos", o mundo é feito de indivíduos de "sucesso" que devem dominar "os fracassados"... Enfim, não existe alternativa e é melhor se adaptar ao mundo do que tentar modificá-lo.

Vamos avançar um pouco mais em nossa analogia. Diferentemente do filme, o que existe em nossa realidade são ideias ou ideologias que servem de justificação dos interesses de determinados grupo s ou classes sociais. Mas o que significa isso?

Por exemplo, certamente os que disseminam a ideia de que o mundo sempre foi assim e sempre será se beneficiam da exploração e de sua condição de superioridade na sociedade (banqueiros, donos de terras, empresários etc.). Não interessa a eles mudar o mundo e fazer com que todos estejam bem. Para que essa realidade não seja questionada - e, quem sabe, modificada, suas ideias precisam ser representadas como sendo as ideias de todos.

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LEGENDA: "Matrix é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade." Será que vivemos em um mundo de faz de conta?

FONTE: Jefferson Coppola/Folhapress

Outro exemplo: pensar que os negros e as mulheres são inferiores, certamente beneficia, respectivamente, indivíduos brancos do sexo masculino a terem vantagens materiais e espirituais sobre os primeiros, mesmo que esses também tenham como características serem homens negros ou mulheres brancas. Essas ideias, se não forem contestadas, como na cidade de Zion, um dos cenários do filme, certamente farão com que negros e mulheres se sintam inferiores, assumindo também atitudes racistas e machistas.

Por outro lado, a ideologia da cidade de Zion pode ser considerada como aquilo que dizia Mannheim, ou seja, o povo que se libertou da Matrix possui formas de pensar e pontos de vista diferentes da própria Matrix.

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Essas formas de pensar desse povo, retratado no filme, representavam seus interesses de liberdade e igualdade. A cidade de Zion e a ideologia de seus habitantes seriam, na visão de Mannheim, mas também na de Gramsci, uma visão de mundo em que os seres humanos se posicionam e lutam por um determinado ideal.

A Sociologia, portanto, através do conceito de ideologia, pode contribuir para que desnaturalizemos nossas visões de mundo. Isto significa perceber que nem sempre nos damos conta de que aquilo que parece natural pode representar, na verdade, a posição de um determinado grupo ou classe social, com os seus interesses específicos. Faz-se necessário desvendar a câmara oculta, a matrix, identificar e refletir criticamente sobre os pensamentos e ideias que estão presentes no mundo à nossa volta, perceber que tipo de discurso se está fazendo e quem o está expressando, além de tentar perceber quais são seus reais interesses. Ou seja, pensar que nem tudo é óbvio, nem tudo pode ser "normal", mas que a vida em sociedade requer um exercício sociológico para não sermos manipulados, dominados e submetidos às vontades dos outros, involuntariamente.

Portanto, voltando às frases iniciais do capítulo, que foram expressas por personalidades no Brasil, nos EUA e na Itália, perguntamos agora: nós podemos dizer que são frases ideológicas? Quando uma cantora famosa limita a concepção de educação à obtenção de um emprego, desqualificando a importância de se fazer um curso superior, ela não está, mesmo sem atentar para isso, "orientando" nesse sentido os que a admiram e a seguem? Ela não está "defendendo" uma determinada visão de mundo? Quando o primeiro-ministro italiano "minimiza" os assassinatos cometidos sob a ordem de um chefe político do passado ele não promove uma inversão da realidade - e, ao mesmo tempo, apresenta como "normal" atrocidades reconhecidas historicamente e cometidas por um regime político identificado com o personagem citado? Que tipo de "(re)leitura sobre a história" ele tinha a intenção de fazer? Com que objetivo? Será que sua "reinterpretação" intencionava provocar nos cidadãos do país um posicionamento em relação a alguma situação política mais atual, de acordo com questões que se debatiam naquele momento? Pense nas outras frases que citamos como exemplo na abertura deste capítulo e reflita a respeito.

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LEGENDA: Cartaz da passeata de professores do Rio de Janeiro (2012).

FONTE: Valter Filé

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Língua Portuguesa

"Gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luiz de Camões...".1

Leila Medeiros de Menezes

A Língua Portuguesa é muito difícil" - é uma fala recorrente. Uma reflexão inicial se faz necessária: desde que nascemos, ouvimos, aprendemos a falar o português. Comunicamo-nos nesta língua. Experimentamos a língua em todo o seu potencial. Brincamos com ela sem medo algum. Somos "competentes" para manipulá-la.

A escritora Clarice Lispector2 "adotou" a língua portuguesa como sua segunda língua. Ucraniana de nascença, fez a seguinte declaração de amor:

"(...) amo a língua portuguesa. Ela é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo. (...) Eu gosto de manejá-la."

Há que se perguntar, então, onde se origina a tal da dificuldade. O primeiro ponto que nos ocorre levantar é o da formalidade com que se reveste nosso ingresso no Ensino Fundamental. Tudo passa a ser muito "sério". Perde-se, na maioria das vezes, o fundo mágico, encantador, lúdico da experimentação da língua. Não nos é mais permitido "roçar nossa língua na língua de Luiz de Camões", como fazem todas as crianças quando começam a falar. A experimentação dá lugar ao erro, ao lápis vermelho, à censura. O caráter polissêmico da língua se perde no mundo de substantivos, adjetivos, pronomes, verbos e advérbios.

A análise do discurso nos mostra que qualquer formação discursiva sempre irá evocar o outro sentido que não se evidenciou no nível do enunciado, ou seja, da concretude do texto. Portanto, para além do enunciado existe um "mundo" que precisa ser explorado, basta que ousemos penetrar no "reino surdo das palavras" (Carlos Drummond de Andrade), pois lá você encontrará o que espera ser escrito. E assim, podemos entender um pouco mais sobre a ideologia. Ou não?

Acreditamos que se aprende a língua exercitando-a de maneira plena, isto implica falar e produzir textos como "escritores". Tarefa que não pode ser episódica. Precisa fazer parte do nosso cotidiano. Língua é pátria, é identidade, é apropriação, é comunicação... é também ideologia, visão de mundo, como vimos neste capítulo. Por que não?

Estudar a gramática pela gramática não nos faz competentes para manipular a língua, apropriando-nos dela como leitores e escritores, muito pelo contrário, nos faz temerosos quando temos que assumir o desafio da escrita. Não estamos aqui desmerecendo a importância da Gramática Normativa, mas não podemos abrir mão da Gramática do Texto, da "Gramática da Vida".

O escritor Luiz Fernando Veríssimo3 em O gigolô das palavras, declara que

"(...) a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios."

Ele finaliza sua crônica, de forma bastante irônica: "A gramática precisa apanhar todo dia para saber quem é que manda." (Idem)

Assumindo a identidade de falantes da Língua Portuguesa, experimentem, como nos fala Drummond em Procura da Poesia, a tirar as palavras do estado de dicionário4. Façam-se escritores, procurando escrever em língua escrita.

Leila Medeiros de Menezes é professora dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro -CAp-UERJ. Graduada em Letras - Português - Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e Mestre em História Política pela UERJ.

1. Verso inicial da música Língua, composição de Caetano Veloso.

2. LISPECTOR, Clarice. Declaração de amor. In: LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. São Paulo: Rocco, 1999, p. 100.

3. VERÍSSIMO, Luiz Fernando. O gigolô das palavras. In: VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Mais comédias para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 144.

4. ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da Poesia. In: ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 12.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Defina o conceito de ideologia, comparando as definições apresentadas por Marx, Lênin, Gramsci e Mannheim.

2 - Como a ideologia se manifesta em sua escola? Dê exemplos.

3- Por que podemos afirmar que existe uma "Matrix nossa de cada dia"?

Dialogando com a turma

1 - Podemos afirmar que o preceito constitucional que afirma que "todos são iguais perante a lei" trata-se de uma afirmação ideológica? Por quê?

2 - Debata com os seus colegas sobre a importância do estudo da ideologia, procurando perceber de que forma ela afeta a sua vida.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2009)

Os regimes totalitários da primeira metade do século XX apoiaram-se fortemente na mobilização da juventude em torno da defesa de ideias grandiosas para o futuro da nação. Nesses projetos, os jovens deveriam entender que só havia uma pessoa digna de ser amada e obedecida, que era o líder. Tais movimentos sociais juvenis contribuíram para a implantação e a sustentação do nazismo, na Alemanha, e do fascismo, na Itália, Espanha e Portugal. A atuação desses movimentos juvenis caracterizava-se:

(A) pelo sectarismo e pela forma violenta e radical com que enfrentavam os opositores ao regime.

(B) pelas propostas de conscientização da população acerca dos seus direitos como cidadãos.

(C) pela promoção de um modo de vida saudável, que mostrava os jovens como exemplos a seguir.

(D) pelo diálogo, ao organizar debates que opunham jovens idealistas e velhas lideranças conservadoras.

(E) pelos métodos políticos populistas e pela organização de comícios multitudinários.

2 - (ENEM, 2009)

Na democracia estadunidense, os cidadãos são incluídos na sociedade pelo exercício pleno dos direitos políticos e também pela ideia geral de direito de propriedade. Compete ao governo garantir que es se direito não seja violado. Como consequência, mesmo aqueles que possuem uma pequena propriedade sentem-se cidadãos de pleno direito. Na tradição política dos EUA, uma forma de incluir socialmente os cidadãos é:

(A) submeter o indivíduo à proteção do governo.

(B) hierarquizar os indivíduos segundo suas posses.

(C) estimular a formação de propriedades comunais.

(D) vincular democracia e possibilidades econômicas individuais.

(E) defender a obrigação de que todos os indivíduos tenham propriedades.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980.

Livro introdutório ao tema, apresentado com uma linguagem simples e envolvente para os jovens.

MOORE, Michael. Stupid White Men: uma nação de idiotas. São Paulo: Francis, 2003.

Michael Moore é um crítico impiedoso da visão de mundo e das políticas norte-americanas. Neste "livro-provocação", ele revela a ignorância da maioria do povo norte-americano em relação ao mundo, apresentando-o como um povo "ao redor do seu umbigo".

FILMES

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A NOITE DOS DESESPERADOS (They Shoot Horses, Don't They?, EUA, 1969). Direção: Sidney Pollack. Com Bruce Dern. Duração: 120 min.

Urna visão crítica da sociedade e seus métodos de iludir o cidadão, através de uma maratona de danças, na época da Depressão Americana.

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FAHRENHEIT 451 (Fahrenheit 451, França/ Reino Unido, 1967). Direção: François Truffaut. Elenco: Oskar Werner, Julie Christie, Cyril Cusack. Duração: 112 min.

Ficção científica inspirada pelo livro de mesmo nome, escrito pelo norte-americano Ray Bradbury e publicado pela primeira vez em 1953. A história se passa em um Estado totalitário do futuro em que qualquer crítica é proibida e, por este motivo, por representarem uma ameaça, os livros - qualquer impresso - são proibidos e banidos de circulação. Até que um bombeiro começa a questionar essa realidade, quando vê uma mulher preferir ser queimada em meio aos livros que escondia, ao invés de permanecer viva.

INTERNET

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SUA PESQUISA - IDEOLOGIA: http://goo.gl/h4nIyT

Além de apresentar uma definição sobre o tema, o site oferece alguns links que remetem para outras páginas, com apresentações do que pode ser intitulado como "ideologias políticas": o fascismo, o capitalismo, o comunismo e o anarquismo. Acesso: janeiro/2016.

IDEOLOGIA: TERMO TEM VÁRIOS SIGNIFICADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

http://bit.ly/11DZJkO

Página do portal UOL Educação - pesquisa escolar, que apresenta um texto sobre o significado do conceito de ideologia nas Ciências Sociais. Acessando também o Youtube e digitando "ideologia", você também encontrará vários vídeos para debater com seus colegas e com o professor sobre o tema estudado no capítulo. Fica a sugestão. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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IDEOLOGIA - Autores: Frejat e Cazuza.

Intérpretes: Cazuza e Barão Vermelho

São bem conhecidas a música e a frase "ideologia, eu quero uma para viver!". Agora que estudamos essa matéria, seria interessante relermos a letra da música, procurando identificar a visão de mundo de Cazuza com as distintas definições de ideologia.

COTIDIANO - Autor e intérprete: Chico Buarque

O exercício sugerido para a música anterior vale também para a letra deste clássico da MPB - Música Popular Brasileira.

FILME DESTAQUE

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MATRIX

(The Matrix)

FICHA TÉCNICA:

Direção: The Wachowski Brothers.

Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss

Duração: 136 min.

(EUA, 1999)

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FONTE: Warnner Bros. Pictures/ Andy and Lana Warchowski

SINOPSE:

Ficção científica recheada de efeitos visuais. Um analista de sistemas que vende programas clandestinos descobre que a realidade em que vive não passa de uma ilusão, de sofisticada aparência virtual, produzida por computadores que controlam o planeta. O filme deu início a uma trilogia, complementada em 2003 com duas sequências, MATRIX RELOADED e MATRIX REVOLUTIONS.

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Aprendendo com jogos

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Half-Life 2 (Valve Corporation, 2004)

CADA CABEÇA, UMA SENTENÇA. SÓ QUE NÃO.

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FONTE: Divulgação/ Valvesoftware

A ideologia cria estratégias para que as pessoas sejam aprisionadas não apenas pela coerção, mas também pela sua própria vontade, fundada em crenças, em uma "ideologia-valor", em representações com valor de verdade. Neste game, a raça humana foi escravizada por uma raça alienígena chamada Combine. Ela desenvolveu um sofisticado sistema que utiliza tecnologia terrestre e controla mentalmente os humanos. Você é Gordon Freeman e lidera um grupo de rebeldes e com ajuda de outros alienígenas terá de libertar a raça humana do controle mental dos Combine. Não será fácil!

Como jogar:

1. Baixe a versão demo do jogo (clicando em "transferir demonstração") em http://goo.gl/90UoMT

2. Mergulhe no game logo após ter lido o livro 1984 do escritor inglês George Orwell. Esse livro vai te surpreender! (faça uma pesquisa na biblioteca de sua escola para saber se há alguma cópia do livro ou busque na internet para saber como ter acesso a ele)

3. Explore o game Half Life 2 e analise as semelhanças entre as estratégias de dominação ideológica dos Combine com a estratégias de dominação da ideologia hegemônica em nossa sociedade.

4. Assista o filme Eles Vivem (They Live, 1988), com um enredo semelhante, onde o protagonista é o único indivíduo ciente de uma dominação alienígena que controla as mentes das pessoas com mensagens escondidas. Você pode baixar gratuitamente o filme aqui: http://goo.gl/Z38Blv

5. Assista o filme Gattaca (Andrew Niccol, 1997). Trailer que você acessa em https://goo. gl/T6AJ7E que aborda as preocupações sobre as tecnologias reprodutivas que facilitam a eugenia, cuja trama se passa num futuro no qual os seres humanos são criados geneticamente em laboratórios e as pessoas concebidas biologicamente, consideradas "inválidas".

6. Reflita junto aos seus colegas sobre que tipo de sociedade o controle sobre o que pensamos e sobre o nosso corpo pode gerar.

7. Você também pode ler o livro, ver os filmes e jogar o game no mesmo período para realizar uma comparação entre esses produtos culturais.

8. Não seria legal ler o livro, assistir os filmes e discutir em sala a ideologia a partir de cenas do game? Pesquise outros livros e filmes com temática similar e prepare uma exposição de cinco minutos para a sua turma, na qual você indicará quais aspectos que você considera mais fortemente relacionados entre o jogo, o livro e os filmes (você deve narrar passagens, trechos, cenas e eventos relacionados).

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Capítulo 8 - "Ganhava a vida com muito suor e mesmo assim não podia ser pior." O trabalho e as desigualdades sociais na História das sociedades

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LEGENDA: Trabalhadores rurais alvos de operação da Polícia Federal que investiga denúncias de trabalho escravo, em Tucuruí, PA.

FONTE: Bernardo Gutiérrez/Folhapress

Escravidão no Século XXI?

Uma reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 06 de outubro de 2002, assinada por Fátima Fernandes e Claudia Rolli, apresentou um dado surpreendente e assustador: a Comissão Especial para o Combate ao Trabalho Escravo, vinculada ao Ministério da Justiça, anunciou que, somente neste século XXI, o número de trabalhadores descobertos em condição de escravidão chegara a 10 mil, concentrados no Norte e no Nordeste. A matéria apontava para a ocorrência de inúmeras denúncias de trabalho escravo, quase a totalidade em fazendas. Somente no Pará, foram registrados 75 casos em 2002, envolvendo mais de 3.000 trabalhadores, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra - CPT, ligada à Igreja Católica.

As práticas de manutenção do "trabalho forçado", ou de trabalhadores reduzidos à condição de escravidão, são "justificadas", segundo a reportagem, pelo desemprego elevado, pela falta de punição para quem escraviza

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(que, na maioria das vezes, mantém relações bem próximas com políticos locais e influentes - quando não são os próprios), e pelas péssimas condições de trabalho das equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho, com pouco pessoal, falta de verba, ausência de apoio policial, atuando sob forte pressão política e ameaças de morte, feitas por grandes pecuaristas.

No caso citado do estado do Pará, grande parte dos trabalhadores escravos é utilizada na derrubada de florestas, para posterior criação de pastos para o gado.

Sem alternativas de emprego, os trabalhadores são recrutados nas cidades mais pobres do interior, principalmente do Nordeste, através de um carro de som comandado por "gatos" - como são chamados os empreiteiros que trabalham para os fazendeiros. Segundo a reportagem, os empreiteiros "oferecem R$ 400,00 de abono e, como os trabalhadores estão na miséria, acabam aceitando a oferta sem entender que já saem de lá com dívidas de passagem", além de outras dívidas que vão contraindo no trabalho, por consumir os produtos colocados à venda pelos fazendeiros.

Após 2002, as notícias são de que houve aumento na fiscalização que é feita através do GERTRAF - Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, que reúne sete ministérios, sob a coordenação do Ministério do Trabalho. Este fato - o aumento na fiscalização - é que teria provocado um aumento alarmante do número de casos que são divulgados a cada ano, segundo afirmam os estudiosos. Só para se ter uma ideia, a OIT - Organização Internacional do Trabalho - estimava que, apesar das ações do GERTRAF, ainda existiam no Brasil, em 2008, entre 25 mil e 40 mil trabalhadores escravos.

O diretor de cinema suíço Stéphane Brasey, que filmou o documentário-denúncia A Lenda da Terra Dourada, sobre a prática do trabalho escravo no Pará, recolheu depoimentos de trabalhadores e fazendeiros. Estes últimos, contra todas as leis trabalhistas e contra os direitos humanos, reclamavam por serem obrigados a pagar direitos trabalhistas e dizendo que isso é que fazia com que o Brasil fosse ainda um país de Terceiro Mundo.

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FONTE: @ Angeli - Folha de S. Paulo 10.04.2007

Segundo outra reportagem, a agricultura canavieira, produtora de açúcar e álcool, liderou em 2008 o ranking de denúncias de trabalho escravo, segundo a CPT, com 36% do total das denúncias apuradas, o que significava, nesse ano, um total recorde de 280 casos registrados (Folha Online, 29/04/2009). No caso desse setor da economia, as denúncias não atingem somente o Norte e o Nordeste do Brasil, onde persiste a maior incidência de trabalho escravo, mas também a região Sudeste, com essa prática podendo ser encontrada nas usinas do interior de São Paulo e de Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro. Estas "recrutavam" trabalhadores no Vale do Jequitinhonha, a região mais pobre do estado de Minas Gerais.

Como você pode observar, a história relatada acima, infelizmente, ainda faz parte da realidade atual do nosso país. Você sabia? Tinha essa informação? Seria possível imaginar que, ainda hoje, trabalhadores estão sendo submetidos a trabalhos forçados, como se ainda vivêssemos na época da escravidão? Por que será que isso acontece?

Esse tipo de violência que nos causa indignação, no entanto, já foi um dia considerada como "natural"... Por quê?

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Nem sempre tivemos fábricas, salários, Facebook, futebol e...

Desde as eras mais remotas - aquelas que aprendemos nos livros didáticos a identificar como "pré-história" -, os seres humanos precisaram enfrentar os diferentes meios físicos da natureza na sua luta pela própria sobrevivência. Esse conflito entre o homem e a natureza, através dos tempos, deu origem a diversas e distintas formas de organização e cultura dos seres humanos entre si.

O contato entre os homens estabeleceu regras de convívio e fez surgir diferentes agrupamentos, identificados por características comuns entre os membros do grupo, tais como, por exemplo, uma determinada crença sobrenatural ou a solidariedade necessária à caça de um animal selvagem de grande porte. São esses pequenos grupos que vão estabelecer o surgimento, mais tarde, de coletividades maiores e mais complexas que podemos chamar de sociedades humanas.

Ao longo da História, diversos tipos de sociedades se formaram e também desapareceram. As diferentes sociedades humanas, entretanto, podem ser classificadas de acordo com a presença de algumas características comuns. Estas podem ser sintetizadas através do conceito teórico de modo de produção, ou seja, a maneira como a sociedade é organizada como um todo para garantir a sua própria sobrevivência e a sua continuidade (= a sua reprodução).

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LEGENDA: Como as sociedades se organizam para produzir os seus bens materiais? Na foto, trabalhadores no mercado Ver-o-Peso, Belém, PA.

FONTE: Tarso Sarraf/Folhapress

O conceito de modo de produção engloba três níveis diferentes:

Boxe complementar:

O nível econômico: a forma pela qual a sociedade se organiza para produzir os seus bens materiais.

O nível jurídico-político: o estabelecimento de normas e a sua transformação em leis que devem ser obedecidas por todos os seus membros, com a consequente criação de instituições que garantam o seu cumprimento.

O nível ideológico: a invenção de tradições, costumes e ideias que devem ser entendidas como "naturais" e que, por isso, devem ser seguidas por todos aqueles que pertençam a uma determinada coletividade. Representa a forma pela qual aquela sociedade vê e analisa o mundo.

Fim do complemento.

Entre os diversos tipos de sociedades que marcaram a História da humanidade, vamos destacar, neste capítulo, alguns aspectos de quatro distintos modos de produção: o primitivo, o asiático, o escravista e o feudal. Antes, porém, vamos procurar compreender alguns conceitos básicos que ajudam a explicar essas diferentes maneiras que o homem encontrou para se organizar coletivamente.

Neste capítulo, o nosso principal objetivo é o de esclarecer conceitos referentes ao chamado nível econômico dos modos de produção. Os níveis jurídico-político e ideológico, que nos preocupamos apenas em definir, serão tratados com maior profundidade em outros capítulos deste livro.

Mas eu não entendo nada de economia...

Quando se fala em economia, a maioria das pessoas - e principalmente os jovens - geralmente "torce o nariz". E nem poderia ser de outra forma, já que nos habituamos a escutar nos telejornais termos aparentemente incompreensíveis, tais como inflação, juros, déficit, com destaque para notícias importantes, como a " queda do índice da Bolsa de Valores" ou ainda "a mais recente alta do dólar"...

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LEGENDA: Será a economia tão complicada e assustadora como a maioria das pessoas pensa?

FONTE: Image Source/Shannon Fagan

Na verdade, entender economia é muito mais simples do que parece.

Podemos defini-la como a forma pela qual o conjunto de indivíduos existentes em uma sociedade participa da produção, da distribuição e do consumo de seus bens e serviços.

Quando falamos em bens estamos nos referindo a qualquer coisa ou matéria produzida pelo homem: automóveis, roupas, calçados, gêneros alimentícios, cadernos, cadeiras etc.

Serviços referem-se a atividades desenvolvidas pelo homem, tão diversas como uma aula de Sociologia ou de Matemática, uma consulta médica, o atendimento ao público num estabelecimento bancário ou no posto do INSS, e assim por diante.

Bens e serviços são desenvolvidos pelo homem a partir da sua capacidade física e intelectual, a qual chamamos de força de trabalho.

É através do trabalho que o homem transforma e domina a natureza, contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida (a construção de uma hidrelétrica ou de uma ponte sobre um rio) ou até mesmo para a sua destruição (a poluição atmosférica provocada por uma fábrica ou a invenção da bomba atômica).

Todas as vezes em que os elementos da natureza são apropriados economicamente pelo homem, eles se transformam em recursos naturais. Assim podemos chamar as árvores (matéria bruta) que são cortadas em toras de madeira (matéria-prima) para a fabricação de móveis (produto final).

Instrumento de produção é qualquer bem utilizado pelo homem na transformação da matéria-prima e produção de outros bens e serviços. Definimos dessa forma as ferramentas de trabalho, as máquinas e os equipamentos (instrumentos de produção diretos), assim como o local de trabalho e a energia elétrica que utilizamos (instrumentos de produção indiretos).

Como se pode perceber, tanto as matérias-primas como os instrumentos de produção citados acima formam o conjunto de "meios materiais" necessários à produção de qualquer tipo de bens ou de serviços. A esses meios materiais damos o nome de meios de produção.

Uma característica que vai distinguir os diversos tipos de sociedades que se constituíram historicamente é, exatamente, a forma pela qual o homem, através do trabalho, utilizou os meios de produção que lhe estavam, então, disponíveis. A essa associação entre o trabalho humano e os meios de produção damos o nome de forças produtivas. Cada sociedade, portanto, apresenta o seu conjunto de forças produtivas.

Por fim, um último conceito, que define a forma pela qual os diversos homens ou agrupamentos se relacionam entre si em todo o processo de produção material existente na sociedade: as relações de produção.

As relações de produção, como veremos a seguir, é que vão condicionar, juntamente com as forças produtivas, a organização e o funcionamento da sociedade como um todo, estabelecendo as distinções entre os diferentes modos de produção que caracterizaram a humanidade.

O trabalho e as desigualdades sociais através da História da humanidade

É importante ressaltar que, nas diferentes sociedades humanas, ao mesmo tempo em que todos os indivíduos procuravam lutar pela sua própria sobrevivência, alguns grupos sociais conseguiam se destacar e impor a sua vontade e os seus interesses sobre o restante da coletividade.

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Assim, dependendo do tipo de organização econômica que se impunha historicamente em cada sociedade, esses grupos sociais dominantes poderiam ser identificados como compostos majoritariamente por donos de terras, por chefes militares ou por sacerdotes. É claro que este tipo de "dominação" entre grupos sociais diferenciados dentro de uma mesma sociedade não acontecia, por exemplo, entre os povos indígenas encontrados pelos portugueses a partir de 1500 no Brasil. Mas, se pensarmos na grande maioria dos diversos tipos de sociedade que encontramos ao longo da História da humanidade, identifica-se essa característica de apropriação do poder por determinados grupos, como estamos destacando.

Uma característica importante é que havia quase sempre uma coincidência de interesses entre o poder político, ou seja, aqueles que governavam a sociedade, determinando as leis que deveriam ser obedecidas por todos, e o poder econômico, isto é, aqueles grupos sociais que acabavam acumulando privilégios do ponto de vista material, em relação ao restante da sociedade.

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LEGENDA: Pintura de Cândido Portinari: "Colheita de café", (1951).

FONTE: Acervo Projeto Portinari

Quando falamos em grupos sociais dominantes e os identificamos com aqueles que detinham algum tipo de poder, fosse ele militar, econômico ou religioso, fica subentendida a existência de grupos sociais dominados, ou seja, aqueles que se submetiam ao poder do primeiro grupo. Podemos destacar algumas características importantes, que aconteciam em quase todas as formas assumidas pelos modos de produção na História da humanidade.

Os grupos sociais dominantes são compostos quase sempre por uma parcela minoritária da população, que se destaca exatamente por exercer algum tipo de poder sobre a maioria. Por isso podemos chamá-los de elites. O sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto, no início do século XX, classificou-as como elites governantes, em oposição às massas não governantes (cf. RODRIGUES, 1984).

Outro italiano, Gaetano Mosca, já afirmara um pouco antes que, em todas as sociedades, existiam duas classes de pessoas - uma classe que governa e uma classe que é governada. Mosca e Pareto, juntamente com outros pensadores, como o inglês Robert Michels, são os responsáveis por aquela que ficou conhecida na Sociologia e na Ciência Política como a teoria das elites.

Karl Marx, porém, desde o século XIX, demonstrara que, na origem da divisão das sociedades em classes sociais antagônicas (dominantes X dominados), havia um elemento comum: a propriedade privada dos meios de produção. Ou seja, a existência de uma classe social que se apoderava, em um determinado momento, das terras férteis ou das riquezas minerais existentes.

O poder, a autoridade e a riqueza dessas classes dominantes poderiam ser mantidos através da força - daí a necessidade da constituição de forças policiais ou de poderosos exércitos, responsáveis pela "manutenção da ordem pública" - ou através do convencimento - para o qual foram fundamentais a criação de leis e de uma ideia de justiça, assim como a submissão a uma "vontade divina", determinada por uma religião.

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Dessa forma, as classes dominadas aceitavam e até defendiam a "superioridade" dos seus chefes, entendidos como mais "capazes", mais "fortes", mais "inteligentes" ou simplesmente "escolhidos" ou "ungidos" por um ser sobrenatural, um "deus" criador de tudo e de todos, responsável pelo estabelecimento de uma dada "ordem" (ou o status quo), sem a qual a sociedade não poderia sobreviver... Esse tipo de dominação é que está diretamente relacionado aos níveis jurídico-políticos e ideológicos, característicos dos diversos tipos de sociedades que se constituíram ao longo da História da humanidade.

Segundo um dos principais sociólogos do século XX, o alemão Max Weber, a afirmação do poder e da autoridade em uma determinada sociedade é identificada com uma importante instituição: o Estado. Como o Estado e as suas instituições componentes (governo, polícia, justiça etc.) são reconhecidos por toda a população como responsáveis pela manutenção da "ordem" detêm a legitimidade do monopólio do uso da força, impondo a vontade de um determinado grupo sobre a vontade de todos os outros indivíduos. Entendeu? O que Weber quis dizer quando se referiu à essa ideia de legitimidade e monopólio, por parte do Estado, em relação ao uso da força na sociedade, significa a existência de um reconhecimento geral - ou seja, por parte de todos -, de que este é o papel que o Estado tem que cumprir, em determinadas situações de "crise" ou de "violência". Esse reconhecimento assume um caráter legal, ou melhor, está respaldado nas leis, reconhecidas pela população, já que são elaboradas pelos seus representantes políticos. Todos são obrigados a cumprir as leis - teoricamente, em benefício da "boa convivência" e da "harmonia" entre todos.

Outro autor, Friedrich Engels (2005), o principal parceiro de Karl Marx em muitas obras, afirmou que o Estado é um produto da sociedade quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento, apesar da sua composição por classes sociais que têm interesses antagônicos e que, portanto, deveriam se apresentar permanentemente em situação de conflito.

Segundo Engels:

Boxe complementar:

...para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela e se distanciando cada vez mais, é o Estado.

(ENGELS, 2005, p. 191)

Fim do complemento.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: Friedrich Engels (1820-1895), teórico revolucionário alemão, principal colaborador de Karl Marx.

FONTE: AKG-Imagens/LatinStock

Assim, partindo dessas primeiras reflexões, vamos conversar brevemente sobre a forma como distintas sociedades se organizaram através da História da humanidade, procurando perceber e entender algumas características que podemos definir como comuns a uma grande parte delas. Você pode reparar que essa organização dos homens se dá principalmente em torno do trabalho, ou seja, a forma pela qual os homens reproduzem a sua própria existência como um todo.

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A organização dos homens em sociedade através da História

a) Sociedades tribais, "primitivas" ou "sociedades sem Estado"

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: Nas comunidades indígenas brasileiras não existe a divisão de classes sociais. Na maioria delas, uns caçam, outros pescam, outros plantam e outros dominam os ritos religiosos. Na foto, índios Kayapó jogam o Ronkrã, tradicional esporte entre eles, onde duas equipes batem com um bastão (Akêt) em um coco usado como bola (Paragominas, PA).

FONTE: Janduari Simões/Folhapress

As primeiras formas de organização social dos seres humanos se caracterizaram quando deixaram de ser nômades e se tornaram sedentários, isto é, fixaram-se em um lugar para cultivar a terra e praticar o pastoreio.

Nesse tipo de sociedade, os homens trabalhavam coletivamente, repartindo entre si o resultado da pesca, da caça e da coleta de frutos e de raízes. Não existia nenhuma forma de propriedade privada e as relações de produção eram caracterizadas pela ajuda mútua entre todos os membros da coletividade.

Não existia o Estado e a sociedade não era dividida em classes sociais, mas nessas comunidades tem origem a especialização de funções: uns caçam, outros plantam, uns fabricam cestos, outros dominam os ritos religiosos...

Apesar da utilização, por diversos autores, do termo "primitivo" em relação a essas sociedades, devemos chamar a atenção para algumas questões importantes:

Boxe complementar:

- Não devemos considerá-las como "atrasadas" em relação a outras formas de organização social. Essa ideia conduziria à adoção de uma "teoria evolucionista", como se um certo tipo de sociedade pudesse suceder a outro tipo através da História - o que não corresponde à realidade, já que, até hoje, esse modo de produção pode ser encontrado em povos ou nações em regiões tão distantes e distintas como a América, a África e a Oceania.

- Trata-se, na verdade, de sociedades extremamente complexas, principalmente do ponto de vista da sua cultura - o que foi demonstrado amplamente por inúmeras pesquisas efetuadas no campo da Antropologia. O antropólogo francês Pierre Clastres (1934-1977), inclusive, popularizou nas Ciências Sociais - em um texto publicado em 1974 - o termo sociedade contra o Estado que ele elaborou a partir das diversas pesquisas que desenvolveu na América Latina, na década de 1960 e início dos anos 1970 (cf. CLASTRES, 2003). Outro antropólogo, o norte-americano Marshall Sahlins, pesquisando em sociedades que habitavam ilhas do Pacífico Ocidental, também formulou outro termo que contribui para entendê-las porque, segundo ele, essas seriam as sociedades de abundância (cf. SAHLINS, 1976).

- Dentro desta forma de classificação que aqui adotamos encontram-se sociedades completamente distintas entre si sob o aspecto cultural, o que se reflete na sua forma de organização social. Assim, queremos registrar que a ideia de "sociedades tribais, primitivas ou sem Estado" está sendo utilizada apenas para destacar principalmente os elementos econômicos comuns que estão presentes nessas diferentes sociedades.

Fim do complemento.

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b) Sociedades escravistas

Vamos recordar o texto de abertura deste capítulo, extraído de reportagens publicadas pela imprensa brasileira e da internet: afirmar que existem trabalhadores submetidos à escravidão significa dizer que há seres humanos obrigados a executar trabalhos forçados, sem receber nada em troca. Homens e mulheres que são tratados como "coisas", "objetos".

Hoje, ficamos indignados com essa situação absurda. Mas você já parou para pensar que há pouco mais de 120 anos a escravidão era considerada legal no nosso país? Que durante quase quatro séculos, milhões de africanos foram arrancados da sua terra para trabalhar na lavoura e na mineração do outro lado do Oceano Atlântico? Será que este fato, relativamente recente, ainda não se reflete de alguma forma na sociedade brasileira atual?

O modo de produção escravista caracterizou a maioria das sociedades da Antiguidade, nas quais o Estado passou a existir para garantir a dominação social, política e econômica de um pequeno grupo sobre a maioria da população e sobre outros povos. Esses outros povos é que, derrotados nas guerras, eram submetidos à escravidão, tornando-se responsáveis, através do seu trabalho, pela produção da riqueza que era desfrutada pela classe dominante - formada principalmente pelos proprietários de terras e grandes comerciantes. Foi o caso da cidade-Estado de Atenas, na Grécia Antiga, onde o trabalho dos escravos permitiu o desenvolvimento político e cultural da pólis, governada por uma minoria de "cidadãos" proprietários, e do Império Romano, em que a riqueza dos "patrícios" somente se tornou possível graças ao imenso contingente de escravos existente.

c) Sociedades "orientais" ou "asiáticas"

As sociedades denominadas como "orientais" ou "asiáticas" também existiram na Antiguidade, predominando na região da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates (onde atualmente se encontra o Iraque), na China e na Índia. Mas, apesar do uso dos termos "asiático" ou "oriental", esse tipo de organização socioeconômica também prevaleceu em algumas regiões de outros continentes, como a África (no Egito antigo) e a América (entre os astecas, no atual México, e os incas, na região dos Andes).

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LEGENDA: A antiga Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, no continente asiático - onde se localiza o atual Iraque.

FONTE: Adap.: READE, Julian. Mesopotamia. Madri: Ediciones Akal, 1998. p. 5.

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LEGENDA: Localização das antigas sociedades inca, asteca e maia, no continente americano.

FONTE: Ney Megale

Diferentemente das sociedades escravistas, nas sociedades de tipo "oriental" as terras pertenciam ao Estado, não sendo propriedade privada de um grupo dominante. Porém, o Estado era encarnado na pessoa do imperador, fosse ele o inca americano ou o faraó egípcio. Em torno dele, formavam-se os grupos privilegiados - nobres, sacerdotes, funcionários e guerreiros que se apropriavam e consumiam totalmente o excedente produzido por escravos e camponeses. Entendeu? Vamos explicar melhor essa questão do "excedente": diferentemente das sociedades tribais ou as ditas "primitivas", em que todos trabalhavam para garantir o seu próprio sustento - o que não gerava "excedentes" na produção. Nesta e em outros tipos de sociedades que apresentamos aqui, o trabalho era a função que deveria ser exercida por grupos numericamente - neste caso específico, escravos e camponeses - que, dessa forma, sustentavam o Estado e aqueles que não trabalhavam na produção, mas exerciam outras funções - como era o caso dos nobres, sacerdotes e guerreiros.

Essa produção de excedente em benefício do Estado é que proporcionou a constituição de grandes exércitos e de obras monumentais, tais como pirâmides, templos, canais de irrigação...

d) Sociedades feudais ou estamentais

Característico do Japão até o século XVIII e da Europa ocidental durante toda a Idade Média, o modo de produção feudal ou feudalismo era baseado em relações servis de produção (senhores feudais X servos) e na propriedade do senhor sobre a terra.

Diferentemente do escravo, o servo poderia trabalhar uma parte da terra do senhor em seu próprio benefício, mas era obrigado a pagar diversos impostos ao senhor feudal e a obedecer as leis que eles estabeleciam. No caso da Europa ocidental, o maior poder político e econômico na Idade Média era exercido pela Igreja Católica, proprietária da maior parte das terras.

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LEGENDA: A Igreja era a instituição mais poderosa da Europa medieval. Na foto, fachada de uma igreja medieval em Edimburgo - Escócia.

FONTE: Marcio Nel Cimatti/Folhapress

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Durante a Idade Moderna, com a formação dos grandes Estados nacionais europeus, desenvolveu-se uma fase de transição, ou seja, um determinado momento da História daquelas sociedades na qual conviviam lado a lado diversas características do feudalismo e novas relações de produção, desenvolvidas por uma classe social em ascensão - a burguesia -, formada por grandes comerciantes que enriqueceram principalmente a partir das Grandes Navegações. Esse momento de transição do feudalismo para o capitalismo foi bastante diferenciado em cada sociedade europeia, não apresentando um único padrão, pois as diferenças dependiam da história de cada sociedade específica, da força política, econômica e militar dos senhores feudais, e do ritmo de desenvolvimento das formas de produção capitalistas - como, por exemplo, o comércio e a nascente indústria -, assim como a força econômica e política que adquiria gradativamente a nova classe burguesa.

O conflito entre a velha aristocracia feudal e os interesses burgueses deu origem às revoluções inglesas do século XVII e à Revolução Francesa do século XVIII (a partir de 1789). Esta última é considerada como o grande marco da História do Ocidente, já que pôs fim à sociedade estamental, inaugurando a Idade Contemporânea e a hegemonia do modo de produção capitalista.

O trabalho e as desigualdades: estratificação social e mobilidade social

Agora que você já está entendendo um pouco mais sobre como as sociedades se organizam em nível econômico, vamos ver outros dois conceitos que envolvem esta reflexão sobre o trabalho nas sociedades humanas: estratificação social e mobilidade social.

Mas, antes de vermos estes dois conceitos, é preciso entender que, se o trabalho é uma discussão importante para compreender as relações sociais, ao longo da História das sociedades ocorreram mudanças em relação à concepção sobre o ato de trabalhar.

Nas sociedades europeias antigas, principalmente na Grécia Clássica, o trabalho manual era visto pelas elites como algo penoso e detestável. Era algo que cabia apenas àquelas pessoas consideradas inferiores e que se encontravam nas camadas mais baixas da sociedade, ou seja, os escravos.

Nas sociedades feudais da Europa medieval, o trabalho era considerado um ato sem valor, pois, segundo a visão dominante, propagada pela Igreja Católica, o trabalho manual era uma maldição, por ser um dos frutos do pecado original dos homens. A origem latina do termo trabalho (tripallium = instrumento de tortura) representa qual era o sentido deste ato humano.

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LEGENDA: As relações entre o trabalho e os trabalhadores nem sempre foram pensadas pelas sociedades da mesma forma como hoje, no capitalismo.

FONTE: Thales Stadler/ABCDigipress/Folhapress

Porém, com as grandes mudanças sociais ocorridas na Europa, a partir do século XV, a concepção sobre o ato de trabalhar foi mudando. Foi o sociólogo Max Weber que, ao estudar sobre as origens do capitalismo, revelou que a Reforma protestante contribuiu para a mudança na concepção de trabalho, influenciando, anos mais tarde, a própria concepção da Igreja Católica. Na visão do segmento protestante analisado por Weber, o trabalho passa a não ser mais fruto do pecado original, mas um fundamento da vida humana interpretado como uma virtude diante de Deus e um dos "caminhos para a salvação".

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Com o surgimento do capitalismo, Weber afirmou que a Reforma protestante contribuiu para que o trabalho e as profissões fossem encarados como uma vocação, se contrapondo à preguiça e à ociosidade. Realmente, se pensarmos neste sentido, veremos que a visão sobre o trabalho passou a ser uma das principais preocupações dos pensadores iluministas (lembra-se das aulas de História?), que caracterizavam o trabalho (manual e intelectual), as técnicas, a ciência e a mecânica como importantes atos humanos que ajudam a transformar a natureza.

Pois bem, se a concepção de trabalho mudou ao longo da História, podemos dizer também que a reflexão sobre o trabalho envolve duas questões importantes para analisarmos determinadas sociedades. A primeira é a questão da estratificação social.

Vimos, anteriormente, a visão de Karl Marx sobre as classes sociais. Mas existem também outras definições para o que Marx intitulou como divisões em classes, que podem ser entendidas também como outras formas de classificação, existentes nos distintos tipos de sociedades. A Sociologia denomina essas divisões de estratificação social.

Boxe complementar:

Estratificação social é o modo como as diversas sociedades estão organizadas em "estratos" ou "camadas" sociais. Em outras palavras, a forma como os indivíduos estão localizados numa determinada "posição" em uma sociedade - ou ainda os elementos de pertencimento a um dado "grupo social". Esses elementos podem se basear em critérios econômicos, políticos, sociais e culturais. Para diversos sociólogos, existiriam diferenças marcantes entre os "sistemas de classes" modernos, como entende Marx e, por exemplo, os "sistemas de castas", encontrados em sociedades organizadas sob outra forma.

Fim do complemento.

Retomemos Max Weber para exemplificar o que estamos dizendo: diferentemente de Marx, ele dizia que as sociedades são divididas também em grupos de status, além de uma multiplicidade de divisões de classes sociais. Os grupos de status diferenciam-se entre si pelo prestígio ou pela honra que gozam na sociedade, baseados num "estilo de vida" reconhecido pelos demais indivíduos. Estes interagem em termos de status, como iguais entre eles - como é o caso da nobreza. Mas, para Weber, os critérios de estratificação não precisariam ser econômicos, descaracterizando uma situação de classe. Segundo ele, estes sistemas - de classe e de status - são formas independentes de estratificação social.

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LEGENDA: Você saberia qual a posição desse indivíduo na sociedade?

FONTE: Luiz Fernandes

Outro tipo de estratificação existente em algumas sociedades seriam as chamadas castas sociais. O termo deriva do latim castus, que significa "puro", tendo sido utilizado primeiramente pelos portugueses, ao se referirem à estratificação social que encontraram na Índia e em outras regiões hinduístas localizadas no Sul da Ásia, no século XV. O sistema de castas está presente ainda hoje no hinduísmo, inclusive fora da Índia, por conta da diáspora de comunidades hindus.

As castas caracterizam essencialmente uma organização social baseada em um grupo hereditário, endógamo, pertencente a uma ocupação tradicional e classificado numa escala de pureza religiosa, participante do ritual hindu.

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As diversas pesquisas antropológicas realizadas na Índia - com destaque para os trabalhos do francês Louis Dumont - anotaram diferentes tipos de linhagens existentes nas castas, variando de acordo com a região, cada uma delas apresentando uma hierarquia específica (cf. DUMONT, 1992). A divisão em castas passa por modificações nas regiões mais modernas da Índia, penetradas pelo capitalismo. Durante o século XX, Ambedkar (1891-1956), um advogado oriundo de uma família de "intocáveis", procurou mobilizar os dalit (= oprimidos) e conseguiu aprovar a Constituição indiana de 1950, que não reconhece a existência de castas, mas apenas de cidadãos iguais. Por causa da característica discriminatória desse sistema, Ambedkar defendia que os indianos abandonassem o hinduísmo, trocando-o pelo budismo. Mas, neste século XXI, apesar de todas as leis que condenam a discriminação e o preconceito - inclusive com a adoção de políticas de ação afirmativa em benefício dos dalit - ainda cerca de 1/7 da enorme população da Índia carrega o estigma de "intocável".

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LEGENDA: Na Índia, onde a população majoritariamente cultua o hinduísmo, a principal forma de estratificação social são as chamadas castas sociais. Na foto, hindus tomam banho no rio Ganges, em Varanasi, Índia.

FONTE: Marina Della Valle/Folhapress

Por fim, outro sistema de estratificação reconhecido e classificado pelos estudiosos foi a sociedade estamental, característica do feudalismo, da Europa medieval. Os estamentos formam um sistema de estratificação social baseado em hierarquias econômicas e de prestígio, que dividia a sociedade em nobreza, alto clero, comerciantes, artesãos, camponeses livres, baixo clero e servos. Assim como o sistema de castas, o pertencimento a um determinado estamento apresentava caráter hereditário. Discutindo sobre essa forma de estratificação, Max Weber mostrou que, nessas sociedades, o poder e prestígio do estamento condicionam certos monopólios de produção, consumo ou uso de certos bens, como também em relação a certas atividades e cargos que representavam o exercício do poder político, e a permissão para contrair matrimônio.

112

Após conhecermos um pouco esses sistemas de estratificação, veremos um conceito, intimamente relacionado, conhecido como mobilidade social. O que será que essa tal mobilidade tem a ver com isso?

Boxe complementar:

Mobilidade social significa a possibilidade que um indivíduo tem de mudar de posição social, de status ou de poder dentro da sociedade. Mesmo numa sociedade marcada pelas desigualdades sociais, como é o caso do capitalismo, pode ocorrer de um indivíduo mudar de posição social, seja por herança, seja pela sorte (acertar na loteria, por exemplo), pelos estudos, pelo matrimônio ou pelo fracasso nos negócios, com a perda dos seus bens.

Fim do complemento.

Entretanto, observe que, nas outras sociedades estratificadas que utilizamos como exemplo neste capítulo - considerando a extrema rigidez do sistema de castas tradicional ou do sistema de estamentos que existia na sociedade feudal -, a mobilidade social pode ser entendida como inexistente, por ser dada apenas pela hereditariedade (lembre-se do exemplo que citamos do advogado indiano Ambedkar...).

No sistema de classes capitalista, existem dois tipos de mobilidade social: a mobilidade social vertical e a mobilidade social horizontal. A primeira ocorre quando os indivíduos mudam sua posição social de forma ascendente ou descendente, isto é, quando os indivíduos, por exemplo, ganham heranças ou acertam na loteria, ou ainda quando adquirem status e prestígio, sua mobilidade social é ascendente. Nas diversas sociedades capitalistas, reconhece-se a educação escolar como a forma mais frequente de mobilidade social vertical ascendente. A mobilidade social descendente é exatamente o oposto do que descrevemos aqui.

Já a mobilidade social horizontal ocorre, por exemplo, através do deslocamento geográfico - no caso do Brasil, por exemplo, quando o migrante nordestino busca uma melhor condição de vida na região Sudeste, situação clássica em nosso país durante muitas décadas do século XX, quando ocorreram as políticas de desenvolvimento industrial voltadas para os grandes centros urbanos, como as capitais dos estados mas, principalmente, as principais cidades do Sudeste. Esses casos, apesar de característicos de mobilidade social horizontal, acabam por representar também, muitas vezes, uma mobilidade social vertical, pois as condições de vida dos migrantes que trocam a vida rural pela vida na cidade implicam, necessariamente, no aumento da sua renda financeira em relação à realidade em que viviam antes. Na cidade, por sua vez, apesar do maior custo de vida, aumentam também as suas possibilidades de acesso à escola formal, assim como a cursos de inserção no mercado de trabalho e de qualificação profissional, fazendo com que esse indivíduo possa "subir um ou mais degraus" em relação às condições de vida que ele tinha até então. Quando essas mudanças ocorrem entre as gerações de uma mesma família, os estudiosos sobre o tema descrevem esse tipo de fenômeno sociológico como mobilidade social intergeracional.

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FONTE: @ Angeli - FSP 01.12.2005

Apesar da mobilidade social ser uma característica das sociedades capitalistas em geral, ela não se manifesta da mesma forma nas diversas sociedades existentes.

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Se compararmos, por exemplo, os índices de mobilidade do Brasil com os de países europeus - mesmo considerando as diferenças existentes entre estes - percebe-se claramente como o enorme nível de desigualdade social existente aqui influencia de forma direta as chances de mobilidade social. A socióloga Celi Scalon, com base em dados apurados pelo IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -, demonstrou, por exemplo, que em nosso país as chances do filho de um trabalhador não qualificado - como um porteiro de edifício - conseguir se formar e trabalhar como um profissional qualificado - como um médico - é 133 vezes menor que o filho deste trabalhador qualificado seguir os passos do seu pai. Por outro lado, se o filho do trabalhador não qualificado citado anteriormente for do sexo feminino, suas chances diminuem ainda mais. Da mesma forma, se esse mesmo indivíduo for negro (cf. SCALON, 1999). Dessa forma, podemos dizer que a categoria de mobilidade social deve ser analisada em conjunto com uma série de outros aspectos, tais como as citadas diferenças envolvendo as questões de gênero, aquelas que se relacionam com o racismo presente na sociedade brasileira (voltaremos a estes temas em outro momento).

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LEGENDA: Lula, de operário a presidente da República. Neste caso, houve mobilidade social? Ela existiria para todos?

FONTE: Costa Films/Fábio Barreto, Marcelo Santiago

Enfim, podemos observar que todas as sociedades são estratificadas de diferentes maneiras e que estas têm uma profunda relação com as desigualdades sociais, porque estão relacionadas à divisão social do trabalho e à distribuição do poder. A ideia de mobilidade social, nesse sentido, deve ser entendida como sendo restrita, presente apenas e parcialmente no sistema de classes, característico das sociedades capitalistas.

Agora, diante das questões que apresentamos neste capítulo, pense nas pessoas e nas famílias que você conhece e reflita: você reconhece a existência de mobilidade social na sociedade brasileira? Como ela acontece? Ocorre com frequência? De que forma? A partir da dedicação aos estudos e ao trabalho? Pense a respeito não somente dos indivíduos e famílias que você conhece, como também das possibilidades que você vislumbra em seu futuro em termos de mobilidade social.

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Arte

Dá pra viver de arte?

Rafael Kuwer

Já que falamos neste capítulo de trabalho, vamos então conversar sobre arte e trabalho.

Desde a pré-história, o homem sente a necessidade de se expressar esteticamente. Seja pintando animais nas cavernas (provavelmente acreditando numa forma mágica de dominar o predador e transformá-lo em presa). Seja usando colares com dentes de animais que ele matou (uma medalha por sua força e destreza). Seja criando cestos, tapetes, armas etc. (se preocupando com a beleza desses instrumentos que lhes eram úteis, logo não precisariam ser bonitos). Estes seres humanos não estavam ainda fazendo arte nem artesanato. Estavam simplesmente cumprindo com suas obrigações e necessidades dentro do grupo, onde todos tinham que trabalhar.

O artesanato contempla o belo, depende da técnica, de habilidades manuais e, com a formação das sociedades, da geração garantida e imediata de dinheiro. A arte contemporânea não tem prioritariamente essas preocupações, logo ela não consegue ser compreendida como uma das necessidades mais básicas do ser humano. Consequentemente, a sociedade enxerga o artesão como trabalhador e muitas vezes, artista. E o artista, muitas vezes, como desocupado, e até transgressor. É o caso dos grafiteiros (não raramente igualados a pichadores) que, a duras penas, conquistaram o mercado artístico e também outras paredes: as das galerias de arte. Mas aí, cabe a pergunta: grafiteiro é um trabalhador?

Geralmente, essa resposta só é positiva quando ele fica rico e famoso. Tais comparações não têm a função de eleger como um ofício mais nobre a arte ou o artesanato, nem impossibilitar um artesão de ser chamado de artista, nem tanto o de garantir que qualquer um que se aventure pelo universo das artes seja um artista de fato. Uma situação preocupante, que descreve bem isso, é quando você apresenta alguma habilidade para desenho, por exemplo, e já é convencido de que é um artista.

Voltemos à questão inicial deste texto. Pensando pela ótica dos nossos indígenas, por exemplo, que há milhares de anos produzem seus adornos, armas etc., todos eles úteis e bonitos, que tinham e têm uma função dentro da sua tribo. Logo, eles são:

Artesãos: pela sua habilidade e técnica. Mas, nos dias de hoje, pela história de injustiças sociais de que foram vítimas, necessitam da venda imediata para geração de renda;

Trabalhadores: pois contribuem para a história e satisfação pessoal e do seu grupo;

Artistas: em função do conjunto da obra ao longo de milhares de anos, seu trabalho é reconhecido como arte, registrando uma sabedoria milenar através da geometria, das cores e da beleza.

O importante nisso tudo é saber que artista pode viver de arte, artesão pode ser artista e ambos devem exercer seus ofícios como um plano de vida. Além de pintura, desenho e outras artes, que apavoram os pais, por apresentarem pouca garantia de "futuro" para os filhos, existem profissões com grande oferta de empregos, como ilustração, design, estilismo e cinema. Não importa. Transforme-o em trabalho.

Você deve estar se perguntando: mas o que é arte, exatamente? Se descobrir, me conta?

Rafael Kuwer é professor de Artes do município de Angra dos Reis - RJ. Bacharel em Gravura pela Escola de Belas Artes da UFRJ, Licenciado pela Uni-Bennett e Pós-graduado em Gestão e Produção Cultural pela Universidade Estácio de Sá.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Compare as diversas sociedades no que diz respeito às relações de produção.

2 - O que significa estratificação social?

3 - O que significa mobilidade social? E como ela pode ser classificada no sistema de classes?



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Dialogando com a turma

1 - É uma condição natural da humanidade a divisão entre ricos e pobres? Por quê?

2 - Discuta com seus colegas e faça uma pesquisa sobre os tipos de mobilidade social existentes na cidade onde você reside. A partir do resultado da pesquisa, elabore um texto expondo as suas conclusões.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2009)

Os Yanomami constituem uma sociedade indígena do norte da Amazônia e formam um amplo conjunto linguístico e cultural. Para os Yanomami, urihi, a "terrafloresta", não é um mero cenário inerte, objeto de exploração econômica, e sim uma entidade viva, animada por uma dinâmica de trocas entre os diversos seres que a povoam. A floresta possui um sopro vital, wixia, que é muito longo. Se não a desmatarmos, ela não morrerá. Ela não se decompõe, isto é, não se desfaz. É graças ao seu sopro úmido que as plantas crescem. A floresta não está morta, pois, se fosse assim, as florestas não teriam folhas. Tampouco se veria água. Segundo os Yanomami, se os brancos os fizerem desaparecer para desmatá-la e morar no seu lugar, ficarão pobres e acabarão tendo fome e sede.

ALBERT, B. Yanomami, o espírito da floresta. Almanaque Brasil Socioambiental. São Paulo: ISA, 2007 (adaptado).

De acordo com o texto, os Yanomami acreditam que:

(A) a floresta não possui organismos decompositores.

(B) o potencial econômico da floresta deve ser explorado.

(C) o homem branco convive harmonicamente com urihi.

(D) as folhas e a água são menos importantes para a floresta que seu sopro vital.

(E) Wixia é a capacidade que tem a floresta de se sustentar por meio de processos vitais.

2 - (ENEM, 2009)

Entre 2004 e 2008, pelo menos 8 mil brasileiros foram libertados de fazendas onde trabalhavam como se fossem escravos. O governo criou uma lista em que ficaram expostos os nomes dos fazendeiros flagrados pela fiscalização. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões que mais sofrem com a fraqueza do poder público, o bloqueio dos canais de financiamento agrícola para tais fazendeiros tem sido a principal arma de combate a esse problema, mas os governos ainda sofrem com a falta de informações, provocada pelas distâncias e pelo poder intimidador dos proprietários. Organizações não governamentais e grupos como a Pastoral da Terra têm agido corajosamente, acionando as autoridades públicas e ministrando aulas sobre direitos sociais e trabalhistas.

"Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo". Disponível em: http://www.mte.gov.br. Acesso em: 17 mar. 2009 (adaptado).

Nos lugares mencionados no texto, o papel dos grupos de defesa dos direitos humanos tem sido fundamental, porque eles:

(A) negociam com os fazendeiros o reajuste dos honorários e a redução da carga horária de trabalho.

(B) defendem os direitos dos consumidores junto aos armazéns e mercados das fazendas e carvoarias.

(C) substituem as autoridades policiais e jurídicas na resolução dos conflitos entre patrões e empregados.

(D) encaminham denúncias ao Ministério Público e promovem ações de conscientização dos trabalhadores.

(E) fortalecem a administração pública ao ministrarem aulas aos seus servidores.

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Pesquisando e refletindo

LIVROS

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HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986.

Livro de leitura agradável que explica a História pelo estudo da teoria econômica e ao mesmo tempo faz o contrário, isto é, explica a economia através do estudo da História.

PINSKI, Jaime. As primeiras civilizações. São Paulo: Atual, 1990. (Coleção Discutindo a História). Este livro descreve de forma clara e objetiva as características das primeiras organizações sociais e sociedades humanas na História.

FILMES

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EVOLUÇÃO (Evolution, Canadá, 1971). Direção: Michael Mills. Duração: 10 min.

Desenho animado. Trata do processo evolutivo do homem. Vencedor de nove prêmios internacionais. [Ver em http://www.nfb.ca/film/evolution_en. Acesso em janeiro de 2013].

A LENDA DA TERRA DOURADA (La legende de la terre dorée, Suíça, 2007). Direção: Stéphane Brasey. Duração: 54 min.

Documentário-denúncia que aborda as condições de vida de centenas de migrantes que chegam ao estado do Pará. Na região, conhecida como a mais violenta do Brasil, no que se refere a questões agrárias, eles são aprisionados em grandes fazendas de gado e tratados como escravos. O filme recolhe depoimentos de trabalhadores e de fazendeiros da região.

INTERNET

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"MANGUE SOCIOLÓGICO": http://bit.ly/1gkuxzl

Interessante blog, contendo uma página que descreve e explica os conceitos de estratificação social e mobilidade social. Fazendo referência a sociólogos e autores estudados neste capítulo, traz também um pequeno vídeo sobre mobilidade social. Acesso: janeiro/2016.

ECONOMIA INDÍGENA: http://bit.ly/1krXLlC

Neste site, André Baniwa, um índio Baniwa que mora na região amazônica, dá uma palestra sobre as formas de viver e produzir das comunidades Baniwa. Interessante vídeo para discutir os diversos modos que as sociedades se organizam e trabalham. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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O PEQUENO BURGUÊS - Autor e intérprete: Martinho da Vila.

Um dos primeiros sucessos de um sambista clássico do Rio de Janeiro, cuja letra apresenta uma história que se relaciona com a discussão sobre mobilidade social. Vale a audição e o debate com os colegas.

CANOA, CANOA - Autores: Nelson Ângelo e Fernando Brant. Intérprete: Milton Nascimento.

A música faz uma homenagem a um dos povos indígenas brasileiros ameaçados de extinção, os avás-canoeiros - conhecidos como a "tribo invisível", pela sua capacidade de se esconder nas árvores. Habitantes da região do rio Araguaia, em Goiás, eles foram praticamente dizimados por um massacre na década de 1960. Em 2013, essa etnia contava com apenas sete sobreviventes. Escute a música e aproveite para pesquisar sobre a história dos avás-canoeiros, suas tradições e suas esperanças.

FILME DESTAQUE

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A GUERRA DO FOGO

(La Guerre Du Feu)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Jean-Jacques Annaud

Elenco: Everett McGill, Rae Dawn Chong

Duração: 97 min.

(França, Canadá 1981)

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FONTE: International Cinema Corporation (ICC)/Jean-Jacques Annaud

SINOPSE:

O filme se passa nos tempos pré-históricos, em torno da descoberta do fogo. A tribo Ulam vive em torno de uma fonte natural de fogo. Quando este se extingue, três membros saem em busca de uma nova chama. Depois de dias andando e enfrentando animais pré-históricos, eles encontram a tribo Ivakas, que descobriu como fazer fogo.

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Aprendendo com jogos

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Nadando com tubarões

A ILUSÃO DO LIVRE MERCADO

O jogo do banco imobiliário (ou Monopoly) foi criado por Charles Darrow em 1935. É uma defesa ideológica do livre mercado. Nele, o jogador deve conquistar o máximo de territórios possíveis, evoluir propriedades, ganhar muito dinheiro e levar os adversários à falência. O interessante é que o jogo teve por base um outro jogo de tabuleiro (The Landlord's Game, de Elizabeth J. Magie Phillips, 1904) que tinha por finalidade exatamente a denúncia do capitalismo. Existem inúmeras versões publicadas em diferentes países e as regras do jogo variam levemente de versão a versão. Você pode consultar as regras mais comuns a partir de uma dentre as versões existentes em http://goo.gl/NOiIhM. Nesta adaptação, o objetivo permanece o mesmo: tornar-se o grande vencedor ao levar seus adversários à falência. Mas algumas regras novas exigirão a sua reflexão sobre o jogo real de uma economia capitalista.

Como jogar:

1. Construa o tabuleiro junto com os seus colegas. Os participantes devem começar o jogo com valores iniciais diferentes atribuídos aleatoriamente, mantendo-se a mesma diferença entre cada um deles e produzindo uma hierarquia gradual. O jogador de menores recursos precisa ter 10% do jogador com maiores recursos. A ordem dos jogadores é definida pelos recursos de que dispõem: quem tem mais começa o jogo, que segue essa ordem decrescente. O jogador lança dois dados e avança o número de casas por estes indicado. Um jogador representará o Banco. O Banco poderá fornecer empréstimos e cobrará juros sobre os empréstimos sempre que você completar uma volta no tabuleiro. Os juros serão menores quanto maior o volume financeiro emprestado. O volume emprestado variará conforme as propriedades que você tiver. O jogador poderá cair em casas do tabuleiro em que tenha de pagar imposto ao governo. Se o jogador terminou numa casa de propriedade ainda não comprada por nenhum jogador, poderá comprá-la pelo valor impresso no tabuleiro. Se não quiser ou não puder comprar a propriedade, esta será leiloada pelo Banco entre todos os jogadores, incluindo aquele que desistiu de comprá-la. Você deverá construir as suas casas nas suas propriedades o mais rápido que puder (para aumentar o aluguel de quem cair em sua propriedade). Para isso, você precisa adquirir todas as propriedades de um mesmo conjunto (um bairro ou uma cor no tabuleiro) e, nos seus turnos e enquanto for proprietário deste conjunto, adquirir casas ou hotéis para as mesmas. Mas essas construções custam parte de seus recursos. Esses diferentes valores deverão estar impressos no tabuleiro. Se a propriedade tem já um dono, o jogador que aí parou terá que pagar ao proprietário o valor do aluguel correspondente, que estará impresso no tabuleiro. Caso existam casas ou hotéis na propriedade, esse valor será maior. As propriedades que forem empresas podem ser compradas e fornecerão renda a cada rodada, mas nunca terão casas ou hotéis. No entanto, você somente poderá comprar uma empresa se não tiver dívidas. Você deve buscar a ajuda de "amigos empresários", do governo ou do Banco. No tabuleiro, haverá uma casa para o governo, que apenas ajudará quem tiver o patrimônio maior no momento em que cair nessa casa. Os jogadores podem se ajudar como, por exemplo, deixando de cobrar algum aluguel em troca de um benefício futuro. Isso deve ser um acordo entre dois jogadores no momento em que desejarem durante a partida. Mas não é permitido ajudar quem tiver dívidas com o banco. Existem, por fim, a casa em branco em que não acontece nada, a casa da sorte que faz o jogador ganhar uma receita inesperada impressa no tabuleiro e a casa que envia o jogador para a cadeia. Um jogador que termine o movimento na casa cadeia não está preso. Isto só acontece a quem termina na casa "Vá para a cadeia". Para sair da cadeia você precisará tirar dois números iguais nos dados. Após três rodadas na cadeia você poderá sair. É possível sair também com a ajuda do governo que o liberará se você for o jogador com maior recursos no momento ou pagando uma multa impressa no tabuleiro.

2. Ao final do jogo discuta com os seus colegas as seguintes questões: as regras do jogo foram justas? Quais regras especificamente o prejudicaram ou o ajudaram no jogo? Quais regras deveriam ser alteradas para um jogo equilibrado? Essas regras existem "no mundo real"?

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UNIDADE 2 - Trabalho, Política e Sociedade

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A ideia principal dos capítulos que compõem esta Unidade é realizar o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, as quais consideramos como fundamentais para que os estudantes iniciem uma reflexão mais aprofundada sobre os processor e dinâmicas econômicas, sociais e políticas que envolvam as sociedades em geral.

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Capítulo 9 - "Tudo que é sólido se desmancha no ar": capitalismo e barbárie

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LEGENDA: Os EUA representaram, no século XX, o maior exemplo vitorioso do desenvolvimento social e econômico proporcionado pelo capitalismo. Na foto, tirada na década de 1930, em Nova York, trabalhadores da construção civil pendurados em uma viga de aço durante o horário de almoço, no alto - 69° andar - do futuro Rockfeller Center (um dos prédios a ser chamado, na época, de "arranha-céus").

FONTE: Charles C. Ebbets. New York Herald Tribune, Folhapress

A História da humanidade foi marcada pela existência de diversos tipos de sociedades, cada uma delas com características bem distintas. Vamos destacar, neste capítulo, alguns aspectos do modo de produção capitalista, que neste século XXI domina quase praticamente todo o nosso planeta.

E a humanidade inventa o capitalismo...

Os homens, ao longo da História, ao se organizarem em sociedade, estabeleceram formas diferentes de produzir os bens necessários à sua sobrevivência. Pois bem, um desses modos de produção, vigente na grande maioria das sociedades existentes hoje em dia, inclusive no Brasil, é chamado de capitalismo. O que significa? Por que este nome? Como surgiu?

Vamos procurar entender o capitalismo e, assim, compreender a importância do seu estudo, através da resposta a esta última pergunta.

Como se viajássemos na "máquina do tempo", vamos estacioná-la na Europa, durante a Idade Média, entre os séculos IV a XIV (do ano 301 até, aproximadamente, o ano 1400). O modo de produção existente então era conhecido pelo nome de feudalismo.

Uma das características da sociedade feudal era a sua falta de mobilidade social, ou seja, aquele mundo, regido pela Igreja Católica, reproduzia, segundo essa instituição, "a vontade de Deus": se uma pessoa nascesse em uma família pertencente à "nobreza" teria, o que costumamos denominar por "sangue azul", segundo o dito popular, sendo transformada em herdeira das terras em torno do castelo e "ungida" pelo Criador como destinatária de toda a riqueza produzida e dos impostos e taxas pagos pelos que necessitassem atravessar as terras do feudo.

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Mas, se nascesse "servo", seria um "plebeu", nada mais lhe restando do que trabalhar, resignadamente, para o seu senhor durante toda a vida, tornando-se um "abençoado merecedor do reino de Deus" quando viesse a falecer. Este mundo, organizado dessa forma, de "cima para baixo" - ou "de Deus para os homens" -, não poderia sequer ser questionado, quanto mais modificado.

Grandes mudanças, porém, começaram a ocorrer em toda a Europa durante esse período, independentemente da vontade daqueles que detinham o poder e a riqueza. Foram mudanças que aconteceram lentamente, de forma gradativa, praticamente imperceptíveis para quem vivia naquela época.

Entre as diversas mudanças, podemos destacar como muito importante o surgimento de novos grupos sociais: comerciantes, artesãos e camponeses livres. Estes últimos haviam surgido a partir da cessão a grupos de servos, mediante pagamento de taxas e estabelecimento de outros compromissos de obediência, de terras consideradas inférteis ou improdutivas, principalmente em regiões pantanosas. Deve-se registrar que, na Europa do século XII, eram cultiváveis apenas a metade das terras francesas, um terço da atual Alemanha e um quinto da Inglaterra (HUBERMAN, 2010).

Já o grupo social composto pelos comerciantes havia surgido nos entroncamentos das diversas rotas comerciais existentes na Europa, que formavam grandes "feiras" onde eram negociados os valiosos produtos originários do Oriente, com destaque para as chamadas especiarias. Essas feiras acabaram se transformando em verdadeiras cidades fortificadas, inicialmente chamadas de burgos - daí o nome burgueses, pelo qual aqueles comerciantes passaram a ser conhecidos.

Pois bem, como destacamos acima, qual era o modo de produção existente na Europa naquela época? Feudalismo, certo? Mas se você entendeu o funcionamento do feudalismo, pode imaginar que esses novos grupos sociais "não tinham nada a ver" com o antigo sistema social, político e econômico - os camponeses livres - porque, apesar de minoritários, haviam se colocado à margem da servidão feudal e - os artesãos - porque trabalhavam por conta própria nas cidades, aproveitando-se também do renascimento comercial.

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LEGENDA: A cidade de Assis (Itália), um típico burgo medieval.

FONTE: Acervo dos autores

Quanto aos burgueses, deve-se destacar que o seu rápido enriquecimento acabou por gerar mudanças profundas naquela velha ordem, onde não havia lugar e reconhecimento para essa nova classe social. As mudanças abrangiam desde contestações à filosofia da Igreja Católica, que condenava como pecado a obtenção de lucros, os juros e a usura - aspectos de um conjunto de mudanças que resultou na Reforma Protestante -, como também ao poder acumulado pela nobreza feudal.

Neste caso, a burguesia ascendente tratou de reforçar e centralizar o poder na pessoa do rei, numa aliança que fez nascer as chamadas Monarquias Nacionais e que possibilitou as grandes navegações, capitaneadas por Portugal e Espanha. Assim, no meio da ordem feudal, estava sendo gestado, aos poucos, um novo sistema social e econômico, o capitalismo. Com o tempo, ia desmoronando a velha sociedade estamental, como viria depois a ocorrer definitivamente com as revoluções inglesas do século XVII e a Revolução Francesa de 1789.

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Acumulando capital e revolucionando a indústria

O capitalismo se tornou o modo de produção dominante a partir da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra. Entretanto, para o capitalismo vigorar como tal fazia-se necessária uma fase anterior de "acumulação de capital". Vamos entender melhor isso.

Para alguém iniciar um negócio, uma empresa, hoje, é necessário obter capital. A mesma coisa ocorria com os burgueses da época. Então, para entender melhor como surgiu o capitalismo, seu principal estudioso, Karl Marx, se debruçou em pesquisas sobre o que ocorreu na Inglaterra em seu período pré-capitalista. Em sua análise, Marx denominou esse processo como acumulação primitiva de capital. Mas, afinal, o que Marx descobriu em seus estudos? Simples: como as relações de produção pré-capitalistas existentes na Inglaterra eram predominantemente agrícolas, a única forma de se transformar essas relações em capitalistas era através da apropriação da terra pela burguesia, com a total expulsão dos camponeses que lá viviam. E foi exatamente isso o que ocorreu: os camponeses foram expropriados, separados da sua terra, e não lhes restou nada mais que não fosse a venda da sua força de trabalho. Se antes os camponeses eram proprietários, agora eram trabalhadores assalariados. E foram esses trabalhadores que serviram de mão de obra para as indústrias que surgiam, principalmente, mas também para a penetração das relações capitalistas no próprio campo, onde os ex-proprietários foram empregados depois, ironicamente, como assalariados... Segundo Marx, esse foi o "segredo" da acumulação primitiva de capital: transformar radicalmente (revolucionar), à força, as relações de produção até então existentes no campo (cf. BOTTOMORE, 2001, p. 2).

Você talvez pergunte se em toda a Europa o capitalismo surgiu da mesma forma. Bem, este foi o caso analisado por Karl Marx. Mas, e depois, como aconteceu a expansão do modo de produção capitalista? Podemos responder que, de fato, as mudanças ocorreram de formas diferenciadas, em tempos distintos, de acordo com uma série de variáveis. Alguns estudiosos sobre o tema, por exemplo, chamam a atenção para o papel decisivo desempenhado nas cidades europeias pelo comércio, pelas trocas de mercadorias (BOTTOMORE, 2001, p.3). De qualquer forma - considerando como elemento principal do processo de acumulação primitiva de capital - a análise de Marx a respeito da expropriação da terra, com todas as mudanças radicais e violentas que ela proporcionou, podemos dizer que o capital prosseguiu em seu processo de acumulação com a multiplicação dos centros comerciais existentes nas cidades (burgos), mas também, de uma forma extremamente relevante e mais decisiva, através da expansão do chamado "capital mercantil", com a apropriação da riqueza existente em outras terras do planeta, através das grandes navegações e "descobrimentos". Assim, o processo de acumulação de capital foi se desenvolvendo através do financiamento de corsários e piratas (sim, aqueles que vemos nos filmes e desenhos animados), do tráfico de escravos (principalmente os africanos), com o empréstimo de dinheiro a juros por intermédio da organização de instituições bancárias (no mesmo sentido dos chamados agiotas atuais), com o pagamento de salários miseráveis aos artesãos empregados nas manufaturas e, evidentemente, vencendo guerras, comerciando e impondo tratados a países fracos.

Depois da indústria, o comércio passou a ser a atividade mais importante da burguesia inglesa - exatamente como forma de transportar e comercializar os seus produtos industriais. Os comerciantes ingleses e seus navios estavam por toda parte do mundo. Quanto maior a atividade comercial, maior era a concorrência. Cada mercador inglês queria abater seus concorrentes e, para vencer os competidores, era preciso oferecer produtos mais baratos. Então, como baixar cada vez mais os custos da produção?

A resposta estava no uso de máquinas. Desse modo, foi a pressão do mercado que levou a burguesia inglesa a aprimorar suas máquinas e a instalar mais indústrias.

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Mas, o capital depende do trabalho. Ou seja, a burguesia necessitava de operários para instalar suas indústrias e fazê-las operar. Para encontrá-los, era necessário ir ao campo, onde estava a mão de obra.

O aparecimento do capitalismo estimulou os fazendeiros a investir capital na produção agrária. Para desenvolver as áreas de cultivo, ocuparam terras onde habitavam os camponeses e forçaram as famílias a ficar em pequenos territórios cercados. Como eram milhares, imagine o que aconteceu. Os terrenos eram tão pequenos que os camponeses quase não tinham como continuar a viver ali. A saída foi buscar trabalho e moradia em outro lugar. Assim, as cercas expulsaram as pessoas do campo. Conclusão, depois de perder as terras, não podendo trabalhar mais nelas, restou ir para onde? Adivinhou quem respondeu "para as cidades". Para não morrer de fome, eles aceitavam trabalhar por horas e horas nas fábricas, recebendo salários miseráveis.

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LEGENDA: O surgimento da indústria alterou profundamente a paisagem europeia, obrigando os trabalhadores a abandonar os campos e migrar para as cidades. Tela de Philippe-Jacques de Loutherbourg, "Coalbrookdale, à noite" (1801).

FONTE: Acervo do Museu de Ciência de Londres

O desenvolvimento industrial arruinou os artesãos, já que os sapatos e os tecidos eram confeccionados mais rapidamente e de uma maneira mais barata numa fábrica do que nas oficinas dos artesãos, sapateiros ou tecelões. Por tabela, os artesãos também tiveram de buscar emprego de operários nas fábricas. Havia, então, uma multidão de homens e mulheres que não conseguiam mais viver por conta própria. Agora, era pegar ou largar. Era trabalhar para um patrão em troca de um salário - formou-se, assim, uma nova classe social chamada proletariado.

No século XIX, a Revolução Industrial alcançou outros países europeus como França, Alemanha, Itália (norte) e Rússia. Nos Estados Unidos, as primeiras indústrias foram instaladas no final do século XVIII, mas o seu desenvolvimento se deu na segunda metade do século XIX.

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LEGENDA: Trabalhadores e máquinas numa fábrica de velas. Gravura de 1870, de autoria de Ralf Hettler.

FONTE: Getty Images

Assim, o capitalismo inicia-se de forma triunfante, trazendo grandes transformações para a humanidade. As grandes potências mundiais da época eram todas capitalistas. Fábricas, terras, matérias-primas, comércio, bancos, máquinas, tudo pertencia aos capitalistas que manipulavam o capital com um único objetivo: obter lucro, ganhar dinheiro.

A Revolução Industrial trouxe seu símbolo máximo: a máquina a vapor. Era o sinal dos novos tempos: barcos a vapor, trens a vapor, ferros de passar roupa a vapor, banhos a vapor etc. Começou, então, a produção em massa, e o desejo do lucro tornou-se um ideal a ser seguido.

As pequenas oficinas tornaram-se grandes fábricas, apareceram as chaminés, construíram-se pontes, túneis, minas...

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Enfim, o capitalismo colocou tudo a seu serviço. Ou, como diziam Marx e Engels em 1848: "tudo que era sólido se desmancha no ar" (MARX; ENGELS, 1998, p. 11).

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LEGENDA: O trem a vapor foi um dos símbolos - e um dos motores - da Revolução Industrial.

FONTE: Getty Images

Mas nem tudo era progresso. A situação daqueles que construíam tudo - os operários - era cada dia pior. Não havia leis trabalhistas que os protegessem, eram proibidos de organizar sindicatos, não tinham aposentadoria, não recebiam horas extras, não tinham assistência social. Educação para os filhos dos operários? Nem pensar!

O regime de trabalho das fábricas na Europa era o pior possível para os trabalhadores. Mas quem eram esses operários? Crianças, mulheres grávidas etc., que trabalhavam de 12 a 18 horas por dia. Então, você deve perguntar: se os operários faziam tudo, por que o Estado e os políticos da época nada faziam para melhorar essa situação?

Ora, o Estado era capitalista. Os políticos representavam os capitalistas, os juízes faziam leis para proteger o capital, a polícia tinha a função de fazer cumprir essas leis. Os trabalhadores não sabiam, de início, como reagir. Mas, na sua revolta inconsciente, com medo, eles identificavam nas máquinas o grande inimigo público, e tratavam de destruí-las.

Porém, os capitalistas reagiram. Em 1812, o parlamento inglês aprovou uma lei condenando à pena de morte reivindicações de melhores salários e a diminuição da jornada de trabalho, o aumento da produção e os lucros. E mais: diziam que leis que beneficiavam os trabalhadores prejudicariam o bom andamento dos mercados, dos negócios e do livre-comércio, isto é, da concorrência.

Mas, apesar de toda essa pressão dos capitalistas, os sindicatos sobreviviam e cresciam.

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LEGENDA: A exploração da mão de obra infantil era uma prática constante do processo de acumulação de riquezas proporcionado pela Revolução Industrial. Menina trabalhadora em indústria de algodão, fotografada entre máquinas de fiação. Newberry, Carolina do Sul, Estados Unidos da América, 1908.

FONTE: Wikimedia Commons




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Concorrência e monopólio

O que caracteriza o modo de produção capitalista são as relações assalariadas de produção (trabalho assalariado). Tais relações baseiam-se na propriedade privada dos meios de produção pela burguesia.

A burguesia possui as fábricas, os meios de transporte, as terras, os bancos etc. O trabalhador não é obrigado a ficar sempre na mesma terra ou na mesma fábrica; ele é livre para se empregar na propriedade do capitalista que o aceitar. Como não são proprietários dos meios de produção, os trabalhadores são obrigados a trabalhar para os proprietários do capital.

Como vemos, no capitalismo há duas classes principais: a burguesia e os trabalhadores assalariados (ou proletariado).

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Se o capitalismo é movido pelo desejo de lucro, para aumentar os seus lucros, os capitalistas procuram aumentar a produção através do aperfeiçoamento técnico, da exigência de maior produtividade dos operários, de uma maior racionalização do processo de produção.

Deve-se registrar que a ascensão do poder político e econômico da burguesia, descrito na seção anterior, foi acompanhada pela formulação de um conjunto de ideias que justificaram essa nova sociedade que estava surgindo nesse processo tão violento de mudanças. Como essas teorias se contrapunham ao Estado moderno absolutista, com um poder autoritário e centralizado por uma monarquia, e que controlava rigidamente a atividade econômica (mercantilismo), as "palavras de ordem" empunhadas pela burguesia nesse momento da História destacavam, com muita força, ideais como a igualdade e, em especial, a liberdade. Esses ideais se transformaram em princípios que deveriam ser seguidos por todos os indivíduos, em toda a sociedade, tanto na política quanto na economia.

Na política, o grande marco desse processo de mudanças foi a Revolução Francesa, em 1789, que teve como um de seus resultados a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que afirmava que "todos eram iguais perante a lei". A Revolução Francesa consagrou o lema igualdade, liberdade e fraternidade.

E como se daria a relação entre a política e a economia, segundo esses pontos de vista? Ora, como contraposição ao mercantilismo como uma política de intervenção direta do Estado na atividade econômica, os defensores desses princípios, como Adam Smith (1723 - 1790) e David Ricardo (1772 - 1823), diziam que as principais funções do governo deveriam ser limitadas a somente três: proteger a propriedade, não interferir no lucro e preservar a paz.

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FONTE: Laerte

Esses economistas eram chamados de liberais e suas teorias, de liberalismo.

O liberalismo, de uma maneira geral, foi o nome dado ao conjunto de ideias que se contrapunha ao absolutismo vigente na Europa. Essas teorias surgiram ao longo dos séculos XVII e XVIII e serviram de suporte às revoluções capitalistas que ocorreram desde então, assim como à luta pela independência dos Estados Unidos da América. A ascensão da burguesia ao poder, portanto, foi acompanhada por elaborações teóricas em defesa da liberdade individual, sob o ponto de vista econômico e político - como servem de exemplo as frases citadas de Smith e Ricardo.

Desde a Revolução Industrial, os capitalistas continuavam à procura da expansão de seus negócios e à busca por lucros cada vez maiores. Com as revoluções que ocorreram em vários outros países da Europa e nos Estados Unidos, o capitalismo prosperava cada vez mais.

Em meados do século XIX, as indústrias iniciaram uma fase de grande concorrência e, para disputar os mercados, elas começaram a diminuir os preços. Essa concorrência se transformou numa "prova de resistência" para diversos capitalistas. Vamos explicar!

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Para abaixar os preços, era necessário aumentar a produção e colocá-la no mercado. Com isto, era necessário ampliar o mercado. E, para não falir, os pequenos capitalistas precisavam continuar produzindo como os grandes. Mas, para produzir, precisavam de dinheiro. Porém, o dinheiro estava nos bancos, que se aliavam aos grandes capitalistas. Assim, faliram muitos pequenos empresários.

Na lógica capitalista, portanto, sobreviviam somente os "mais fortes". As companhias de ferro, carvão etc., ligadas aos bancos, estabeleciam o monopólio. Ou seja, definiam o grupo de empresas que dominaria o mercado, controlando a quantidade de bens à disposição dos consumidores e, sem concorrência, estabelecendo os preços. Instalado a partir do final do século XIX, o capitalismo monopolista resiste até hoje.

A partir daí, o capitalismo dá passos gigantescos, produzindo, com suas indústrias, uma quantidade cada vez maior de mercadorias.

A crise: superprodução de mercadorias e imperialismo

A situação das economias capitalistas se tornou dramática no século XIX, pois o mercado ficou "inundado" de mercadorias. Esse processo foi nomeado pelos economistas como uma "crise de superprodução", ou seja, muitas mercadorias e poucos consumidores, resultando, daí, uma crise econômica.

Para Karl Marx, o capitalismo era irracional. Ele tentou provar que a concorrência entre empresas acabaria mergulhando a economia capitalista num terrível caos. Para ele, volta e meia haveria terríveis crises econômicas, com falências, desempregos, aumento da miséria e da violência. O capitalismo se tornaria cada vez mais ineficiente, desperdiçando recursos, causando miséria e insegurança. Pois se, por um lado, com a crise de superprodução, as indústrias demitiam operários para baixar custos e prejuízos, por outro, piorava mais a situação dos operários que, na prática, eram os consumidores das mercadorias. É isto que Marx chama de irracionalidade econômica do capitalismo, já que não se produz mercadoria como valor de uso, mas como valor de troca. Isto significa dizer que, se não houver gente (consumidores) para comprar as mercadorias, estas perdem o seu valor.

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FONTE: Latuff

No final do século XIX, os representantes do capital, preocupados com a falta de mercado nos seus próprios países, partiram para novos espaços geográficos para tentar resolver a crise. Encontraram como uma das soluções a colonização da África e da Ásia. As empresas capitalistas e as nações europeias fizeram a partilha do continente africano em colônias para conseguir expandir seus mercados e conseguir mão de obra e matéria-prima baratas. Dessa época até hoje, a história de muitos países latino-americanos, africanos e asiáticos é a de submissão aos interesses do capitalismo monopolista da Europa e dos Estados Unidos. Essa situação de submissão política e econômica, provocada pelos interesses capitalistas, passou a ser conhecida desde então sob o nome de imperialismo.

Segundo Lênin, o imperialismo é o capitalismo na sua maturidade (cf. LÊNIN, 1982). O capitalismo monopolista estende ao resto do mundo seu domínio econômico e, por tabela, militar.

A título de exemplo, veja o que dizia o general Smedley Butler, que passou trinta e três anos e quatro meses no Corpo de Fuzileiros Navais como agente de segurança do capital americano:

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Boxe complementar:

Desde segundo-tenente até general, passei a maior parte do tempo servindo de guarda-costas para Wall Street e seus banqueiros.

Assim, ajudei a transformar o México num lugar seguro para os interesses petrolíferos americanos em 1914.

Ajudei a fazer de Cuba e Haiti lugares decentes para que os rapazes do City Bank pudessem recolher seus lucros em paz.

Ajudei a purificar a Nicarágua para que os irmãos Brown pudessem instalar seus bancos, entre 1909 e 1912. Limpei o terreno na República Dominicana para os interesses açucareiros norte-americanos, em 1916.

Na China, em 1917, colaborei para que a Standard Oil fizesse seu trabalho. Eu tinha, como diriam os rapazes do gatilho, uma boa quadrilha.

Fui recompensado com honrarias e promoções. Voltando, agora, os olhos ao passado, acho que poderia dar umas boas sugestões a Al Capone.

(citado por NOVAES; RODRIGUES, 2008, p. 108)

Fim do complemento.

Competição capitalista e barbárie humana

Como vimos, o modo de produção capitalista funciona sob certas condições: concentração da propriedade privada dos meios de produção nas mãos da burguesia; uma mão de obra destituída de qualquer propriedade, a não ser sua própria força de trabalho; a livre-concorrência entre as empresas e, por fim, um conjunto de leis e ideias que garantam seu funcionamento.

A livre-concorrência e as ideias que a justificam influenciam quase todas as relações sociais entre os indivíduos na sociedade em que vivemos e, por sua vez, criam, e estão criando até hoje, relações sociais e com a natureza que podemos denominar de barbárie.

Barbárie significa, aqui, industrialização do homicídio, exterminação em massa graças às tecnologias científicas de ponta, impessoalidade do massacre. Populações inteiras - homens, mulheres, crianças e idosos - são "eliminados" nesse processo. Gestão burocrática, administrativa, eficaz, planificada, "racional" (em termos instrumentais) dos atos bárbaros; ideologia legitimadora do tipo moderno: "biológica", "higiênica", "científica" (e não religiosa ou tradicionalista); destruição indiscriminada da natureza, como as queimadas na Amazônia, a poluição do ar e da água - prejudicando e colocando em risco a vida na Terra - e todos os crimes contra a humanidade, genocídios e massacres dos séculos XX e XXI.

O porquê disso tudo? Simples. O capital não tem fronteira, pois a indústria madeireira não está preocupada com os riscos ambientais ao cortar as árvores na Amazônia, a indústria petrolífera pouco se importa com a poluição. Enfim, o que interessa é vender e lucrar e não o bem-estar dos indivíduos. Ou melhor, desde que o indivíduo tenha dinheiro para comprar coisas, o resto não interessa.

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LEGENDA: O domínio imperial dos EUA representado por um grupo teatral.

FONTE: Jorge Araújo/Folhapress

É sob a lógica dos lucros que se promovem guerras, produção de armas etc. Milton Santos (2002), um geógrafo brasileiro, afirma que existe sob a sociedade capitalista uma ausência de compaixão e, ainda, que a competitividade tem a guerra como norma, é uma competitividade em estado puro. Há, a todo custo, que vencer o outro, esmagando-o, para tomar seu lugar, gerando comportamentos que justificam todo desrespeito às pessoas.

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Aliás, nos lançando um desafio intelectual, um pensador norte-americano, Noam Chomsky (1999), no título de uma das suas obras, pergunta o que devemos escolher: o lucro ou as pessoas? Mas, enfim, existirá uma alternativa de vida além do capitalismo?

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FONTE: André Dahmer

Uma alternativa ao capitalismo

Desde o século XIX, quase todos os dias aparecem nos jornais, nas revistas, na boca dos políticos e por todo lado alguma frase, pensamento ou ideias sobre socialismo, comunismo etc. Podemos citar como exemplo a declaração feita por um jogador de futebol, o sérvio Petkovic, que participou, em 2009, do time campeão brasileiro pelo Flamengo. Entrevistado, em um programa matinal de TV, em fevereiro de 2010, sobre como tinha sido a infância e a juventude na antiga Iugoslávia, ele respondeu o seguinte: "Quando nasci não tinha dificuldade nenhuma. Era um país maravilhoso, vivíamos um regime socialista. Todo mundo bem, todos tinham salário, todos tinham emprego. Problemas aconteceram depois dos anos 80."

Depois de 1980, como veremos no final deste capítulo, uma série de acontecimentos pôs fim à experiência socialista da URSS e dos países do Leste Europeu e Balcãs - como foi o caso da Iugoslávia, terra natal desse jogador.

Continuando nosso comentário sobre a percepção que muitos têm a respeito do socialismo, numa pesquisa sobre juventude, publicada pela Fundação Perseu Abramo, em 2005, apurou-se que 52% de jovens, entre 15 e 24 anos de idade, acreditam que o socialismo continua sendo uma alternativa para resolver os problemas sociais. Veja o gráfico que expressa essa opinião e responda: pensando na solução dos problemas sociais, qual das seguintes frases se aproxima mais do que você pensa sobre o socialismo?

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FONTE: Fonte: BRANCO; ABRAMO, 2005, p. 407. Gráfico elaborado pelos autores.

Mas, o que é realmente o socialismo?

Vimos, anteriormente, que a situação dos trabalhadores no início do desenvolvimento capitalista na Europa era a pior possível.

Nessa situação, surgiram contestações à ordem vigente, crítica ao capitalismo e propostas de nova organização da sociedade. Não existiam somente as ideias dominantes do liberalismo e do capitalismo reinante.

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Na década de 1830, apareceram pensadores ingleses e franceses que eram chamados de socialistas. Eles acreditavam que a economia não deveria beneficiar poucos indivíduos (a burguesia), mas toda a sociedade. Em vez da competição do mercado, propunham a cooperação. Os socialistas pensavam que as mudanças podiam ser planejadas e que se deveria arquitetar uma nova sociedade, mais justa, mais harmônica, mais racional. Os primeiros foram Robert Owen e Charles Fourier.

Porém, os socialistas que mais influenciaram as gerações de futuros críticos do capitalismo foram os pensadores alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1829-1895). Foram os fundadores do Socialismo Científico, hoje chamado de marxismo. Suas ideias partiam das seguintes perguntas: Por que existem os problemas sociais? De que modo é possível superá-los? Ao contrário de outros pensadores da época, eles acreditavam que os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo.

Marx e Engels achavam que somente o estudo científico da sociedade poderia responder a essas questões. Segundo eles, Robert Owen e Charles Fourier eram socialistas utópicos, porque acreditavam que o mundo poderia mudar pela boa vontade da burguesia, pelo exemplo de pequenas comunidades ou pelas pessoas entusiasmadas por livros que descreviam belamente a sociedade futura. Marx e Engels ridicularizaram essas esperanças. Para eles, havia uma única força social capaz de transformar o mundo: o proletariado.

De fato, os socialistas utópicos esperavam, por exemplo, que algum empresário doasse dinheiro para construir uma comunidade livre de exploração e opressão de uma classe sobre outra. Entretanto, tais pensadores contribuíram muito, com suas ideias, para despertar a consciência crítica a respeito do mundo capitalista que estava se formando.

Para os fundadores do marxismo, o proletariado, por conta própria, tinha força para construir uma nova sociedade. Em 1848, declararam que a emancipação da classe trabalhadora é obra da própria classe trabalhadora. A partir daí, ocorre uma inversão de valores. Durante séculos, houve indivíduos preocupados com a pobreza e a opressão, que sempre olharam os trabalhadores como "infelizes" que precisavam de alguém para protegê-los. Porém, Marx tinha a certeza de que os únicos que podiam fazer algo pelos trabalhadores eram eles mesmos. Na sua obra mais famosa, O Capital, de 1867, demonstrou com dados econômicos que o capitalismo era um sistema injusto e irracional. Injusto porque só haveria um meio de a burguesia lucrar: explorando a força de trabalho do proletariado. Ou seja, não existem bons e maus patrões. No capitalismo, os patrões são obrigados a explorar seus empregados. Caso contrário, não teriam lucro e iriam à falência. Portanto, a exploração é inevitável. A única forma de acabar com a exploração seria eliminando o capitalismo.

Como se pode perceber, a partir do que foi dito, a burguesia e o proletariado, que são as classes sociais fundamentais do capitalismo, são totalmente antagônicas. Isto significa dizer que a burguesia, que é numericamente uma minoria, somente pode existir em função da existência e da submissão da maioria, o proletariado.

No capitalismo, os meios de produção estão nas mãos da burguesia. Logo, para não morrerem de fome, os trabalhadores precisam se submeter a ela. Recebem um salário e, em troca, sua capacidade de trabalhar fica à disposição de um patrão, que procura explorá-la ao máximo. Desse modo, o valor do trabalho realizado pelo operário acaba sendo maior do que o salário que recebe. Mas tudo que o proletariado produz além do valor do seu salário fica com o patrão. Essa é a origem de seu lucro. Marx chama essa diferença de mais-valia.

Como vimos, para Marx, o capitalismo também era irracional, devido à concorrência generalizada entre as empresas, resultando em crises econômicas violentas. Então, no momento em que a crise capitalista estivesse acontecendo, o proletariado deveria estar organizado para assumir o poder político e construir uma nova sociedade.

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FONTE: willtirando

Para Marx, o capitalismo era injusto e irracional porque estava baseado na propriedade privada dos meios de produção. Para solucionar este problema, Marx afirmava que o capitalismo precisava ser destruído a fim de que os trabalhadores se tornassem donos de todos os meios de produção. Ou seja, o proletariado deveria expropriar a burguesia e fundar uma sociedade socialista. Nessa nova sociedade, terras, bancos, minas e fábricas pertenceriam a todos aqueles que produzissem e trabalhassem. Tudo seria de todos e os frutos do trabalho coletivo distribuídos de acordo com a produção de cada um. Dessa forma, ninguém exploraria ninguém.

Marx e Engels concluem, portanto, que a história de todas as sociedades existentes é a história das lutas de classes. Esta se tornou uma das frases clássicas do Manifesto do Partido Comunista, redigido pelos dois em 1848. Este antagonismo entre as classes sociais encontra a sua maior radicalidade exatamente no capitalismo - sistema em que o proletariado não teria nada a perder, como afirma o Manifesto, a não ser as suas correntes.

Boxe complementar:

A história de todas as sociedades até agora tem sido a história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro das corporações e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns aos outros e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito.

Nas épocas anteriores da História, em quase todos os lugares, encontramos sociedades estruturadas em vários segmentos, em uma hierarquia diferenciada das posições dos indivíduos. Na Roma Antiga, temos patrícios, guerreiros, plebeus e escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, membros de corporações, artesãos e servos; além disso, em quase todas essas classes, novas subdivisões.

A moderna sociedade burguesa, que surgiu do declínio da sociedade feudal, não aboliu as contradições de classe. Ela apenas colocou novas classes, novas condições de opressão e novas formas de luta no lugar das antigas.

Nossa época - a época da burguesia - caracteriza-se, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade se divide, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas: a burguesia e o proletariado.

(MARX; ENGELS, 1998, p. 8)

Fim do complemento.

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Baseados nessas análises, a partir da segunda metade do século XIX, surgiram vários movimentos de trabalhadores que lutaram contra o sistema capitalista e promoveram uma série de revoltas, insurreições e revoluções.

Tentaram, mas não conseguiram!

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels afirmavam também que o proletariado precisava construir o seu partido para tomar o poder político e derrubar o capitalismo e a burguesia.

Não podemos, aqui, confundir comunismo e socialismo. Para Marx, socialismo seria a primeira etapa de construção de uma nova sociedade, em que os operários, depois de derrubarem a burguesia, instalariam um novo Estado, chamado de Estado Operário.

Com o desenvolvimento desse Estado, baseado na ampliação da participação dos produtores de riqueza nas decisões econômicas e políticas da sociedade, aos poucos, os indivíduos perceberiam que o Estado não seria mais necessário, evoluindo para uma sociedade comunista, em que todos deveriam desfrutar de todas as riquezas produzidas, extinguindo definitivamente as desigualdades e a exploração do homem pelo homem.

Mas é somente em 1917, com a Revolução Russa, que estas ideias socialistas tomam corpo, através do Partido Bolchevique, liderado por Lênin, Trotsky, Stalin e outros comunistas russos.

A Rússia dos primeiros anos do século XX, governada pelos tzares (imperadores), era um dos países mais pobres e opressores do mundo. Em novembro de 1917, operários e camponeses, guiados por Lênin e pelo Partido Bolchevique, fizeram uma revolução. Foi a primeira tentativa na História de se construir uma sociedade socialista.

Vladimir Lênin (1870-1924), o grande líder da Revolução Russa, em 1917, num de seus mais famosos livros - O Estado e a Revolução -, escreveu que o socialismo só poderia ser realmente válido com um regime democrático, em que o poder fosse exercido pelos próprios trabalhadores. Afirmava que o Estado, após a revolução vitoriosa, se extinguiria paulatinamente, conforme defendia Marx.

O Partido Bolchevique, na Rússia revolucionária, incumbia aos sovietes (comitês de soldados, camponeses e operários), em caráter transitório, o exercício do poder de Estado, baseado na ampla democracia e participação operária e camponesa nas decisões econômicas do país. Isso até que se chegasse ao autogoverno dos trabalhadores - o comunismo - com o fim do Estado e de todas as formas de opressão. Outra ideia fundamental de Marx e Lênin era que esse processo de mudanças revolucionárias deveria ser internacional e não restrito a um país ou grupos de países.

De fato, nos primeiros seis anos da Revolução Russa, os sovietes cumpriram um papel muito importante no desenvolvimento econômico e social russo, controlando o Estado e melhorando as condições de vida do povo.

Porém, logo que tomaram o poder, os bolcheviques passaram por várias dificuldades: estavam isolados no mundo e enfrentavam, simultaneamente, uma guerra civil promovida pela burguesia para retomar o poder, e a apatia dos trabalhadores já cansados de tantas guerras e fome. Convém lembrar, ainda, que, nessa época, a Rússia estava envolvida com a Primeira Guerra Mundial.

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LEGENDA: A estrela vermelha é um dos símbolos da Revolução Russa de 1917.

FONTE: Public-domain-image.com

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LEGENDA: Lênin, líder da Revolução Russa.

FONTE: Public-domain-image.com

A partir de 1922, a revolução socialista iniciada na Rússia se dissemina - com a devida "contribuição" do exército russo - para as repúblicas vizinhas, constituindo a partir de então a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS.

Em 1924, Lênin morre. Mas, antes de falecer, ele se preocupou com o que chamava de deformação burocrática do socialismo. Muitos operários e camponeses, líderes da revolução, tinham morrido na guerra civil ou haviam entrado para o Partido Bolchevique e se acomodado demais. Lênin estava preocupado porque as organizações dos operários (os sovietes) tinham perdido a autonomia e os funcionários do partido estavam acumulando muitos poderes. Principalmente o chefe dos burocratas, Stalin, considerado rude e agressivo.

Após a morte de Lênin, houve uma disputa de poder entre os dois mais importantes dirigentes russos, Leon Trotsky (1879-1940) e Josef Stalin (1878-1953). Trotsky defendia a expansão da Revolução a outros países, pois achava que a restrição do socialismo a um único país, com o consequente isolamento da URSS, levaria, de forma inevitável, ao fracasso da Revolução. Essa teoria foi intitulada por ele como "revolução permanente". Já Stalin defendia a tese que a URSS era um país enorme, cheio de recursos naturais, com uma população grande, e que, por isso, seria possível construir o socialismo somente na URSS, para depois expandi-lo a outros países. Esta ideia foi chamada de "socialismo num só país".

O fato é que Stalin estava acumulando muitos poderes, e tamanha foi sua potência que, dentro do Partido, as ideias de Trotsky foram derrotadas e, pouco tempo depois, foi obrigado a abandonar o país, em 1927.

Stalin, então, tornou-se senhor todo poderoso da URSS, um verdadeiro ditador socialista. Quase um "czar comunista". Durante seu governo, milhares de comunistas foram presos e fuzilados. Stalin teve pleno poder até o dia de sua morte, em 1953. E exerceu esse poder como ditador.

Como vimos, de acordo com a teoria de Marx, Engels e Lênin, na sociedade socialista o Estado se dissolveria aos poucos. Os trabalhadores administrariam as empresas e a economia. Democraticamente, a própria sociedade se autogovernaria. Lênin acreditava que os sovietes teriam cada vez mais poder para decidir no lugar do Estado. Porém, nada disso aconteceu na antiga URSS.

No tempo de Stalin, o Estado inchou e passou a engolir tudo, decidir tudo, e os sovietes perderam o poder. A URSS era uma ditadura em que Stalin e o Partido tomavam todas as decisões. Quem criticasse o poder ia para a prisão na Sibéria (onde as temperaturas chegavam a dez graus abaixo de zero). A imprensa era única e pertencia ao Partido, os livros escolares só divulgavam as ideias do Partido e dos dirigentes do estado. O governo soviético se autoproclamava a "ditadura do proletariado", inspirado nos ideais marxistas. Mas, como o proletariado podia cada vez menos dar palpites, melhor seria dizer a "ditadura da burocracia".

Esse último termo - ditadura da burocracia - era a grande crítica de Trotsky ao regime soviético. Esse revolucionário russo afirmava que os princípios escritos por Marx, Engels e Lênin jamais foram praticados, pois a realidade do país era completamente diferente das ideias originais deles.

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Para Trotsky, o que existia na URSS era uma ditadura da burocracia do Partido Comunista ou, como dizia Lênin, uma degeneração burocrática da Revolução Socialista de 1917. As conquistas econômicas da Revolução se mantinham, o que fez a URSS se tornar uma grande potência mundial, porém, a "democracia operária" fora abortada pelos burocratas do Partido Comunista.

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LEGENDA: Trotsky, um dos dirigentes da Revolução Russa de 1917.

FONTE: Shutterstock

Outras revoluções seguiram o mesmo rumo da soviética, ao longo do século XX: a da China, a do Leste Europeu, a do Vietnã e a de Cuba. Nesta última, podemos encontrar até mais elementos de democracia. Entretanto, existe um partido único, uma imprensa única e não há eleições para o poder central, apesar da grande popularidade de Fidel Castro até hoje.

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LEGENDA: As ideias socialistas continuam presentes entre a população cubana. Foto: Praça da Revolução, Havana, Cuba.

FONTE: Guilherme Tosetto/Folhapress

O mais curioso nessa história foi que, em nome do socialismo, das ideias de Marx e do comunismo, o regime soviético reprimiu opositores, assassinou líderes comunistas e falsificou a história da Revolução Russa. Todas as barbaridades realizadas contra o povo soviético - a falta de liberdade, o partido único, a censura, a repressão, o Estado acima das pessoas... - eram feitas em nome dos princípios comunistas e dos ideais de Marx e do marxismo. A burguesia dos países capitalistas se aproveitou disso e denominou de socialismo real, "regime comunista", "ideias marxistas", tudo aquilo que acontecia na URSS. Em resumo, podemos afirmar que o ideal socialista, de acordo com as ideias de Marx, nunca existiu.

Como você deve ter estudado de forma mais aprofundada o socialismo e o comunismo nas aulas de História e/ou de Geografia (ou vai estudar ainda), no final da década de 1980 e começo da década de 1990 começaram a ocorrer profundas mudanças políticas e econômicas na URSS e nos países do Leste Europeu. Em quase todos caíram os governos do Partido Comunista e foram feitas reformas para tornar mais democrático o sistema político, com eleição direta para os principais cargos. Também a economia passou por profundas alterações, com a diminuição do controle do Estado, a reativação dos mecanismos de mercado e com o restabelecimento da propriedade privada e do capitalismo.

Nesse contexto, surge a ideia, propagandeada pela burguesia dos países capitalistas, de que o fim dos regimes políticos da URSS e do Leste Europeu significaram a falência das ideias marxistas, socialistas e comunistas como alternativa ao capitalismo, e que o capitalismo seria o regime econômico definitivo no futuro da humanidade. Neste contexto, devemos perguntar: existe uma crise das ideias de Marx (ou do marxismo, ou do socialismo) ou falta uma alternativa para o capitalismo?

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Arte

Evolução do desenho dos objetos: uma contribuição da Bauhaus

Dione Lins & Ricardo Pereira

A arte não é algo isolado das demais atividades humanas. Ela está presente nos inúmeros artefatos que fazem parte do nosso dia a dia. Muitas coisas que hoje observamos nos museus, ontem faziam parte do cotidiano do ser humano. Ou seja, temos um convívio diário com objetos que, na sua maioria, não são considerados objetos artísticos - que foram feitos em série nas indústrias e estão agora disponíveis para o consumo de toda a sociedade.

Então, cabe perguntar: se tudo o que nos cerca, se tudo o que as pessoas fabricam fosse arte, fosse "belo", a nossa vida seria outra? Como seriam as nossas vidas se tudo que se fabricasse fosse ARTE?

Foi a isso que respondeu, em 1919, na Alemanha, a fundação da Bauhaus*, uma escola de artes diferente de todas que havia até então - arquitetura, pintura, fabricação de objetos, de cartazes, de tecidos, etc. Foram fundadores ou mestres na Bauhaus muitos arquitetos e pintores hoje bastante conhecidos: Gropius, Paul Klee, Wassily Kandinsky, dentre outros. Estes fizeram profundas transformações nos modos de projetar casas e de fazer pintura e, ao mesmo tempo, se preocupavam com o formato de todos os objetos do nosso cotidiano, porque entendiam que essas questões poderiam influenciar na criação de outra sociedade, em que o trabalho coletivo predominasse, onde a divisão de classes sociais desaparecesse, bem como a distância entre "artista" e "artesão", e onde surgisse um "novo homem".

Os objetos produzidos por esses artistas e artesãos, mestres e aprendizes da Bauhaus colocavam claramente em questão o "belo" estabelecido e o processo de fabricação da arte, ou que envolviam a arte. Foram, na época, usados evidentemente por poucas pessoas e certamente não pelo conjunto de trabalhadores daquela sociedade. Hoje, são peças de museus. Mas, muito dos talheres, dos pratos, das luminárias, das cades traçados pelos criadores da Bauhaus não foram alcançados e a indústria moderna se apropriou do conceito de funcionalidade dos objetos depois de sua refundação pelo artista Lászlo Moholy-Nagy, em Chicago, em 1937, a qual ficou conhecida como New-Bauhaus.

Dione Souza Lins e Luís Ricardo Pereira de Azevedo são professores de Artes. Dione leciona na Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro e é licenciada em Educação Artística - Artes Plásticas, pela UFRJ. Ricardo é professor da Rede Estadual e da Rede Municipal do Rio, e licenciado em Educação Artística - História da Arte, pela UERJ. Ambos são Especialistas em Ensino da Arte pela Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro.

* Instituição artística fundada em Weimar (Alemanha), pelo arquiteto Walter Gropius, transferindo-se para Dessaul, em 1925, e para Berlim, em 1932, onde foi fechada com o advento do nazismo, em 1933. Escola de Arquitetura, Decoração e Design, seu propósito era promover a fusão de todos os aspectos das Artes. (MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1998).

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Quais as principais características do capitalismo?

2 - De acordo com o texto, quais as consequências das crises econômicas no capitalismo? Descreva também as críticas formuladas por Karl Marx.

3 - Como Marx e Lênin entendiam o socialismo?

Dialogando com a turma

1 - O capitalismo promove o progresso da humanidade? Justifique a sua resposta.

2 - Levando em consideração as características do socialismo apresentadas no capítulo, podemos afirmar que ele foi de fato implantado em algum país? Pensando no futuro da humanidade, podemos dizer que o socialismo ainda é uma alternativa possível?

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2010)

O movimento operário ofereceu uma nova resposta ao grito do homem miserável no princípio do século XIX. A resposta foi a consciência de classe e a ambição de classe. Os pobres então se organizavam em uma classe específica, a classe operária, diferente da classe dos patrões (ou capitalistas). A Revolução Francesa lhes deu confiança; a Revolução Industrial trouxe a necessidade da mobilização permanente.

No texto, analisa-se o impacto das Revoluções Francesa e Industrial para a organização da classe operária. Enquanto a "confiança" dada pela Revolução Francesa era originária do significado da vitória revolucionária sobre as classes dominantes, a "necessidade da mobilização permanente", trazida pela Revolução Industrial, decorria da compreensão de que:

(A) a competitividade do trabalho industrial exigia permanente esforço de qualificação para o enfrentamento do desemprego.

(B) a completa transformação da economia capitalista seria fundamental para a emancipação dos operários.

(C) a introdução das máquinas no processo produtivo diminuía as possibilidades de ganho material dos operários.

(D) o progresso tecnológico geraria a distribuição de riquezas para aqueles que estivessem adaptados aos novos tempos industriais.

(E) a melhoria das condições de vida dos operários seria conquistada com manifestações coletivas em favor dos direitos trabalhistas.

2 - (ENEM, 1999)

A Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII transformou as relações do homem com o trabalho. As máquinas mudaram as formas de trabalhar, e as fábricas concentraram-se em regiões próximas às matérias-primas e grandes portos, originando vastas concentrações humanas. Muitos dos operários vinham da área rural e cumpriam jornadas de trabalho de 12 a 14 horas, na maioria das vezes em condições adversas. A legislação trabalhista surgiu muito lentamente ao longo do século XIX e a diminuição da jornada de trabalho para oito horas diárias concretizou-se no início do século XX.

Pode-se afirmar que as conquistas no início deste século, decorrentes da legislação trabalhista, estão relacionadas com:

(A) a expansão do capitalismo e a consolidação dos regimes monárquicos constitucionais.

(B) a expressiva diminuição da oferta de mão de obra, devido à demanda por trabalhadores especializados.

(C) a capacidade de mobilização dos trabalhadores em defesa dos seus interesses.

(D) o crescimento do Estado, ao mesmo tempo em que diminuía a representação operária nos parlamentos.

(E) a vitória dos partidos comunistas nas eleições das principais capitais europeias.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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CATANI, Afrânio Mendes. O que é capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980. (Coleção Primeiros Passos).

De forma clara, este livro reflete o que é o capitalismo a partir de vários autores.

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Além de analisar o desenvolvimento e as crises do sistema no âmbito internacional.

SPINDEL, Arnaldo. O que é comunismo. São Paulo: Brasiliense, 1980. (Coleção Primeiros Passos).

Neste livro se faz uma reflexão sobre o comunismo como o movimento político que surge com a Revolução Russa e que se espalhou por muitos países.

FILMES

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CAPITALISMO: UMA HISTÓRIA DE AMOR (Capitalism: a love story. EUA, 2009). Direção: Michael Moore. Duração: 127 min.

Documentário que apresenta uma análise de como o capitalismo corrompeu os ideais de liberdade previstos na Constituição dos Estados Unidos.

A REVOLUÇÃO DOS BICHOS (Animal Farm, EUA, 1999). Direção: John Stephenson. Duração: 90 min.

Sátira sobre a Revolução Russa e seus desdobramentos. Narra o levante dos animais de uma fazenda, revoltados contra os maus-tratos por parte dos donos.

INTERNET

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ENTREVISTA COM ERIC HOBSBAWM: "O socialismo fracassou, agora o capitalismo faliu; o que virá a seguir?" - http://goo.gl/3Cbd48 Página do jornal Folha de São Paulo que traz uma entrevista realizada em 15 de setembro de 2009 com o historiador Eric Hobsbawm. Nessa entrevista, o historiador reflete sobre o capitalismo e o socialismo, e as perspectivas para o futuro. Acesso: janeiro/2016.

ARGUMENTOS EM DEFESA DO CAPITALISMO E EM DEFESA DO SOCIALISMO:

CAPITALISMO: http://goo.gl/PYOmu0

SOCIALISMO: http://goo.gl/i5wk1Q

Dois sites que defendem posições antagônicas. Os argumentos pró-capitalismo constam de vários artigos do Instituto Ludwig von Mises - Brasil (IMB), que se apresenta como "uma associação voltada à produção e à disseminação de estudos econômicos e de ciências sociais que promovam os princípios de livre mercado e de uma sociedade livre". Já os argumentos pró-socialismo podem ser encontrados na revista Socialismo e Liberdade, publicada pela Fundação Lauro Campos (FLC). O site da fundação informa que ela estimula "um pensamento crítico comprometido com os valores do socialismo e da liberdade, e promovendo o debate de proposta programáticas para a transformação social do país". Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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CAPITALISMO - Autores e intérpretes: Ratos de Porão.

A letra é bem direta ao caracterizar os males do capitalismo. Fica a discussão: você concorda?

REVOLUTION - Autores: John Lennon & Paul McCartney. Intérpretes: The Beatles.

Em plena efervescência dos movimentos jovens de 1968, os Beatles tomam posição a respeito do clamor por mudanças. Escute a música e leia a tradução da letra.

FILME DESTAQUE

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A CULPA É DO FIDEL

(La Faute à Fidel)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Julie Gavras

Elenco: Nina Kervel-Bey, Julie Depardieu, Stefano Accorsi, Benjamin Feuillet, Martine Chevallier

Duração: 99 min.

(França/Itália, 2006)

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FONTE: Gaumont /Julie Gavras

SINOPSE:

Anna tem nove anos, mora em Paris e leva uma vida tranquila. Em 1970, a prisão e morte do seu tio espanhol, um militante comunista convicto, muda completamente a vida da sua família. Com isso, aos poucos, a menina adquire uma nova compreensão do mundo.

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Aprendendo com jogos

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Civilization V (2K Games, 2010)

O ESTADO SOMOS NÓS: UMA DEMOCRACIA SIMULADA

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FONTE: Divulgação: Steam

Você teve a oportunidade de conhecer esse jogo, que foi apresentado no capítulo 1: Civilization V é um jogo de estratégia por turnos onde o jogador assume o papel de um líder político de uma civilização à sua escolha e seu objetivo é conduzir a sociedade que se forma à prosperidade. O jogador deve alcançar esse objetivo através do desenvolvimento econômico e cultural. Você criará sua civilização novamente do zero, contando com a experiência anterior. Mas agora você fará isso junto com toda a classe! E através de um processo democrático e participativo. O objetivo do jogo é manter a civilização da turma no primeiro lugar em pontuação do jogo. O objetivo da atividade é experimentar os procedimentos democráticos em sala de aula.

Como jogar:

1. Organize-se em "grupos políticos". Todos os participantes serão políticos e os grupos serão representantes de interesses diferenciados da sociedade fictícia que irão criar. Inclusive, podem se dividir em "partidos". Deixem a criatividade solta! Criem partidos diferentes que irão compor o "Congresso" e não se esqueçam que em uma sociedade democrática há distintos interesses em conflito num congresso! Vocês podem utilizar as três principais possibilidades de vitória do jogo para dividirem os interesses: cultura, tecnologia e desenvolvimento militar. Criem também uma equipe econômica que será a responsável por dar sugestões sobre investimentos e gastos. O congresso e a equipe econômica serão compostas por representantes de todos os partidos.

2. Ao criarem a civilização da turma, façam uma votação inicial para decidir qual será a tecnologia a ser pesquisada e o que será construído na capital. Para fazer as votações de maneira ágil, não há necessidade de fazer votos secretos. Utilize a velha técnica do "levante a mão quem quer...". Deve ser garantido um tempo antes das votações, para que os partidos negociem e os colegas possam convencer uns aos outros de suas propostas.

3. À medida que as construções e pesquisas terminarem no jogo, a turma deve fazer novas votações para decidir qual será o próximo passo.

4. As relações diplomáticas também devem ser decididas em grupo a partir de votação. Elas incluem estabelecer relações diplomáticas e comerciais com outras civilizações controladas pelo computador. A decisão de entrar em uma guerra também deve ser proposta e votada em assembleia.

5. À medida que novas cidades são criadas, elas podem ser entregues a grupos de colegas que terão autonomia na administração da mesma. Não precisa ser para um "partido" necessariamente e isso pode ser decidido pela assembleia. Apenas as decisões referentes às construções que são feitas na cidade Capital da civilização devem ir para a assembleia e nela serem decididas.

6. Se houver mais de uma turma do mesmo ano cursando a disciplina, pode-se organizar uma competição e ao final do prazo combinado (no mínimo 200 turnos) a turma que tiver a melhor pontuação no jogo será a vencedora.

7. Ao fim da atividade, escrevam trabalhos individuais contando as suas experiências como "políticos". Comparem as suas experiências com o que aprenderam na disciplina e com suas ideias sobre o funcionamento da política.

8. Organizem um debate na escola sobre "democracia e neoliberalismo". (Dica: leiam o Capítulo 10)

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Capítulo 10 - "Todo mundo come no Mc Donald's e compartilha no Facebook?" Globalização e neoliberalismo

Em 1848, na Europa, as pessoas não sabiam o que era globalização. O mundo à sua volta, na visão da maioria, estava bem confuso, com revoluções e guerras acontecendo, algumas nações ainda se formando. Leia o texto de Marx e Engels escrito naquele ano:

Boxe complementar:

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção e, por conseguinte todas as relações sociais. (...) A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares.

Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para grande pesar dos reacionários, ela retirou a base nacional da indústria. As indústrias nacionais tradicionais foram, e ainda são, a cada dia destruídas. São substituídas por novas indústrias, cuja introdução se tornou essencial para todas as nações civilizadas. Essas indústrias não utilizam mais matérias-primas locais, mas matérias-primas provenientes das regiões mais distantes, e seus produtos não se destinam apenas ao mercado nacional, mas também a todos os cantos da Terra. Ao invés das necessidades antigas, satisfeitas por produtos do próprio país, temos novas demandas supridas por produtos dos países mais distantes, de climas os mais diversos. No lugar da tradicional autossuficiência e do isolamento das nações surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países. E isso tanto na produção material quanto na intelectual.

Os produtos intelectuais das nações passam a ser de domínio geral. [...] Os preços baratos de suas mercadorias são a artilharia pesada com a qual ela derruba todas as muralhas da China [...]. Sob a ameaça da ruína, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção; força-as a introduzir a assim chamada civilização, quer dizer, a se tornar burguesas. Em suma, ela cria um mundo à sua imagem e semelhança.

A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou cidades enormes, aumentou prodigiosamente a população urbana em comparação com a rural e, dessa forma, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida do campo. Assim como colocou o campo sob o domínio da cidade, [...], as nações agrárias sob o jugo das burguesas, o Oriente sob o Ocidente.

(MARX; ENGELS, 1998, p. 11-12 - os grifos não constam do original)

Frases em negrito: a burguesia a conquistar todo o globo terrestre; criar vínculos em todos os lugares; derruba todas as muralhas da China; Criou cidades enormes, aumentou prodigiosamente a população urbana em comparação com a rural.

Fim do complemento.

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Reparou que destacamos em negrito algumas frases? Pois é, na época em que Marx e Engels escreveram esse texto (1848), o mundo não era como o nosso hoje, em que marcas famosas, por exemplo, invadem todo o globo, imprimem um caráter cosmopolita à sua produção e consumo, empregam matérias-primas de muitos lugares ou entram na China e contribuem para fortalecer e crescer grandes centros urbanos. Calma! Karl Marx não era um bruxo e nem fazia exercícios de futurologia. Mas, a partir de sua análise sobre a lógica de funcionamento do capitalismo, ele acreditava em algumas tendências de desenvolvimento desse sistema econômico que, como veremos neste capítulo, desembocou naquilo que chamamos hoje de globalização, sob o ponto de vista econômico, social, cultural e político. Neste último aspecto, temos também o chamado neoliberalismo.

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LEGENDA: Na globalização atual, os satélites artificiais revolucionaram a comunicação em todo o planeta.

FONTE: Public-domain-image.com

O que é um mundo globalizado e neoliberal?

A palavra globalização tem sido frequentemente utilizada para definir a imensa interligação comercial e cultural que vem ocorrendo de forma acelerada entre os diversos países do planeta, determinada principalmente pela "terceira revolução tecnológica": processamento, difusão e transmissão de informações e, inclusive, de bilhões de dólares em poucos segundos. Portanto, podemos entender que a globalização teria se iniciado no começo dos anos 1980, quando a tecnologia de informática associou-se à de telecomunicações.

Mas, antes de continuarmos a desenvolver este tema, vamos refletir sobre alguns dados estatísticos, publicados por um jornal diário brasileiro, exatamente na época em que a mídia ressaltava, o tempo todo, os benefícios da globalização. Por causa disso, as informações a seguir deixam de ser até surpreendentes.

Boxe complementar:

- Em 1960, os estratos mais ricos da população mundial ganhavam 30 vezes mais que os estratos mais pobres. Em 1994, os primeiros 20% mais ricos acumulavam uma renda 78 vezes superior aos 20% mais pobres, abocanhando 86% de tudo o que foi produzido no mundo.

- O patrimônio conjunto dos 447 bilionários existentes no mundo em 1994 equivalia à renda somada da metade mais pobre da população mundial (cerca de 2,8 bilhões de pessoas).

- Desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945, o comércio mundial cresceu 12 vezes, chegando a US$ 4 trilhões por ano na década de 1990. Mas com 10% da população do planeta, os países mais pobres detêm apenas 0,3% do comércio mundial. Esse percentual equivale à metade do que detinham há 20 anos.

- Nesse mesmo período, o preço dos produtos agrícolas (a principal exportação dos países mais pobres) caiu 45%.

139

Mas os países ricos gastaram US$ 182 bilhões em subsídios à agricultura (a metade de tudo o que colheram). Se esses subsídios fossem diminuídos em 30%, os países ditos "em desenvolvimento" ganhariam US$ 45 bilhões por ano.

- Um terço dos habitantes desses países em desenvolvimento (1,3 bilhão de pessoas) vive com menos de US$ 1 por dia.

- Mais de 90% dos investimentos estrangeiros são efetuados nos EUA, Europa, Japão e oito províncias da China - que, juntos, reúnem um total de 30% da população mundial.

- Das 100 maiores economias do mundo, 50 são megaempresas. A General Motors, por exemplo, possui faturamento superior ao PIB (Produto Interno Bruto) de países como Turquia, Dinamarca e África do Sul.

(cf. Folha de São Paulo: Caderno Especial Globalização, 02 de novembro de 1997)

Fim do complemento.

Você prestou bastante atenção nas informações que acabou de ler? Conseguiu identificar o porquê dos meios de comunicação sempre apresentarem a globalização como positiva para toda a população? "Pois é, mas hoje é diferente", você poderia dizer! Afinal, estes dados se referem a um mundo que ficou no século passado, certo?

Então, vamos atualizar essas informações! Esses dados estão sendo apresentados aqui somente para que você tenha uma ideia de que, no mesmo momento em que a Grande Mídia - ou seja, as megaempresas de comunicação que controlam as informações que circulam na maior parte do mundo - comemorava de forma exaltada a chamada "era da globalização", uma simples análise de alguns números demonstrariam que não havia qualquer motivo para isso...

Segundo estudo divulgado pela Organização das Nações Unidas - ONU, em 2006, mais da metade da riqueza mundial estava nas mãos de apenas 2% dos adultos do planeta, enquanto os 50% mais pobres têm só 1%, com 90% da riqueza concentrada pela população dos países mais ricos (O Globo, 06/12/06, p. 31).

Nesta segunda década do século XXI, no entanto, praticamente não se fala mais em globalização. Apesar da constatação de que, de fato, vivemos em um "mundo globalizado", principalmente em função da rede mundial de comunicações comandada pela Internet, esse termo não aparece com frequência nos noticiários. Pelo contrário, desde 2008 a economia mundial entrou em mais uma crise, de grandes proporções - e, desde então, somente se fala sobre isso, ou seja, sobre a crise e seus efeitos, como, por exemplo, a queda na produção industrial e o aumento do desemprego, principalmente nos países mais pobres.

De acordo com dados apurados pela instituição financeira Credit Suisse, em seu Informe sobre a Riqueza Global, "2015 será lembrado como o primeiro ano da série histórica no qual a riqueza de 1% da população mundial alcançou a metade do valor total de ativos" (FARIZE, 2015). Isto significa dizer que, no ano citado, 1% da população mundial (ou seja, os habitantes que têm bens patrimoniais avaliados em cerca de 760.000 dólares), possuem tanto dinheiro quanto os demais 99% restantes do planeta. Essa diferença enorme só faz aumentar desde 2008, a ponto do Credit Suisse concluir que, se a crise for interrompida, os ricos sairão dela ainda mais ricos, "tanto em termos absolutos como relativos, e os pobres, relativamente mais pobres" (Idem, ibidem). Para ilustrar, confira a seguir um gráfico bastante esclarecedor, baseado no estudo citado acima, publicado no jornal espanhol El País:

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140


Atualizando alguns dados do final do século XX, ficamos sabendo, portanto, que:

- um de cada 100 habitantes do mundo tem tanto quanto os 99 restantes;

- 0,7% da população mundial monopoliza 45,2% da riqueza total e os 10% mais ricos têm 88% do total de bens;

- o número dos muito ricos (patrimônio igual ou superior aos 50 milhões de dólares) diminuiu cerca de 800 pessoas desde 2014, mas o dos considerados "ultrarricos" (patrimônio de 500 milhões de dólares) cresceu para quase 124.000 pessoas.

- levando-se em conta a distribuição dos muito ricos pelos países do mundo, quase a metade (59.000 pessoas) vive nos EUA, 10.000 vivem na China e 5.400 no Reino Unido (FARIZE, 2015).

A dimensão dessa desigualdade foi constatada também pelos estudos desenvolvidos pelo ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, Joseph E. Stiglitz. Em sua obra O preço da desigualdade (2013), ele afirma que "um ônibus que por ventura transporta 85 dos maiores multimilionários mundiais contém tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial" (cf. FARIZE, 2015).

Mas, vamos procurar entender melhor do que estamos falando. Neste capítulo, pretendemos debater exatamente de que forma todos esses dados estatísticos - que representam tanto o período de auge da globalização, nos anos de 1990, quanto à última crise da economia neste século XXI - nos ajudam a entender esse fenômeno da desigualdade sob o ponto de vista sociológico.

Bem, além da ideia de uma interligação acelerada dos mercados nacionais, proporcionada pela Terceira Revolução Tecnológica, a chamada globalização também pode ser identificada com a queda das barreiras comerciais entre os países, provocada pela OMC - Organização Mundial do Comércio.

Esta última ideia aproxima-se daquela que é defendida pelo professor Paul Singer, da USP - Universidade de São Paulo. Para ele, a globalização:

Boxe complementar:

(...) resulta da superação de barreiras à circulação internacional de mercadorias e de capitais. Trata-se de uma expansão dos mercados, antes contidos em fronteiras nacionais ou dentro de blocos regionais de comércio. Essa abertura dos mercados pode resultar de avanços técnicos no transporte e na comunicação e/ ou de mudanças institucionais que consistem, em geral, na remoção de barreiras políticas ao intercâmbio.

(SINGER, 1997, p. 2)

Fim do complemento.

Refletindo sobre esta definição apresentada pelo professor Singer, podemos dizer que a globalização somente pôde ocorrer com o fim de obstáculos legais e territoriais à expansão do comércio, associado à descoberta de novas tecnologias. Se pensarmos dessa forma, podemos inserir na "pré-história" da globalização os grandes descobrimentos que inauguraram a Era Moderna, na Europa, possibilitados pela adoção da bússola e do astrolábio, aliada aos seus progressos na navegação à vela. É claro que essas mudanças somente puderam ocorrer a partir da unificação de reinos europeus, iniciada com Portugal (século XIV) e Espanha (século XV), que resultou na eliminação das barreiras que dificultavam o comércio entre os feudos.

Em 1780, a Primeira Revolução Industrial, na Inglaterra, trouxe como produtos: a ferrovia, a navegação a vapor e o telégrafo (revoluções no transporte e nas comunicações).

Já a Segunda Revolução Industrial - ocorrida na segunda metade do século XIX e caracterizada pela expansão da industrialização para outros países capitalistas como EUA, Alemanha e Japão - foi marcada por uma violenta expansão colonialista em busca de novos mercados e de fontes de matérias-primas, resultando, por exemplo, na partilha do território africano. Essa expansão capitalista ficou conhecida com o nome de Imperialismo e foi a principal causa para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

141

De fato, em todas essas fases da História, nós tivemos interesses que foram favorecidos e outros que foram contrariados, resultando em diferentes lutas políticas. Mas o que de fato acabou ocorrendo durante todo esse período - desde as navegações iniciadas no século XV - foi a expansão do capitalismo, em suas diferentes formas, para além da sua fronteira europeia original. A continuidade dessa expansão até os dias atuais, na forma de um capitalismo financeiro, é que passou a receber o nome de globalização - fenômeno que também é chamado por alguns estudiosos, como François Chesnais (1998), de mundialização financeira.

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FONTE: © Angeli - Folha de S. Paulo 28.02.2005

Além desse caráter financeiro, a atual expansão capitalista é global porque atingiu uma série de países que anteriormente se definiam como pertencentes ao modo de produção socialista. Portanto, à queda do Muro de Berlim, em 1989, e à dissolução da URSS, em 1991, aliou-se a rapidez das comunicações provocada pelos avanços da informática para dar a "cara" dessa globalização que vemos acontecer nos dias de hoje.

Percebendo a globalização como mais uma etapa do modo de produção capitalista é que podemos entender os dados listados no quadro anteriormente apresentado. Michel Chossudovsky (1999) inventou inclusive uma nova expressão: a globalização da pobreza. Ele é bastante claro ao definir a globalização como sendo o resultado da ação das principais instituições financeiras internacionais - como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) - sobre, principalmente, os países do Terceiro Mundo e do Leste Europeu, forçando-os, em função do peso adquirido pelas suas dívidas externas, a aderir a um programa de "reformas" (ou "ajustes") que se alimenta da destruição do meio ambiente, que gera apartheid social, estimula o racismo e os conflitos étnicos e ataca os direitos conquistados pelas mulheres nas últimas décadas.



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Neoliberalismo: liberdade ilimitada para os mercados e os lucros?

Chamamos de neoliberalismo a ideologia que serve de suporte à expansão da atual globalização capitalista. Esse "novo liberalismo" é caracterizado por alguns elementos inspirados no liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX, tais como:

Boxe complementar:

- Maior liberdade de comércio entre as nações (fim de barreiras alfandegárias).

- Redução do aparato do Estado e da sua intervenção na atividade econômica (política orientada para as privatizações de empresas estatais).

- Redução da autonomia e da soberania política e econômica dos países periféricos em favor dos países capitalistas centrais, das suas instituições políticas (como a OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte) e econômicas (FMI, BIRD, OMC), das grandes corporações multinacionais/ transnacionais e do capital financeiro internacional.

Fim do complemento.

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FONTE: Kayser

142

As duas primeiras características do neoliberalismo são decisões políticas tomadas por governos capitalistas extremamente conservadores, visando a resolver a crise econômica que atingiu o mundo nos anos 1970, agravada pela alta dos preços do petróleo, provocada pelos constantes conflitos no Oriente Médio, entre Israel e os países árabes. Essas políticas de redução de custos se opunham ao chamado Estado de Bem-estar Social (Welfare State), como eram caracterizados os países europeus que apresentavam excelentes padrões de vida, com a população assistida pelo Estado nas suas necessidades básicas de saúde, educação e emprego.

As políticas neoliberais começaram a ser implementadas primeiramente na Inglaterra e nos Estados Unidos, nos governos ultraconservadores de Margareth Thatcher (a partir de 1979) e de Ronald Reagan (a partir de 1980), espraiando-se rapidamente para os principais países capitalistas europeus e, nas décadas seguintes, para os países da periferia (Terceiro Mundo) e do Leste Europeu.

Mil novecentos e oitenta e nove foi um ano que serviu de marco para a consolidação das reformas econômicas com a marca neoliberal. Em um encontro, em Washington (EUA), que reuniu ministros da Fazenda de diversos países e economistas e cientistas políticos vinculados ao FMI, ao Banco Mundial e a algumas universidades, foram traçadas as metas a serem alcançadas por todos os governos dos países capitalistas nos anos seguintes. Essas metas, sistematizadas pelo futuro economista-chefe do Banco Mundial, John Williamson, e rotuladas depois como o Consenso de Washington, seriam basicamente as mesmas políticas que já vinham sendo implementadas em diversos países capitalistas centrais e periféricos:

Boxe complementar:

1. Limitação das despesas do Estado, estimulando o fim de todos os subsídios à agricultura ou à indústria. Isto significa que o Estado deve gastar menos, deixando de financiar, com empréstimos, a produção agrícola e industrial. Mas "gastar menos" também subentende - não está escrito, mas ocorreu na prática - diminuir os investimentos em saúde, educação e outras políticas sociais.

2. Liberalização do mercado financeiro. Ou seja, liberdade para investidores de ações apostarem onde quiserem, em qualquer país.

3. Liberalização do comércio, eliminando aos poucos as taxas alfandegárias. Na prática, a importação e a exportação de produtos e mercadorias ficariam cada vez mais isentas de impostos e burocracia.

4. Favorecimento do investimento estrangeiro. Com isto, toda e qualquer empresa estrangeira estaria livre para investir em qualquer país, sem restrições burocráticas.

5. Privatização das empresas estatais. Com esta medida, empresas petrolíferas, de fornecimento de energia elétrica, de abastecimento de água, correios, universidades públicas deveriam ser vendidas (como muitas foram no Brasil e no Chile) para empresas privadas. Assim, na visão dos neoliberais, o Estado não teria mais despesas com elas em termos de investimentos e salários e benefícios de funcionários públicos. Por outro lado, as riquezas geradas por essas empresas não poderiam mais beneficiar a população, pois seriam apropriadas pelos empresários.

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FONTE: Iotti

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FONTE: Kayser

6. Introdução da concorrência nos diversos setores da economia. Ou seja, em todos os setores da economia, sem distinção, teríamos empresas competindo no mercado - esta regra valeria, inclusive, para hospitais e escolas.

7. Garantia legal do direito de propriedade, com respeito às "patentes". Por exemplo: se uma empresa biotecnológica de ponta, americana ou japonesa, do setor, pesquisando ervas medicinais na Amazônia, encontrar um determinado produto e registrá-lo (patenteálo) como "descoberta" sua (mesmo que seja uma erva medicinal cultivada e utilizada há séculos pelos povos indígenas locais), passa a ter exclusividade de produção e direito a receber pagamento pela sua utilização por terceiros.

8. Reforma do sistema tributário. Proposta que significa na prática que os governantes e os deputados e senadores devem criar leis para diminuir os impostos, principalmente dos empresários.

9. Reforma trabalhista. Significa propor que, para diminuir os custos da produção e as despesas dos empresários, o Estado deve se preocupar em acabar como os direitos trabalhistas, tais como, por exemplo, 13º salário, auxílio-férias, o FGTS etc.

Fim do complemento.

O caminho para o qual apontam todas essas reformas é a "desregulação" da economia, ou seja, a ideia de se diminuir ou de até eliminar todos os obstáculos que ainda oferecessem qualquer resistência à chamada livre-concorrência. Na prática, significa dizer que o Estado não deveria mais interferir na economia (no livre mercado), investindo no crescimento econômico do país. Tratava-se, na verdade, da construção de um mundo "paradisíaco" para aqueles que vivem das rendas do capital, como se pode perceber facilmente nas observações que anotamos anteriormente.

O termo consenso - utilizado para identificar esse conjunto de políticas propostas por aqueles que se reuniram em Washington - significa dizer que, teoricamente, todos concordavam com essas políticas, vistas como "boas", "racionais", "lógicas". Seriam a "única alternativa possível" para governos honestos e bem administrados. Deriva daí o surgimento da expressão ditadura do pensamento único, formulada por alguns críticos a essas políticas - o chamado dissenso. Aos países que estivessem "atrasados" em relação a esses itens (como era o caso do Brasil em 1989), restaria apenas a tarefa urgente de se "fazer o dever de casa".

A dominação ideológica do neoliberalismo foi tão forte que, mesmo a chegada ao poder, principalmente no final da década de 1990, de partidos mais progressistas, antes defensores das políticas de distribuição de renda - características do Estado de Bem-estar Social - não significou a retomada do crescimento econômico, a ampliação dos direitos dos trabalhadores e a geração de novos empregos.

Vejamos o caso da Inglaterra: apesar da derrota eleitoral dos políticos conservadores vinculados ao partido da "dama de ferro" Thatcher, na década de 1990, o novo primeiro-ministro, Tony Blair, representante do Partido Trabalhista Britânico (o Labour Party, considerado até então como um partido "de esquerda", legítimo defensor da social-democracia do Welfare State), não só deu continuidade como aprofundou as políticas neoliberais implementadas pelo Partido Conservador.

144

Seu alinhamento com os grandes interesses do capitalismo internacional ficou ainda mais claro com o seu apoio incondicional à invasão militar do Iraque e à deposição de Saddam Hussein, em 2003, com base num pretexto forjado: a necessidade de destruição das armas químicas que o ditador escondia. Revelada a mentira em alguns meses, restou como a única justificativa - esta, sim, comprovada - a ocupação dos riquíssimos campos petrolíferos do país.

Como vão a globalização e o neoliberalismo neste século XXI?

A nova realidade social estabelecida pelas mudanças econômicas e pelas políticas inspiradas no pensamento neoliberal fez surgir o que alguns autores chamam de uma nova pobreza urbana e uma nova exclusão social (cf. WANDERLEY, 1999; REIS, 2002; POCHMANN e AMORIM, 2004). Entretanto, deve-se ressaltar que a ideia de exclusão social trata-se de uma característica que sempre acompanhou o capital, desde os seus tempos mais remotos. Nesse seu novo formato, a exclusão social se configura, enquanto uma característica que não pode ser separada do processo de acumulação capitalista, com a produção em massa de "seres descartáveis" da vida em sociedade. Indivíduos que, segundo Virgínia Fontes, são:

Boxe complementar:

(...) inteiramente desnecessários ao universo da produção econômica. Para eles, aparentemente, não há mais possibilidade de integração ou reintegração no mundo do trabalho e da alta tecnologia. Neste sentido, os novos excluídos parecem seres descartáveis.

(FONTES, 1999, p. 117)

Fim do complemento.

Dados sobre a globalização logo no início do século XXI, divulgados pelo Banco Mundial, confirmaram a afirmação da professora Fontes, demonstrando que, em 2001, de 6 bilhões de habitantes, quase a metade (2,8 bilhões) vivia com menos de dois dólares/dia, enquanto a quinta parte (1,2 bilhão) vivia com menos de um dólar/dia (cf. BANCO MUNDIAL, 2001). Como vimos na análise divulgada pelo banco de investimentos Credit Suisse (2015), no início do capítulo, todos os dados quantitativos sobre a economia global comprovam, sem equívocos, que o atual processo de produção do capital está aumentando a desigualdade e a concentração de renda.

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LEGENDA: Os ataques ao World Trade Center, em Manhattan, Nova York, em 11 de setembro de 2001, podem ser entendidos como parte da barbárie que se espalha pelo planeta neste século XXI.

FONTE: Julen Esteban/Folhapress

Hoje, pode-se tranquilamente usar o termo barbárie como uma referência ao capitalismo do século XXI. Segundo Marildo Menegat, vivemos numa época em que se destaca a natureza cruel das relações sociais, assim como a forte impressão da devastação que vai lentamente transformando as formas das relações humanas e os indivíduos (MENEGAT, 2003, p.19). Eric Hobsbawm assinala, na qualidade de um dos maiores historiadores contemporâneos, que o capitalismo vem perdendo o seu caráter civilizador que havia assumido após as duas Grandes Guerras Mundiais, que trouxeram consequências devastadoras no século XX (HOBSBAWM, 2007, p. 141). Ressalta ainda que a barbárie, na verdade, não diminuiu em intensidade, pois, após o período assinalado, contabilizaram-se, ainda nesse mesmo século, as atrocidades cometidas por regimes militares na América Latina e no Mediterrâneo, com a disseminação da prática (oficial) da tortura física;

145

as guerras religiosas inspiradas por ideias fundamentalistas; confrontos indiretos entre as superpotências mundiais, como foram os casos da Coreia, do Vietnã e do Afeganistão; atos terroristas de origens distintas etc. (cf. HOBS - BAWM, 2007, p. 121-137).

Assim, trazendo as exemplificações para este novo milênio, pode-se enumerar a observação do atual estado de barbárie em diversos fatos recentes, como nos conflitos entre o Ocidente "civilizado" e o "fundamentalismo islâmico", tanto nos atentados terroristas em cidades ocidentais como Nova York, Londres, Madrid e Paris, como também em regiões da Nigéria e do Mali, e na capital de Burkina Faso, na África, em janeiro de 2016, quanto nos genocídios praticados pelas ações militares dos EUA e de Israel no Afeganistão, no Iraque, na Palestina e no Líbano; nas guerras apresentadas pela mídia como motivadas por processos de "limpeza étnica", ocorridas na África e nos Bálcãs, em 2008, assim como na Síria, em 2015; no aumento exponencial do número de famílias vivendo "abaixo da linha de pobreza" em todo o planeta, desde os latinos e negros, vítimas do furacão Katrina, em Nova Orleans - como exemplo dos 37 milhões de miseráveis existentes hoje nos EUA ( O Globo, 30/08/06, p. 31) -, aos moradores dos subúrbios franceses e descendentes de imigrantes, na Europa, até grandes contingentes populacionais de países do antigo Terceiro Mundo, na África, na Ásia e na América Latina. A grande leva de imigrantes que se dirigiram para a Europa a partir de 2015, provenientes da África e do Oriente Médio, causada pela fome e pelas guerras, como é o caso da ação do Estado Islâmico na Síria, é um exemplo de acirramento desse quadro de precarização global da vida e de disseminação do estado geral de barbárie.

No caso do Brasil e dos países do antigo Terceiro Mundo, a barbárie pode ser identificada com a aparente ausência de soluções visíveis para problemas, tais como o aumento explosivo do desemprego crônico, da informalidade, da favelização e da violência urbana - todos eles, de alguma forma, intimamente relacionados.

Em relação às políticas neoliberais, citadas anteriormente, ocorreu uma grave crise econômica que se espalhou a partir dos Estados Unidos, a maior potência capitalista do planeta. Essa crise foi identificada pela grande imprensa em julho de 2007 e teve o seu pico em setembro de 2008: uma série de "especulações" provocou a "quebra" do mercado de imóveis, arrastando diversas empresas financeiras, principalmente bancos, seguradoras e imobiliárias. Qual foi a atitude do governo do presidente americano Barack Obama, recém-eleito naquele momento? Simplesmente, interferiu no mercado financeiro através de um plano de socorro aos bancos e outras firmas, com valores que chegaram ao montante de 8 trilhões de dólares (CHESNAIS, 2009, p. 4, nota 12).

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FONTE: Latuff

Assim como nos EUA, a crise foi amenizada pelo mundo globalizado através de uma série de intervenções dos Estados nas suas economias, evitando a quebradeira geral que se anunciava - fato ocorrido inclusive no Brasil.

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Com essas medidas políticas, estava decretado, pelos seus próprios defensores, o fim do neoliberalismo. Dessa forma, o neoliberalismo revelou-se o que sempre tentou esconder: como mais um mito, uma ideia utilizada pelos grandes empresários capitalistas e disseminada pela sua grande mídia para encobrir seus verdadeiros interesses, como a necessidade de aumentar mais e mais os seus já altíssimos lucros.

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FONTE: Latuff

Mas, infelizmente, quem paga pela crise não são os capitalistas, salvos pela generosa "mão visível" dos governos, mas sempre os trabalhadores. Como alertou o economista francês François Chesnais: dezenas de milhões de trabalhadores serão lançados ao desemprego e centenas de milhões de pessoas consideradas "pobres" verão que a sua pobreza se acentua (CHESNAIS, 2009, p. 14). A previsão do professor Chesnais foi confirmada pela Organização das Nações Unidas - ONU - em fevereiro de 2010. Segundo estudo da instituição, divulgado em um fórum que tinha como objetivo debater os problemas sociais da América Latina, a crise econômica de 2007- 2008, nesta parte do continente, produziu mais 9 milhões de pobres e 2,5 milhões de desempregados (cf. CEPAL, 2010, p. 74).

Então, se voltarmos aos dados que descrevemos no início do capítulo, podemos perceber que o fenômeno da globalização não é tão óbvio quanto nos tenta mostrar a grande mídia.

Boxe complementar:

Agora, para terminar nossas reflexões, vamos pensar no que nós comemos em nosso dia a dia. Junto com o seu professor, pesquise sobre os alimentos que você come e quais são as empresas que os produzem. Depois veja se o que vamos dizer agora se confirma. Ou seja, se você entrar num supermercado, corre o risco de comprar pelo menos um produto das dez maiores empresas (aliás, empresas gigantescas) que dominam o mercado mundial.

A sua comida está globalizada! Ah! Mas, você pode tentar escapar comprando uma goiabada feita artesanalmente. Sim, mas se você imaginar que essa goiabada poderá ficar ainda mais deliciosa se acompanhada com biscoitos, certamente estará comprando um produto de uma dessas empresas.

Fim do complemento.

147

Interdisciplinaridade

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Conversando com a Física

A tecnologia nuclear e os conflitos do século XX: alguma coisa mudou com a "Era da Globalização?"

Thiago Lobo

O século XX ficou marcado pelo grande avanço científico e tecnológico e também pelos grandes conflitos e guerras que assolaram a humanidade.

Na década de 1940, a corrida armamentista foi responsável pelo desenvolvimento de novos mecanismos bélicos, dentre eles, o mais destrutivo já criado pelo homem, a bomba atômica. Durante a Segunda Guerra Mundial, as bombas denominadas "Little Boy" e "Fat Man" foram lançadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ocasionando a morte de milhares de pessoas direta e indiretamente, devido à radiação.

A energia nuclear também passou a ser utilizada nos reatores das usinas nucleares, onde átomos são divididos (fissionados) e geram uma grande quantidade de energia que é utilizada para aquecer a água que circula no interior do reator, impulsionando, desta forma, as turbinas geradoras de energia como numa grande máquina a vapor.

Em muitos países, a energia nuclear é utilizada para complementar outras energias consideradas mais poluentes, como carvão e gás natural, e representa cerca de 15% de toda a energia produzida mundialmente.

O combustível utilizado tanto para a bomba atômica como para o reator nuclear é, em geral, o urânio 235, um isótopo instável do seu irmão mais comum, o urânio 238. A reação nuclear que representa a fissão do urânio pode ser representada pela equação:

235U + n = 140Xe + 94Sr + 2n + E

Onde o átomo de urânio é bombardeado por um nêutron energético (partícula de carga nula que constitui os núcleos atômicos), sendo dividido em dois novos átomos, gerando então a liberação de dois nêutrons e uma grande quantidade de energia. Os nêutrons gerados bombardeiam os átomos de urânio vizinhos, gerando assim uma reação autossustentável denominada "reação em cadeia". A soma das massas do lado direito da equação é menor que a massa do átomo de urânio original. Esta diferença de massa é transformada em energia através da famosa equação de Einstein "E=mc2", onde c é a velocidade da luz no vácuo (c=300.000 km/s).

Apesar de ser considerada energia limpa, a energia nuclear oferece riscos à humanidade. Em abril de 1986, na Ucrânia, a explosão de um reator nuclear na usina de Chernobyl produziu uma nuvem radioativa que se propagou para além das fronteiras do país, ocasionando mortes por envenenamento radioativo e, posteriormente, um aumento expressivo no número de casos de câncer de tireoide. Destaque também para o recente acidente nuclear ocorrido em março de 2011, no Japão, onde um terremoto de 9 graus na escala Richter produziu um tsunami que atingiu a usina nuclear Fukushima Daiichi, provocando um vazamento radioativo.

A Segunda Guerra Mundial foi responsável por alavancar a tecnologia nuclear. As aplicações são vastas e vão desde a Medicina até a área energética, mas infelizmente o uso para fins bélicos ainda é uma realidade nos dias de hoje, confirmando que, como em qualquer tecnologia, existem sempre as vantagens e desvantagens da sua utilização. Portanto, resta à humanidade fazer uma análise criteriosa, pesando riscos e benefícios dessa poderosa fonte de energia.

Thiago Lobo Fonseca é professor de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ. Graduado em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Mestre e Doutor em Física pela Universidade Federal Fluminense - UFF.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Defina globalização e neoliberalismo e aponte suas consequências para os Estados nacionais.

2 - O que significa "globalização da pobreza", segundo Michel Chossudovsky?

3 - Por que o texto afirma, ao final, que o neoliberalismo, na verdade, trata-se de um mito?

Dialogando com a turma

1 - Dê um exemplo de uma das consequências das políticas neoliberais na sociedade e na vida cotidiana dos indivíduos no Brasil e, em seguida, discuta com seus colegas a respeito.

2 - Pesquise informações e dados sobre a grande crise imigratória que ocorreu na Europa a partir de 2015, relacionando-a com as questões e os conceitos apresentados neste capítulo.

Verificando o seu conhecimento

(ENEM, 1998, com adaptações)

Você está fazendo uma pesquisa sobre a globalização e lê a seguinte passagem, em um livro:

A sociedade global

As pessoas se alimentam, se vestem, moram, se comunicam, se divertem, por meio de bens e serviços mundiais, utilizando mercadorias produzidas pelo capitalismo mundial, globalizado. Suponhamos que você vá com seus amigos comer Big Mac e tomar Coca-Cola no Mc Donald's. Em seguida, assiste a um filme de Steven Spielberg e volta para casa num ônibus de marca Mercedes. Ao chegar em casa, liga seu aparelho de TV Philips para ver o videoclipe de Michael Jackson e, em seguida, deve ouvir um CD do grupo Simply Red, gravado pela BMG Ariola Discos em seu equipamento AIWA. Veja quantas empresas transnacionais estiveram presentes nesse seu curto programa de algumas horas.

Adap. PRAXEDES et all, 1997. O Mercosul. São Paulo: Ática, 1997.

1 - Com base no texto e em seus conhecimentos, marque a resposta correta.

(A) O capitalismo globalizado está eliminando as particularidades culturais dos povos da Terra.

(B) A cultura, transmitida por empresas transnacionais, tornou-se um fenômeno criador das novas nações.

(C) A globalização do capitalismo neutralizou o surgimento de movimentos nacionalistas de forte cunho cultural e divisionista.

(D) O capitalismo globalizado atinge apenas a Europa e a América do Norte.

(E) Empresas transnacionais pertencem a países de uma mesma cultura.

2 - A leitura do texto ajuda você a compreender que:

I. a globalização é um processo ideal para garantir o acesso a bens e serviços para toda a população.

II. a globalização é um fenômeno econômico e, ao mesmo tempo, cultural.

III. a globalização favorece a manutenção da diversidade de costumes.

IV. filmes, programas de TV e música são mercadorias como quaisquer outras.

V. as sedes das empresas transnacionais mencionadas são os EUA, Europa Ocidental e Japão.

Destas afirmativas estão corretas:

(A) I, II e IV, apenas.

(B) II, IV e V, apenas.

(C) II, III e IV, apenas.

(D) I, III e IV, apenas.

(E) III, IV e V, apenas.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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BRIGAGÃO, Clóvis; RODRIGUES, Gilberto. Globalização a olho nu: o mundo conectado. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica).

Nesse livro você será convidado a perceber as profundas transformações políticas, econômicas, comunicacionais, culturais, ambientais etc. que a globalização está operando no planeta. Questões essenciais de nossa época são analisadas na perspectiva global.

BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

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Para discutir sobre neoliberalismo, nesse livro você pode ter algumas respostas a essas perguntas: Como se construiu o mito das privatizações? Quais os grupos beneficiados? Por que o Brasil ficou mais pobre depois delas?

FILMES

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O SENHOR DA GUERRA (Lord of War, EUA, 2005). Direção: Andrew Niccol. Elenco: Nicolas Cage, Bridget Moynahan, Jared Leto, Shake Tukhmanyan. Duração:122 min.

Yuri Orlov (Nicolas Cage) é filho de imigrantes ucranianos e que, ainda criança, vai para os Estados Unidos. Seduzido pelo poder e pela riqueza da sociedade norte-americana, o ambicioso Orlov decide ascender economicamente à margem da sociedade, seguindo uma vocação que lhe parece natural: o contrabando de armas.

A DAMA DE FERRO (The Iron Lady, Reino Unido, 2011). Direção: Phyllida Lloyd. Elenco: Meryl Streep, Jim Broadbent, Susan Brown. Duração: 105 min.

O filme mostra a trajetória política e pessoal de Margaret Thatcher, que foi a Primeira-Ministra britânica entre 1979 e 1990 - período em que teve uma série de decisões políticas importantes em suas mãos. O filme mostra, com o recurso de flashbacks, as ações da chamada Dama de Ferro durante os 17 dias que antecederam o conflito da guerra das Malvinas, em 1982. O Governo Thatcher correspondeu ao momento histórico em que o neoliberalismo começou a ganhar força no mundo.

INTERNET

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Pesquisar CHARGES DA GLOBALIZAÇÃO E DO NEOLIBERALISMO: https://www.google.com.br/

Entrar no site de buscas Google e acessar "Google Imagens". Digite as frases "charges da globalização" e "charges sobre o neoliberalismo" que aparecerão dezenas de charges e tirinhas sobre esses temas. Com o auxílio dos recursos da escola, sugerimos a impressão de charges selecionadas e a organização de debates, que podem envolver também os professores de Artes, Língua Portuguesa, Geografia e História. Acesso: janeiro/2016.

GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO: http:// bit.ly/1e55EIz

O atual IFSP - Instituto Federal de São Paulo chamava-se anteriormente - antes da reforma promovida pelo MEC no ensino profissional e tecnológico brasileiro, em 2008 - CEFET São Paulo. Apesar da mudança que ocorreu na instituição, um grupo de professores manteve a página citada neste link, com diversos textos e artigos sobre a globalização e o neoliberalismo. Peça orientação a seu professor para escolher alguns textos e debater com a sua turma. Acesso : janeiro/2016.

MÚSICAS

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PELA INTERNET - Autor e intérprete: Gilberto Gil Pegue a "infomaré" sugerida pelo compositor e navegue pela internet, de Taipé a Calcutá, de Helsinque a Milão. Repare que um ou outro termo utilizado na letra da música já se encontra até ultrapassado (a música é de 1997), tal é o ritmo das mudanças tecnológicas que vivemos hoje.

NEOLIBERALISMO É PIOR AINDA ANTES DA PRIMEIRA REFEIÇÃO DO DIA - Autores e intérpretes: Againe

Segundo a letra, vivemos em "um novo mundo fora de alcance". Mas, fique tranquilo, pois você é uma pessoa especial.

FILME DESTAQUE

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SICKO: S.O.S. SAÚDE

(Sicko)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Michael Moore

Elenco: Michael Moore, Reggie Cervantes, John Graham

Duração: 113 min.

(EUA, 2007)

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FONTE: Dog Eat Dogfilms/ Michael Mooore

SINOPSE:

O polêmico documentarista norte-americano Michael Moore nos apresenta uma das faces mais cruéis do capitalismo em seu país, que se reflete nas condições oferecidas à população pelo seu deficiente sistema de saúde - situação agravada na chamada era neoliberal. Para "ganhar a vida" nos EUA não se pode ficar doente...

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Aprendendo com jogos

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Supercrise da economia mundial

(O Estado de São Paulo, 2011)

O QUE TORNA UMA ECONOMIA FORTE?

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FONTE: Divulgação: O Estado de São Paulo

PIB, inflação, desemprego e juros: palavras que nos acompanham em conversas do dia a dia. Mas o que são esses indicadores econômicos? E como afetam os relacionamentos entre os países e as nossas vidas? É possível que esses termos nos indiquem qual país tem a economia mais forte? Esse é o enredo do jogo Supercrise, baseado no jogo Supertrunfo, em que você irá confrontar as suas cartas com a do computador e disputar com base em uma de suas características. Vence quem for melhor na comparação! Como jogar:

1. Acesse e jogue em http://goo.gl/nOgs6Z

2. Organize-se em grupo com os seus colegas e realize um estudo sobre os termos utilizados nas cartas do jogo, como exemplo de PIB e de "rating". Após isso, responda: como a alta ou a baixa do PIB ou dos juros promovem ou prejudicam a economia de um país (ou setores dessa economia)? Quais são as condições presentes no mundo atual que possibilitam essa relação econômica de grande interdependência entre os países? Por que os problemas experimentados em um país repercutem na economia de (quase) todo o mundo? Quais são as maiores empresas da economia mundial e qual o poder de influência dessas corporações sobre as economias nacionais? Com base na leitura do capítulo 10 do livro, comentem por que a globalização também significa concentração da riqueza mundial? Como o que ocorre com esses termos (PIB, juros, desemprego, rating e inflação) tornam a sua vida e a de sua família melhor ou pior?

3. Faça uma pesquisa junto com os seus colegas sobre o economista Muhammed Yunus que em Bangladesh criou um banco para conceder empréstimos aos pobres, sem preconceitos econômicos ou políticos. Criou, assim, o primeiro banco de micro-crédito, o Grameen Bank. O princípio desse banco é permitir que os mais desfavorecidos, em particular as mulheres, possam ter acesso ao capital para financiar suas atividades. Organize um debate em sala de aula sobre essa experiência.

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Capítulo 11 - "Um novo fast food para você": o mundo do trabalho e a educação

Seremos todos flexíveis, terceirizados e produtivos?

Em reportagem na revista Carta Capital, de 7 de junho de 2000, mostraram-se as profundas alterações nas relações de trabalho. Com o título Novos tempos: fim de carreira, a reportagem descreve a situação de um trabalhador inglês chamado Huser que, depois de onze meses trabalhando, em Londres, no departamento de vendas e marketing da bolsa de valores da Suíça, como diretor, foi dispensado e passou a executar várias tarefas para sobreviver, tais como pintor de paredes e marceneiro.

A reportagem queria demonstrar que está ocorrendo uma verdadeira revolução no mundo do trabalho, com a extinção de várias carreiras profissionais, decorrente do crescimento do trabalho de meio período, da redução dos contratos longos, da proliferação de pequenas empresas e dos chamados freelancers e da substituição da mão de obra (qualificada ou não) pelas novas tecnologias. É a tese do "fim de carreira", ou seja, cresce a cada dia o número de pessoas que não têm compromissos com nenhuma profissão ou vocação.

No início de 2003, no bairro de Madureira, Rio de Janeiro, foi visto, por um professor de Sociologia, um cartaz bastante curioso de um camelô: "Patrão nunca mais: vende-se máquina de pizza". Além da criativa propaganda do trabalhador informal de rua (camelô), a frase reflete os novos tempos: como os empregos estão escassos, é necessário "se virar" e ser o seu próprio patrão, não dependendo de mais ninguém. Isto revela também o aumento do trabalho precário, flexível e sem perspectiva de futuro.

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LEGENDA: Uma revolução tecnológica e gerencial que vem ocorrendo no mundo capitalista substituiu o trabalho mecanizado e em série que marcou o início do século XX.

FONTE: Getty Images

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Outro sinal dos novos tempos no mundo do trabalho é o discurso oficial das escolas técnicas no Brasil. Os estudantes entram nessas escolas banhados da ideia de que, fazendo qualquer curso profissionalizante, estarão prontos para se tornar "empregáveis", pois seria a qualidade dos cursos que determinaria a possibilidade de conseguir um lugar no mercado de trabalho, quando, ao final de três ou quatro anos, pudessem demonstrar suas habilidades e competências. Em outras palavras, a educação não é mais destinada à qualificação integral para a cidadania e para o mundo do trabalho.

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LEGENDA: Os estudantes brasileiros se matriculam nas escolas técnicas para adquirirem habilidades e competências que os tornem "empregáveis".

FONTE: Acervo dos autores

Depois de analisar o fenômeno da globalização, vamos estudar as grandes transformações no mundo do trabalho, no contexto da globalização e do neoliberalismo, suas consequências para os trabalhadores e para os capitalistas e, também, possibilitar uma reflexão aos estudantes a respeito de suas possibilidades de inserção num mercado de trabalho reestruturado, precário, flexível e diante de uma realidade na qual não existe somente o desemprego, mas também o chamado desemprego estrutural.

Vimos, anteriormente, que o desenvolvimento do capitalismo sempre revela sua essência produtora de crises econômicas. Segundo Léo Huberman (1986), essas crises não são caracterizadas pela escassez de mercadorias ou riquezas, mas pela superabundância.

Para manter uma alta taxa de lucro, o capitalismo necessita explorar a força de trabalho, diminuindo os salários ou aumentando a produção. Com a redução do poder aquisitivo dos trabalhadores ou o aumento da produção de mercadorias, instala-se a superprodução, decorrendo daí uma queda na taxa de lucro dos capitalistas, pois faltará mercado (ou seja, consumidores) para que eles vendam os seus produtos e acumulem ainda mais capital. Por causa dessa contradição, entre outras, é que se pode dizer que não existe capitalismo sem crise.

A crise econômica da década de 1970

No início dos anos 1970, o capitalismo viveu mais uma crise, que já apresentara seus primeiros sinais na década anterior. A recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, destruídos pela II Guerra Mundial, tinha se completado, o mercado interno estava saturado e o impulso para criar mercados de exportação para os seus excedentes tinha de começar. Entretanto, a queda da produção e das taxas de lucro influenciou o começo de um problema fiscal nos Estados Unidos que só seria sanado às custas de uma aceleração da inflação.

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FONTE: Thaves/Jornal do Brasil 19/02/97

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Cabe aqui uma breve explicação: quando se fala em problema fiscal na economia - uma linguagem que aparece sempre nos telejornais brasileiros -, estamos nos referindo aos gastos públicos - despesas que o governo precisa assumir para apresentar políticas em benefício da população. Para efetuar esses gastos, os governos arrecadam dinheiro, através de diversos impostos e taxas, recolhidos da população e das empresas. O "problema fiscal" surge quando as despesas começam a crescer, sem acompanhamento equivalente da arrecadação.

O aumento nas taxas de inflação, na maioria dos países europeus, se originou dos compromissos assumidos pelo Estado de Bem-estar Social, tanto para conceder aos trabalhadores melhores condições de vida quanto para implementar as políticas de infraestrutura de expansão ao capitalismo.

Diminuindo a produção, o Estado arrecada menos. Arrecadando menos, faz-se necessário imprimir moedas para manter os compromissos do Estado (programas de assistência, seguridade social, direitos de pensões etc.), gerando a estagflação (estagnação econômica com inflação, isto é, com rápida elevação dos preços).

Além da crise monetária, houve a crise do petróleo, originada pela decisão dos países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) de aumentar o preço do produto e do embargo árabe às exportações para o Ocidente durante a guerra com Israel, em 1973. Neste sentido, para manter as taxas de lucro, os capitalistas precisaram investir em máquinas e tecnologias. Por sua vez, a inflação elevou a taxa de juros, ou seja, o dinheiro para investimento ficou mais caro, prejudicando, igualmente, a manutenção do lucro.

Qual era a solução para sair desse beco sem saída? A resposta veio das teorias neoliberais de Friederick Von Hayek e Milton Friedman e também, dos engenheiros Eiji Toyoda e Taiichi Ohno. Enquanto Hayek e Friedman afirmavam, desde a década de 1940, que se deveria substituir o Estado intervencionista por um Estado mínimo, que se resumiria a privatizações, desinvestimento ou flexibilização nos setores públicos (educação, saúde, assistência social), Toyoda e Ohno preconizavam que a empresa capitalista deveria flexibilizar, enxugar a produção e a mão de obra, terceirizar e produzir de acordo com a demanda do mercado.

Como foi visto anteriormente, o neoliberalismo representou a saída política dos capitalistas à crise instalada a partir dos anos 1970. Ou seja, um modo de encontrar mais mercados e aumentar suas taxas de lucro. Entretanto, foi também nas teorias dos engenheiros japoneses, denominada de toyotismo, que se encontrou uma solução para aumentar as taxas de lucro. A produção e acumulação de capital flexível (como veremos logo adiante), implementadas nos últimos quarenta anos, modificaram profundamente as relações de trabalho, dos empresários e do Estado com os trabalhadores, gerando novas formas de relações sociais.

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LEGENDA: Com a alta do preço dos alimentos, supermercados atraem consumidores com promoções. Movimento em supermercado na cidade de Toledo (PR).

FONTE: Cláudio Gonçalvess/Folhapress

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A nova moda econômica: acumular capital de forma flexível

Desde o início do século XX, a produção capitalista se estruturava em torno do chamado fordismo/taylorismo, isto é, a produção era verticalizada, devendo a empresa dominar todas as áreas de sua atividade econômica, desde a exploração de matéria-prima até o transporte das mercadorias. Assim, a empresa era tanto melhor quanto maior.

Além disso, no modo de organização do trabalho, o trabalhador desempenhava uma única tarefa, de forma repetitiva e especializada. O pagamento de salários era pro rata, ou seja, os benefícios salariais eram distribuídos para todos os empregados de forma igualitária. O controle de qualidade das mercadorias era feito ex post, isto é, por um setor responsável pelo controle após a produção de mercadorias.

A produção era padronizada, em série, em grandes lotes - como a de automóveis -, e pressupunha a ampliação do mercado consumidor, além de concentrar um número expressivo de trabalhadores numa única região ou empresa, para diminuir os custos de produção.

Como dizíamos, a partir dos anos 1960, mas principalmente na década 1970, este modelo fordista de produção começou a entrar em crise, pois, com os mercados esgotados devido à superprodução e com a consequente diminuição da lucratividade, fazia-se necessário encontrar uma forma de cortar os custos e ampliar as taxas de lucro.

A solução veio do Japão, onde a Toyota adotava, desde a década de 1950, um modelo de produção flexível que, mais tarde, acrescido do avanço das tecnologias de computação e da robótica, possibilitou uma verdadeira revolução e uma reestruturação nas formas de gestão do trabalho. Por consequência, permitiu o incremento das taxas de lucro com a superexploração da força de trabalho.

A produção de mercadorias passou a organizar-se de forma horizontal, transformando-se em processos de subcontratação e terceirização de atividade. Pode-se afirmar que este último é um processo definitivo de extinção de partes da empresa, para reduzir custos. Através da terceirização, parte da empresa é desativada, uma vez que certas atividades são assumidas por outra empresa que se forma ou que já existe com tal fim. O setor objeto da terceirização pode ser produtivo ou não, ou seja, pode produzir bens materiais ou serviços.

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LEGENDA: Empresários japoneses, a partir da década de 1950, revolucionaram o mundo do trabalho com a proposta de flexibilização da produção de acordo com a demanda do mercado.

FONTE: Karime Xavier/Folhapress

A produção não é mais padronizada, mas, sim, realizada em pequenos lotes e com grande variedade de produtos. Isto é, estes são mais requintados, adaptando-se aos gostos variáveis do mercado. No toyotismo, por medida de redução de custos e de aumento de lucro, não há grandes estoques. Este fato é viabilizado pela informatização e pela melhoria dos meios de comunicação e transporte, possibilitando que os fornecedores entreguem as peças necessárias à produção na hora certa (just in time).

No modo de organização do trabalho, o toyotismo representa a polivalência do trabalhador, que passa a desempenhar múltiplas tarefas. Contudo, as múltiplas tarefas também são repetitivas, tanto que há autores que concebem o toyotismo como um modelo pós-fordista.

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Um trabalhador na linha de produção da Toyota é obrigado a fazer vinte movimentos a cada dezoito segundos, ou seja, um total de 20.600 movimentos por dia. Isto se constitui numa intensificação ainda maior do trabalho, pois o operário atua com várias máquinas.

O pagamento de salários no toyotismo é feito de forma pessoal, por um sistema detalhado de bonificações e prêmios por produção. O caráter pessoal do pagamento caracteriza-se pela avaliação do trabalhador, pois a remuneração leva em conta a produtividade, impondo aos trabalhadores, divididos em grupos, uma fiscalização recíproca. Para obter alta produtividade e para que possam fazer o controle de qualidade dos produtos durante a produção, os empregados são submetidos a longos treinamentos, enfatizando-se a corresponsabilidade do trabalhador com a empresa.

O controle de qualidade é feito imediatamente, durante a própria produção, evitando a identificação de erros pós-produção. Esta medida decorre de políticas produtivas de "controle de qualidade total" (CQT), transferindo para os próprios empregados-produtores tal tarefa.

Os trabalhadores são dispostos em grupos - os chamados círculos de controle de qualidade (CCQ) - e treinados continuamente, desempenhando o líder o papel de "engenheiro de produção". Isto porque a produção, no toyotismo, é voltada para a demanda do mercado. Assim, não se produz mais conforme a capacidade produtiva da empresa, porém conforme a capacidade aquisitiva do mercado.

Boxe complementar:

- Na medida em que parte das mercadorias é produzida por fábricas diferentes, há uma diminuição do contingente de trabalhadores, processo esse possibilitado pela subcontratação e pela terceirização;

- há uma intensificação da exploração do trabalho devido à polivalência e à multifuncionalidade do trabalhador;

- há um aumento da competitividade entre os trabalhadores empregados, pois agora eles recebem de acordo com sua produtividade;

- com a intensa automação e com a robotização, contingentes cada vez maiores de trabalhadores não encontram mais empregos em suas antigas profissões.

Fim do complemento.

Além destas características, vemos ainda o aumento da robotização e da automação no processo produtivo capitalista contemporâneo. Isto vem gerando o crescimento do chamado desemprego estrutural. Isto é, o desaparecimento do mercado de trabalho de profissões ou funções. Um exemplo disso é o desaparecimento da função de torneiro-mecânico - profissão de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil (2003-2010). As grandes empresas que a utilizavam hoje possuem robôs e máquinas computadorizadas que fazem o mesmo serviço.

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LEGENDA: Depois que as máquinas dominaram muitos setores da produção industrial, aumentou o fenômeno do desemprego estrutural. Na foto, robôs na linha de produção da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP). Há 40 anos esta imagem estaria bem diferente.

FONTE: Rodrigo Paiva/Folhapress

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Os caixas eletrônicos e os self-services também fazem parte desse processo de automação que exclui definitivamente milhares de trabalhadores do mercado. Por isso é que mencionamos o conceito de desemprego estrutural, pois faz parte, hoje, da essência do capitalismo.

As consequências dessa reestruturação produtiva ficam explícitas a olho nu.

Atualmente, o que importa para os capitalistas é produzir mercadorias com o menor número possível de operários e com maior produtividade.

A lógica dominante, hoje, no mercado de trabalho é a presença massiva de empresas terceirizadas ou subcontratadas, cujos trabalhadores recebem salários mais baixos em empregos que não oferecem as mesmas garantias apresentadas pelas empresas tradicionais. Exemplo disso é o fato de se priorizar a contratação de pessoas por tempo determinado, com formas de assalariamento precário, como prestadores de serviços, autônomos, terceirizados etc. Ou seja, para aumentar suas taxas de lucro, o capitalista necessita cada vez menos de trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial (ou part-time ) e terceirizado (cf., em especial, ANTUNES, 1997, p. 41-47).

Aliado a esta reestruturação, o neoliberalismo reformula os direitos do trabalhador, tentando cortar todas as suas garantias jurídicas e regulamentações (como aviso prévio, estabilidade, salário-desemprego, FGTS, 13º salário, férias etc.). Isto possibilita ainda mais a precarização, a terceirização e o enxugamento das empresas.

O trabalhador que as empresas querem hoje é aquele considerado versátil, capaz de se adaptar às normas da empresa. É o trabalhador denominado polivalente, multifuncional, apto a desenvolver as mais diversas atividades. Entretanto, é o desemprego estrutural que marca o novo século no mundo do trabalho. Segundo Bernardo Joffily:

Boxe complementar:

A marca de todo o novo sistema é a exclusão. A força de trabalho é fatiada como um salame. No topo ficam os empregados das grandes empresas; depois a 'fatia' do trabalho precário e parcial, o setor informal; e na ponta do salame ficam os desempregados, muitos dos quais nunca arrumarão trabalho, pois caíram no 'desemprego estrutural'.

É isto que o professor de Massachusetts (MIT) Noam Chomsky chama "difusão do modelo social terceiro-mundista". A central sindical alemã DGB calcula que, em dez anos, 25% dos trabalhadores alemães serão periféricos nas empresas de subcontratação; 50% estarão desempregados ou realizando trabalhos ocasionais; sobrarão 25% de trabalhadores qualificados em grandes empresas.

(JOFFILY, 1993, p. 19)

Fim do complemento.

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LEGENDA: A calçada como sala de espera: à espera de vagas, desempregados esperam horas pelo atendimento da Central de Atendimento ao Trabalhador (CAT).

FONTE: Latuff

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Vejamos alguns dados produzidos pelo desemprego estrutural durante a década de 1990:

Tabela: equivalente textual a seguir.

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*Bancos comerciais, de investimento etc.

FONTE: Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados (Lei 4.923/65). Elaboração: Dieese-Seeb/Rio. CRÉDITOS: Tabela reproduzida, com adaptações de SANTOS, 2007, p. 8-9

Tabela: equivalente textual a seguir.

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*Taxas de maio/junho

** Após 1990, inclui a ex-RDA.

FONTE: Institut Syndical Européen, 1992. CRÉDITOS: Tabela reproduzida de JOFFILY, 1993, p. 18

Tabela: equivalente textual a seguir.

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FONTE: Tabela reproduzida, de DIEESE, 1997, p. 1

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O DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - órgão de assessoria fundado em 1955 por grandes sindicatos de trabalhadores brasileiros - ainda não atualizou estes dados, porém, estatísticas mais recentes da Organização Internacional do Trabalho demonstram que, em 2003, 8.640.000 (oito milhões, seiscentos e quarenta mil) de pessoas economicamente ativas estavam desempregadas. Nesse ano, o número de desempregados no Brasil correspondia a 9,7% da população economicamente ativa - ou seja, aqueles com idade e condições de exercer qualquer atividade profissional.

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LEGENDA: Com a reestruturação produtiva que ocorreu nos bancos, você tem ideia de quantos postos de trabalho foram extintos?

FONTE: Acervo dos autores

A tendência que estamos vendo neste novo século é que empresas e indústrias têm como metas diminuir os custos, principalmente no que diz respeito aos postos de trabalho, e esta tendência se acentuou no capitalismo globalizado e com as novas formas de organização do trabalho. Extinguindo diversas profissões e postos de trabalho, o que observamos, portanto, é a alta concentração de trabalhadores no mercado irregular, ilegal, clandestino ou não formal. No caso do Brasil, o chamado "mercado informal" abriga cerca de 55% da população economicamente ativa, concentrando-se nas maiores cidades.

O avanço da robotização e da tecnologia no Brasil é tão veloz quanto nos demais países. O aumento da produtividade, com a utilização das máquinas, incentiva as demissões em massa. A indústria e o setor rural, assim como o comércio e o setor de serviços estão precisando cada vez menos de trabalhadores. O comércio e o setor de serviços, que são aqueles que mais crescem nas cidades, não são capazes de absorver toda a mão de obra que existe à sua disposição, e isto traz como consequência o aumento das contratações precárias, terceirizadas e sem carteira de trabalho assinada, práticas estimuladas pela adoção do pensamento neoliberal pela maioria dos governos dos países capitalistas. Segundo o IBGE, em março de 2006 existiam cerca de 2.890.000 (dois milhões, oitocentos e noventa mil) de pessoas trabalhando sem carteira assinada, num universo de 22.242.000 (vinte e dois milhões, duzentos e quarenta e dois mil) de pessoas pesquisadas nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

Uma pesquisa publicada pelo DIEESE em 2011 revelou que há um crescente processo de terceirização no Brasil. Segundo a mesma, o número de trabalhadores terceirizados no Brasil chega a 10 milhões de pessoas, o que representa cerca de 25,5% do mercado de trabalho formal. Os dados da pesquisa do DIEESE revelam, também, que os terceirizados receberam um salário 27,1% menor que os contratados diretamente, e trabalham 43 horas em média, diante das 40 horas dos efetivos das empresas.

Esses dados, segundo a professora do Departamento de Sociologia da USP, Paula Marcelino, confirmam a ideia que descrevemos neste capítulo, ou seja, "a terceirização ou a subcontratação é uma das estratégias para recuperação da taxa de lucro. Esse mecanismo transforma em custos variáveis o que antes eram custos fixos, ou seja, a empresa principal deixa de ser responsável por um grande contingente de trabalhadores" (ZINET, 2012, p. 16).

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8. Apresentem suas criações e deixem espaço para que todos joguem, testem, aprendam e divirtam-se com elas.

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Capítulo 12 - "O mercado exclui como o gás carbônico polui": capital, desenvolvimento econômico e a questão ambiental

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LEGENDA: Você sabe dizer de que forma as indústrias afetam o clima do planeta Terra?

FONTE: Renato Stockler/Folhapress

No início do ano de 2007, o tema do aquecimento global surgiu em todos os meios de comunicação como um grande alerta para a humanidade; o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (ou IPCC, sua sigla em inglês), elaborado por 2.500 cientistas de 130 países, sob a coordenação da Organização das Nações Unidas (ONU), anunciou que as mudanças no clima da Terra são irreversíveis e colocam em risco a própria sobrevivência do ser humano. Segundo o relatório, a temperatura média do planeta poderá aumentar, neste século XXI, de acordo com os cientistas mais "otimistas", entre 1,8 e 4 graus Celsius...

"Só isso?!" - você deve ter pensado. Parece pouco mesmo, é verdade! Afinal, esse tipo de variação de temperatura ocorre frequentemente em várias regiões do Brasil, de um dia para o outro, não é mesmo?! Bem, mas, segundo esses mesmos cientistas, na última vez em que ocorreu um resfriamento acentuado da Terra, há doze mil anos, a temperatura média do planeta era apenas cinco graus Celsius mais frio do que é hoje... Então...

Não estamos falando dos cientistas mais "pessimistas", ou seja, daqueles que dizem que a temperatura média do planeta poderá aumentar entre 1,1ºC (maravilha!) e 6,4ºC (estaremos todos fritos!).

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Na verdade, um aumento de 1,1ºC - seria o que de "melhor" poderia ocorrer - já está acontecendo há algum tempo: dos doze anos mais quentes registrados pelas estações climáticas de todo o planeta (esses registros são feitos desde 1850), onze deles foram percebidos entre 1995 e 2006. Como consequência direta do aumento da temperatura, as geleiras existentes na Antártica, no Ártico, na Groenlândia e no Alasca estão derretendo e se desprendendo dos continentes. Da mesma forma, isso está ocorrendo com o gelo que cobria os cumes das montanhas mais altas do mundo, como as cordilheiras dos Andes (América do Sul) e do Himalaia (Ásia Central), assim como o Monte Kilimanjaro (África). Isso explica o porquê do nível do mar ter se elevado em dezessete centímetros, no século XX...

Então, percebe-se que o aquecimento global vem ocorrendo há algum tempo e diversos sinais de alerta já haviam sido identificados, tais como o aumento dos períodos de secas, cada vez mais frequentes; o aumento da temperatura dos oceanos, provocando chuvas mais intensas e a maior ocorrência de furacões, tufões e ciclones, que passaram a afetar várias regiões do planeta - até o Brasil. Em março de 2004, no Sul do país, tivemos o registro do nosso primeiro furacão, com ventos acima de 120 km/h, batizado de Catarina.

De fato, o clima parece "ter enlouquecido"! Ainda no Brasil, neste século XXI, uma seca inesperada fez com que barcos encalhassem nos rios da Amazônia, algo que nunca poderia se imaginar, tempos atrás. No resto do mundo, tivemos notícias de grandes tempestades de neve, inclusive em pleno verão, na Austrália; de incêndios devastadores na Califórnia, nos EUA; da completa destruição da cidade de Nova Orleans, também nos EUA, pelo violentíssimo furacão Katrina, em 2005; e de alagamentos monstruosos provocados por temporais, na Indonésia, na Índia, na China e até em alguns países europeus, como ocorreu no início de 2010. Estes são apenas alguns exemplos, cujos detalhes podem ser encontrados na Internet - assim como outros fenômenos climáticos tão ou mais inesperados quanto os citados.

Mas, chega de fazer "terror"! Vamos tentar responder por que está ocorrendo tudo isso? O que causa o aquecimento global do planeta? Todos nós morreremos de calor? Há como evitar todas essas catástrofes?

Ah! E a pergunta que não poderia faltar, mais uma vez: este não seria um tema para ser estudado em outra disciplina - como, por exemplo, Geografia? Isto tem a ver mesmo com a Sociologia? Por quê?

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FONTE: Duke

Entendendo as causas do aquecimento global

Mudanças climáticas não são novidade na Terra. Além da Era do Gelo, retratada em uma série de filmes de animação de grande sucesso, que ocorreu há 1,8 milhões de anos, nosso planeta passou por muitas transformações drásticas em sua trajetória de bilhões de anos. Você já deve ter estudado, por exemplo, que grandes répteis, conhecidos como dinossauros, dominaram o planeta durante um grande período - a Era Mesozoica -, entre cerca de 220 milhões e 65 milhões de anos atrás. E por que desapareceram? A teoria científica mais aceita explica que isso ocorreu em razão do choque de um enorme asteroide com a Terra, com 14 km de diâmetro, na região onde hoje se localiza o México.

169

Esse impacto foi tão grande que levantou uma espessa nuvem de poeira que impediu a passagem da luz solar durante meses, trazendo a morte e a extinção para milhares de plantas e animais - entre eles, os imensos dinossauros, que não resistiram à escassez de alimentos provocada por essa brutal mudança climática... Já imaginaram o que seria dos seres humanos se existissem nessa época?

Por outro lado, cientistas já admitem que o fim da civilização mesopotâmica pode ter sido provocado por uma mudança brusca na temperatura do planeta, por volta do ano 1.100 a.C., em que um processo de esfriamento do Oceano Atlântico teve relação direta com o colapso do sistema de irrigação baseado nos rios Tigre e Eufrates, localizados na Ásia, na região onde hoje é o Iraque. Uma forte queda no volume dos rios e a consequente perda das colheitas ocasionaram a fome da sua população, levando-a à migração em m assa e à derrocada do império mesopotâmico.

Diferentemente dos eventos que citamos acima e das outras mudanças climáticas que afetaram o planeta, as atuais alterações do clima não são fenômenos naturais, previstos para acontecer com a Terra: o aquecimento global está sendo provocado e acelerado pelo próprio homem.

Antes de tudo, vamos ver mais exatamente o que está sendo chamado de aquecimento global? Para isso, precisaremos recorrer um pouco aos estudos de outras disciplinas, como a História e a Química (para maiores detalhes, peça ajuda aos professores dessas disciplinas).

Em primeiro lugar, a Terra está esquentando por causa da intensificação do chamado efeito estufa. Este não é sinônimo de aquecimento global, mas trata-se de um processo natural, importante para a vida no planeta, tornando-o mais quente e, podemos dizer, "aconchegante". Explicando melhor: diversos gases presentes na atmosfera têm o papel de impedir que parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, retendo o calor nas camadas mais baixas. Entre esses gases-estufa, destacam-se o dióxido de carbono, o óxido de nitrogênio, o metano e os CFCs (clorofluorcarbonos).

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LEGENDA: O que está em jogo no debate sobre o aquecimento global?

FONTE: Marlon Falcão/Fotoarena/Folhapress

O aquecimento global começa a ocorrer quando a maior parte do calor do Sol é refletida de volta para a Terra, por causa da formação de uma camada bem mais espessa de gases-estufa. Assim, na medida em que aumenta esse processo de emissão desses gases, a temperatura passa a aumentar de forma descontrolada.

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FONTE: Dalcio/ Correio popular

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Por que ocorreu esse aumento descontrolado de gases-estufa? Por causa da Revolução Industrial e da acelerada urbanização da vida humana que tomou o planeta desde o século XIX. Ou seja, não são somente as indústrias as responsáveis pela intensificação da produção de dióxido de carbono e de metano - os dois principais gases-estufa -, mas elas têm uma relação direta com a mudança da qualidade de vida na Terra. Esses gases são produzidos, também, pela larga utilização de combustíveis fósseis (carvão, gás natural, petróleo); pelo uso de veículos movidos à gasolina (derivada do petróleo); pela larga produção de todos os tipos de lixos e rejeitos, como o esgoto; pela agricultura e pelo mau uso da terra, como mostra a prática das queimadas e o desmatamento generalizado - também com o objetivo de dar lugar às lucrativas empresas de criação e abate de gado....

São as queimadas, por sinal, que fazem do Brasil o quinto maior emissor de dióxido de carbono (CO2) do mundo, apesar das suas emissões industriais e de veículos não serem tão significativas, se comparadas aos quatro países ou regiões que mais contribuem para o aquecimento global, pela ordem: EUA, China, União Europeia e Indonésia.

Dessa forma, em 2007, segundo estudos da organização WWF-Brasil, enquanto a "emissão per capita" de gás carbônico do Brasil, ou seja, o total de gases emitido dividido pelo número de habitantes, era de 1,8 tonelada por ano, quando considera-se a destruição das florestas ela sobe para 12,8 toneladas por ano! Já os EUA, o país mais industrializado do mundo, eram responsáveis pela emissão de 35% de CO2 do planeta, ou seja, 22,9 toneladas por habitante/ ano (O Globo, 03/02/07, p. 42). Para completar, de acordo com dados apresentados aos líderes dos 147 países participantes da Conferência do Clima realizada em Paris, em 2015 (COP21), a concentração de CO2 presente no ar que respiramos é a maior dos últimos 650 mil anos! (cf. GRANDELLE, 2015).

Depois destas últimas informações, será que já percebeu onde é que entra a Sociologia nessa história?

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LEGENDA: Queimadas - um dos fatores que contribui para o descontrole do clima da Terra.

FONTE: Rodrigo Baleia/Folhapress

O surgimento da Sociologia Ambiental

Tudo o que vimos até o momento, neste capítulo, é apenas um exemplo das temáticas que são tratadas pela Sociologia a respeito das relações envolvendo as diversas sociedades e o meio ambiente. A partir de 1970, esses estudos passaram a fazer parte do que se chamou de Sociologia Ambiental.

Segundo o professor Gustavo Lima, em estudo elaborado com Fátima Portilho, a Sociologia Ambiental...

Boxe complementar:

Surge a reboque dos movimentos de contestação à depredação dos recursos naturais e da constatação científica das consequências ambientais destrutivas resultantes dos processos de crescimento econômico, associados ao uso de tecnologias ambientalmente predatórias (urbanização caótica, crescimento demográfico exponencial, aprofundamento de desigualdades sociais e de estilos de vida, produção e consumo característicos do desenvolvimento industrial).

(LIMA; PORTILHO, 2001, p. 242)

Fim do complemento.

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Portanto, ela não seria exatamente nova, como vimos na explicação acima, pois reuniria preocupações manifestadas em estudos anteriores sobre o tema Ecologia Humana e de áreas de pesquisa mais tradicionais da Sociologia, como a Sociologia Urbana, os Movimentos Sociais e a Sociologia do Desenvolvimento, entre outras.

Uma das pesquisadoras que se destaca no estudo do tema, no Brasil, a professora Selene Herculano chama a nossa atenção para o fato de que a Sociologia Ambiental vai tratar as questões ambientais de forma integradora, utilizando o conhecimento acumulado e a produção científica de diversas disciplinas. Dessa forma, segundo ela, uma determinada política pública, como o saneamento básico, por exemplo, "passou a ser visto como uma dimensão ambiental (assim como de saúde coletiva) e não apenas uma questão urbana, de engenharia ou de medicina sanitária" (HERCULANO, 2000, p. 46).

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FONTE: Waldez Duarte

Outra perspectiva para se analisar a questão do meio ambiente, sob o ponto de vista sociológico, é a percepção de que a poluição não é "democrática", ou seja, ela não atinge a todas as pessoas da mesma forma. Os mais pobres são exatamente os que mais são afetados pela exposição aos riscos ambientais, como podemos ver, cotidianamente, nas comunidades de baixíssima renda (favelas e regiões muito pobres), com moradias situadas em locais de risco, nas encostas das montanhas ou nas margens de rios poluídos, com ventilação inadequada, sem água potável ou saneamento básico, com esgoto correndo a céu aberto.

Tratar do tema meio ambiente, portanto, não significa somente a preocupação com a possível extinção do mico-leão-dourado brasileiro, do urso polar que habita a Groelândia ou do urso panda chinês. Trata-se de um tema relacionado à qualidade da vida de toda a população, que envolve a organização da cidade, o transporte, a saúde pública e a alimentação das famílias.

Pelo que você também já deve ter percebido, essas preocupações não se iniciaram com o relatório dos cientistas que anunciava o aquecimento global, mas remontam, por exemplo, ao desmatamento das margens dos rios e ao surgimento e crescimento sem planejamento das cidades, com a proliferação de inúmeras doenças causadas pelos dejetos humanos e pelo acúmulo de lixo sem tratamento adequado. Esses problemas foram bastante agravados pela Revolução Industrial (como mostra Friedrich Engels, no seu livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, publicado pela primeira vez em 1845) e estão presentes em todas as nossas cidades, até os dias atuais. Por falar nisso: você sabe onde, na sua cidade, são depositados os lixos químicos, hospitalares e/ou radioativos? Converse com o seu professor e faça uma breve pesquisa a respeito, lembrando-se que lixo radioativo, por exemplo, não é apenas o dejeto oriundo das Usinas Nucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro... (Voltando rapidamente à Química: o que você sabe sobre o elemento químico césio?

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LEGENDA: Ato organizado pelo Greenpeace e a Fundação SOS Mata Atlântica diante do Teatro Municipal de São Paulo, em 2007, lembrando as vítimas do acidente com o césio-137, em Goiânia (1987).

FONTE: Rodrigo Baleia/Folhapress

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Ouviu falar do acidente com o césio-137, encontrado por crianças, no lixo, em 1987, em Goiânia? Procure se informar na Internet!).

Já que fizemos referência a um elemento químico, não podemos deixar de registrar que o Brasil bateu um "recorde" num determinado tipo de devastação ambiental: o rompimento de duas barragens de rejeitos da exploração de minério de ferro no estado das Minas Gerais, gerando um "tsunami de lama tóxica" que, além de destruir completamente o distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, em 05 de novembro de 2015, e todas as demais localidades que encontrou pelo caminho, deixou mais de vinte pessoas mortas ou desaparecidas, e poluiu completamente o rio Doce, matando seus peixes e impedindo a distribuição de água potável para as cidades que ele banha, em Minas e no Espírito Santo - em cujo litoral se localiza a sua foz - atingindo cerca de 800 mil habitantes. O "recorde" a que nos referimos é na verdade "triplo": segundo dados divulgados pela Bowker Associates, empresa norte-americana de consultoria de gestão de riscos, especialista em desastres desse tipo, a tragédia ocorrida em Mariana foi a maior do mundo nos últimos 100 anos, comparando-se com outros 129 eventos conhecidos, destacando-se em três quesitos: volume de rejeitos despejados, distância percorrida e custos - no caso, o investimento necessário para a reposição do prejuízo financeiro da empresa, ocasionado pelo desastre, ou seja, sem levar em conta a "limpeza" das regiões afetadas, a "recuperação" do meio ambiente e as indenizações à população atingida (cf. LUCENA, 2015). A empresa responsável por essas e outras barragens na região é a SAMARCO, cujas ações são divididas entre a VALE - ex-Vale do Rio Doce, estatal privatizada durante o Governo FHC (pesquise a respeito) - e a anglo-australiana BHP Billiton, a maior mineradora do planeta. Sobre a tragédia, enquanto a mineradora afirmava que não existiam componentes tóxicos nos 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro liberados, pesquisas efetuadas na região pelo Serviço de Água e Esgoto da cidade de Governador Valadares (MG) encontraram resíduos de metais pesados, com índices "acima do tolerável" em 1.366.666% de ferro, em 118.000% de manganês e em 645.000% de alumínio (cf. BOGNAR, 2015; MENEZES, 2015. Leia também a reportagem de MANENTI, 2015).

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LEGENDA: Imagem da tragédia ocorrida com o rompimento de duas barragens de rejeitos de minério de ferro, em Mariana (MG), em novembro de 2015. O que ocorreu foi um acidente?

FONTE: Moacyr Lopes Júnior/Folhapress

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Para concluir, a pergunta que "não quer se calar": podemos considerar essa tragédia ambiental como um "acidente", uma "fatalidade"? Podemos dizer, no sentido contrário, que houve "negligência" por parte da VALE/SAMARCO na construção e na manutenção das barragens? (Existem dezenas de outras na região, por sinal). Se a resposta para esta segunda pergunta for "sim", saiba, de qualquer forma, que o crime de poluição ambiental não é punido em nosso país (veja a respeito em TINOCO, 2015). Na contramão desta informação, o Brasil detinha outro "recorde" triste em 2014: segundo a ONG Global Witness, o país era considerado o campeão mundial em assassinato de ambientalistas - 456 pessoas, entre 2002 e 2014 (cf. FREITAS, 2015) -, ou seja, exatamente aqueles militantes que denunciam os diversos tipos de crimes ambientais praticados principalmente por fazendeiros, mas também por empresas e por representantes dos poderes públicos envolvidos em práticas de corrupção em áreas de conflito. O caso brasileiro de maior repercussão mundial para crimes desse tipo foi o assassinato do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, em 1988. Então, colocamos aqui diversas questões para você debater com seus colegas.

Capital, desenvolvimento econômico e a questão ambiental

O uso dos recursos existentes na natureza, através da extração de minérios e de produtos vegetais - como o desmatamento de regiões de florestas para a agricultura e para a pecuária, assim como a utilização dos recursos existentes em rios, mares e lagoas - faz parte, historicamente, da própria sobrevivência humana. O homem, através do trabalho, dominou a natureza e colocou-a a seu serviço. Nesse processo de domínio e controle da natureza, os seres humanos criaram novas tecnologias que permitiram a multiplicação da população e a melhoria da qualidade de vida, sem dúvida!

Porém, a exploração desenfreada, sem qualquer forma de controle, causando a destruição dos recursos naturais, com a degradação do meio ambiente, está inserida numa determinada lógica que passou a imperar a partir de certo momento da História: a lógica do capital.

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FONTE: © Angeli - FSP 22.02.2005

Já citamos a Revolução Industrial, que impulsionou o desenvolvimento econômico capitalista através da evolução incessante dos instrumentos de produção, como já anunciavam Marx e Engels, em 1848: "A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares" (MARX; ENGELS, 1998, p. 11).

A ideia de desenvolvimento, até pouco tempo, não havia sido colocada em questão pelos sociólogos, nem pelos governantes, nem pela população em geral. Desenvolvimento sempre foi sinônimo de "progresso", de "crescimento", de maior oferta de empregos, da possibilidade de consumo de novos produtos por camadas cada vez maiores da população. No capitalismo, sabemos o quanto essa ideia sempre foi ilusória, em razão da brutal desigualdade no acesso ao consumo, existente entre as classes sociais.

Mas, apesar do abismo, a olhos vistos, existente nas desigualdades sociais que foram geradas nas diversas sociedades, o desenvolvimento capitalista, segundo propagado pelos meios de comunicação, é sempre anunciado como "igual para todos!" Não importa, aqui, que uns poucos sejam os verdadeiros beneficiados, e não a grande maioria de trabalhadores - aqueles que de fato produzem a riqueza.

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Esse tipo de visão não era exclusivo das nações capitalistas. O ultrarrápido desenvolvimento econômico da União Soviética, entre as décadas de 1920 e 1950, com a melhoria acentuada da qualidade de vida da sua população, parecia deixar claro que o desenvolvimento era um componente inquestionável e vital para a existência das diversas sociedades, independentemente de qualquer ideologia. O recente crescimento econômico da China acompanha, em parte, esse mesmo raciocínio.

Entretanto, a grande contradição, que está por trás do desenvolvimento econômico sem freios das forças produtivas, segundo a visão acima, é a destruição da própria sociedade!

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LEGENDA: István Mészáros afirma que o desenvolvimento capitalista representa o caminho para a destruição completa da natureza e a instauração da barbárie social.

FONTE: Ana Yumi Kajiki

Apresentamos, a seguir, duas reflexões bem interessantes do filósofo húngaro István Mészáros sobre este assunto:

1- Não existiriam freios possíveis à expansão destruidora do capital. Sua história sempre foi, desde seu surgimento, uma história de crescimento incontrolável, capaz de derrubar todas as barreiras que se colocavam à sua frente, uma por uma, conforme demonstrou Karl Marx em seus estudos. Mas, segundo Mészáros, a continuidade da expansão das forças produtivas do capital, no atual momento, passou a representar a destruição completa da natureza e, por conseguinte, da própria espécie humana. O autor intitula essa possibilidade como sendo, para a sociedade, o caminho da barbárie (cf. MÉSZÁROS, 2003).

2- A lógica que esteve presente e acompanhou todo o desenvolvimento soviético - e o atual desenvolvimento chinês, pode-se dizer - era, na verdade, a mesma lógica de desenvolvimento e reprodução do capital, descrita antes (ver também MÉSZÁROS, 2002). Apesar desses países se constituírem formalmente como socialistas, eles não tiveram como se libertar do poder destrutivo do capital, presente no interior dessas sociedades. O exemplo da China atual é interessante para que percebamos isso: seu maior parceiro econômico - e vice-versa - são os EUA. As duas potências econômicas dependem uma da outra e se complementam no mercado mundial; e o preço imbatível dos produtos chineses, no mercado internacional, somente é possível de ser mantido graças a uma brutal exploração do trabalho da sua gigantesca população - algo impensável no socialismo imaginado por Marx.

Se essas considerações de Mészáros são pertinentes, pode-se concluir que a destruição do meio ambiente, causada pelo homem, poderia ser impedida pelo próprio homem, desde que se modifique radicalmente o modelo econômico que vem sendo imposto à sociedade nestes últimos dois séculos? O que você acha?

Entretanto, pensemos: a lógica que está presente na destruição da natureza é a mesma lógica baseada na acumulação sem freios do capital. São irmãos siameses; um não existe sem o outro. Interromper a devastação do meio ambiente significa colocar freios à expansão do capital - o que significa, simplesmente, provocar a sua crise e, consequentemente, o seu fim. Para István Mészáros, portanto, as opções são apenas duas, uma excluindo a outra: ou a humanidade aposta na construção de um novo modelo de sociedade, ou caminha, de olhos fechados, para a sua autodestruição.

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Vamos ver o que diz outro pensador, o geógrafo David Harvey, num recente livro intitulado O enigma do capital (2011), que argumenta que o chamado mundo natural é objeto de grandes transformações pela atividade humana. Num trecho desse livro ele diz:

Boxe complementar:

Os campos são preparados para a agricultura; os pântanos, drenados; as cidades, estradas e pontes, construídas; as plantas e os animais são domesticados e criados; os habitats, transformados; as florestas, cortadas; as terras, irrigadas; os rios, represados; as paisagens, devastadas (servindo de alimento para ovinos e caprinos); os climas, alterados. Montanhas inteiras são cortadas ao meio à medida que minerais são extraídos, criando cicatrizes de pedreiras nas paisagens, com fluxos de resíduos em córregos, rios e oceanos; a agricultura devasta o solo e, por centenas de quilômetros quadrados, florestas e matos são erradicados acidentalmente como resultado da ação humana, enquanto a queima das florestas na Amazônia, consequência da ação voraz e ilegal de pecuaristas e produtores de soja, leva à erosão da terra (...).

(HARVEY, 2011, p. 151)

Fim do complemento.

Harvey chama as ações relacionadas no trecho citado de "destruição criativa da terra" e isso, ao longo da História, produziu uma "segunda natureza": a natureza remodelada pela ação humana. Entretanto, nos últimos dois séculos, com o capitalismo, o crescimento dessa "destruição criativa" sobre a Terra tem aumentado enormemente.

Repare nos termos que o autor utiliza: destruição, no sentido de acabar, aniquilar, exterminar; e criativa, no sentido de inventar, conceber, arquitetar. Ou seja, segundo o autor há uma dupla ação dos homens sobre o meio ambiente.

Na opinião de Harvey, por mais que muitos agentes (instituições, empresas etc.) atuem na produção dessa "segunda natureza", os dois principais agentes da nossa época, que promovem a "destruição criativa da Terra", são o Estado e o Capital. E mais: as modificações no meio ambiente são cada vez mais impulsionadas, principalmente no último século, porque o "capitalista que detém dinheiro deseja colocá-lo em qualquer lugar em que os lucros estejam" (HARVEY, 2011, p. 167).

Se pensarmos em algumas cidades e territórios que são verdadeiros exemplos dessa "segunda natureza" modificada pelos homens, podemos verificar que, por exemplo, a cidade de Detroit, nos EUA, significa (ou significou) carros; o Vale do Silício, na Califórnia, computadores; Seattle, nos EUA, e Bangalore, na Índia, desenvolvimento de software; a Baviera, na Alemanha, engenharia automotiva; a "Terceira Itália", na região norte da Itália, microengenharia e roupas de marca; Taipei, em Taiwan, significa chip de computador e eletrodomésticos; e por aí vai.

Se as afirmações de David Harvey nos parecem coerentes, essa chamada "segunda natureza" trata-se de um projeto voltado para as pessoas ou para os lucros?

Enfim, podemos observar que o tema da questão ambiental é essencial para pensar nossas vidas. Qual é a sua opinião sobre tudo isso que abordamos aqui? Converse com seus professores de História, de Geografia, de Filosofia, de Biologia e de Química. Que tal um debate na sua escola?

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LEGENDA: O geógrafo inglês David Harvey em palestra na 9a edição do Fórum Social Mundial, em Bélem, Pará, 2009.

FONTE: Janduari Simões/Folhapress

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Enfim, a moda pega. E o futuro como fica?

Gaudêncio Frigotto (1998) afirma que a palavra racionalização resume o simbolismo do mundo empresarial do final do século XX e início do novo milênio. Para aumentar suas taxas de lucro é necessário racionalizar a produção, o que significa enxugar os quadros, tirar o excesso de gordura, arrumar a casa, passar o aspirador, fazer uma faxina, desoxidar, tirar o tártaro, combater a cirrose.

Uma vez que tem como instrumentos políticas neoliberais de terceirização, de desregulamentação das relações trabalhistas, de intensificação do ritmo de trabalho, esta dinâmica produtiva acaba por construir uma realidade na qual o trabalhador se vê permanentemente ameaçado com a possibilidade de perda do emprego. Isto é, instala-se a precariedade do emprego através da flexibilização do trabalho, do avanço do trabalho temporário, da terceirização etc.

Por fim, há um aumento crescente dos "sobrantes", ou seja, com a automação e a robotização constitui-se um grande contingente de não integrados ao mundo da produção e dos serviços, criando nos últimos vinte anos uma realidade de milhões de desempregados no mundo.

Estamos assistindo a uma lógica no mundo do trabalho em que a regra é flexibilizar, desregulamentar, precarizar, o que, por sua vez, destrói postos de trabalho, extermina direitos sociais e retira milhões de pessoas do mundo produtivo.

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FONTE: Dalcio/Correio popular

Um exemplo dramático das consequências desse processo para a vida dos trabalhadores ocorreu em 2009, na França: os altos níveis de estresse em grandes empresas ocasionaram um aumento recorde no número de suicídios. Na mesma semana em que um empregado do centro tecnológico da empresa automobilística Renault se matou, o presidente da empresa de telecomunicações France Télécom, Didier Lombard, concedeu entrevista na rádio Europe 1, assumindo um mea culpa pelas vinte quatro mortes ocorridas somente na sua empresa, num período de apenas vinte meses!!! Nesse país, as principais doenças relacionadas ao trabalho, identificadas em pesquisa de 2007, foram a depressão e a ansiedade. Esses dados, desde então, têm crescido de forma assustadora, obrigando o governo a apresentar um plano de prevenção do estresse, através de acordo entre as empresas e os sindicatos (O Globo, 10/10/2009, p. 22).

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LEGENDA: A partir da década de 1990, com a introdução da informática, os supermercados enxugaram empregos, o que provocou acúmulo de funções - caixas/empacotadoras.

FONTE: Aline Lata/Folhapress

O historiador inglês Eric Hobsbawm (1992) já dizia que o mercado exclui como o gás carbônico polui. Já Gaudêncio Frigotto (1998) vai mais além, afirmando que esta dinâmica estabelece para milhões de sobrantes uma existência provisória sem prazo. O capitalismo já não produz somente a marginalização, mas amplia a exclusão e a instalação da precariedade por toda parte - quando não conduz à eliminação física do trabalhador, como acabamos de ver.

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Enfim, de um lado temos o novo modelo de Estado neoliberal, que flexibiliza os direitos sociais, o que, somado às privatizações, transforma tudo em mercadoria, e, de outro, temos o aumento do desemprego, da precariedade, do trabalho informal, levando István Mészáros (2003) a afirmar que o capitalismo esgotou sua capacidade de contribuir para a construção de uma civilização entre os seres humanos. Ou seja, o sistema capitalista é produtor, cada vez mais, de uma constante barbárie.

A flexibilidade e a precariedade, segundo Laura Tavares (2003), tornam o futuro e qualquer perspectiva de vida incertos, ou, como diz Pierre Bourdieu:

Boxe complementar:

(...) o trabalho se torna uma coisa rara, desejável a qualquer preço, submetendo os trabalhadores aos empregadores, e estes, (...) usam e abusam do poder que assim lhes é dado. A concorrência é acompanhada por uma concorrência no trabalho (...), que é preciso conservar, custe o que custar, contra a chantagem da demissão.

(BOURDIEU, 1998, p. 122)

Fim do complemento.

Entender isso é saber qual o recado dado pelo camelô que escreve "patrão nunca mais", pois ele sabe que a possível única via de sobrevivência é "se virar por conta própria", para não viver no submundo dos sobrantes. É entender por que um diretor de marketing da bolsa de valores da Suíça se tornou um pintor de paredes.

A partir desse estudo não é muito difícil também compreender, por exemplo, as razões da fila de 130 mil pessoas para ocupar cerca de 2.000 vagas para gari no Rio de Janeiro, fato ocorrido em 2004. Naquela fila encontravam-se desde semianalfabetos até médicos, advogados e ex-operários industriais. Já o também concorrido concurso para ocupar vagas de gari no mesmo município, ocorrido em 2009, teve entre seus inscritos 45 candidatos com doutorado, 22 com mestrado e 80 com pós-graduação (cf. reportagem publicada pelo Portal G1, em 21/10/2009). Este tempo de incertezas quanto ao futuro e de aumento do desemprego e do trabalho precário resultam também, portanto, no aumento acentuado da grande concorrência que sempre existiu para quaisquer concursos públicos, mesmo naqueles que exigem pouca qualificação acadêmica.

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LEGENDA: Passeata de professores em Portugal, em novembro de 2008.

FONTE: Acervo pessoal dos autores

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Um novo fast food para você...

Mas o que isso tudo tem a ver com a educação dos jovens no Ensino Médio?

Ora, existe uma ideia neoliberal dominante no Ensino Médio, em especial nas escolas que oferecem também a educação profissional, que é chamada de produtivista, isto é, a educação oferecida por essas escolas assume o ideário da reestruturação produtiva, subordinando-se à lógica única que é determinada pela produção e pelo mercado.

O que acabamos de escrever significa dizer que a educação continua se submetendo aos interesses do mercado, pois estamos falando da educação que é oferecida pela classe dominante aos trabalhadores. Ou seja, se a todo instante ouvimos falar que estamos em tempo de reestruturação produtiva, de economia competitiva e de globalização, as escolas devem ajustar-se a uma realidade que é posta como se fosse nova e totalmente "irreversível". Esse ajuste postula uma educação e uma formação profissional que gerem um "novo trabalhador" - flexível, polivalente e moldado para a competitividade. Caberia, pois, à escola desenvolver um "banco" variado de competências e de habilidades gerais, específicas e de gestão.

Diante das mudanças no mundo do trabalho - relacionadas à crise estrutural do emprego formal -, já não se pensa em "formar para o posto de trabalho", mas para a "empregabilidade". Passa-se, portanto, a ideia de que, com os diversos cursos de qualificação profissional espalhados pelo país, todos os estudantes se tornarão empregáveis. Note-se que já não se propagandeia a educação técnica ou tecnológica e o Ensino Médio para a formação da cidadania e para a luta pelos direitos, mas para as exigências exclusivas do mercado.

Nas redes de qualificação profissional, a ideia matriz do conteúdo pedagógico apresenta um cardápio literalmente do tipo fast food, ou seja, ensina-se o mínimo essencial para os jovens competirem no mercado de trabalho.

Ora, o que efetivamente esse projeto sinaliza é a transformação das escolas técnicas federais - e, por consequência, as estaduais - no SENAI dos anos de 1940, dando-lhes, sobretudo, a função de requalificação de contingentes de trabalhadores desempregados ou de formação técnica modular com menor duração e com currículos curtos.

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FONTE: © Angeli - UOL 05.04.2009

Nessas propostas, que já estão sendo implementadas em alguns locais, a educação regular e, especialmente, a formação técnico-profissional - ou, utilizando um termo mais atual, "profissional e tecnológica" - aparecem, uma vez mais, como sendo a "galinha dos ovos de ouro", que pode nos ajustar à nova ordem mundial definida pela globalização e pela reestruturação produtiva.

A novidade não é integrar todos, mas apenas aqueles que adquirirem "habilidades básicas" que gerem "competências" reconhecidas pelo mercado. Competências e habilidades para garantir não mais o posto de trabalho e ascensão numa determinada carreira, mas a empregabilidade.

O ideário das novas habilidades - de conhecimento, valores e gestão - e, portanto, de novas competências para a empregabilidade, apaga o horizonte da educação e da formação profissional e tecnológica como um direito de todos os estudantes. Trata-se, agora, de serviços ou bens a serem adquiridos para competir no mercado produtivo.

Seria a formação para a empregabilidade a "chave mágica" para superar a crise do desemprego estrutural?

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Será que as distorções do mercado e a crise do emprego são determinadas pela qualificação ou não dos trabalhadores? Ou melhor, é possível resolver a crise do emprego somente com a abertura de novas escolas técnicas ou a partir da obtenção de um diploma de Ensino Médio ou, principalmente, de nível superior?

Sobre este último, vale registrar a avaliação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em entrevista em nosso país, ao ser indagado sobre a educação superior a nível mundial: "o sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais" (BAUMAN, 2015).

O que você pensa a respeito disso?

Vamos ao debate!

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LEGENDA: Uma característica das políticas neoliberais é a tentativa de separar a formação geral da formação técnica e profissional. Na foto, estudantes de escolas técnicas em uma feira tecnológica.

FONTE: Ricardo Costa

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FONTE: © Angeli - UOL 27.01.2009

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a História

A História e a Sociologia nas ondas da reestruturação produtiva: quando explicar é menos simples do que parece

Mônica Lins

De que forma a Sociologia contribui para a análise dos acontecimentos e dos processos históricos? Se essas duas ciências - História e Sociologia - correm em paralelo, como poderiam produzir articulações em suas análises? Como as mudanças históricas podem ser tratadas pela Sociologia? Essas perguntas ficam para a sua reflexão, mas o historiador Peter Burke considerou que nem sempre historiadores e sociólogos conseguiram manter uma "política de vizinhança", mas são inegáveis "vizinhos intelectuais", pois enquanto a Sociologia trata da sociedade humana enfatizando "generalizações sobre a sua estrutura e desenvolvimento", a História destacaria o estudo das "mudanças" ocorridas entre as sociedades e as "diferenças" existentes entre cada uma delas com o passar do tempo (cf. BURKE, 2002, p.12).*

A chamada reestruturação produtiva trouxe importantes implicações para a Sociologia, e seu aparato tecnológico produziu historicamente semelhanças e diferenças entre as distintas sociedades humanas. O uso da robótica, da automação e da microeletrônica são algumas das inúmeras inovações tecnológicas que, juntamente com as novas formas de organização e de gestão do processo de trabalho, invadiram o nosso cotidiano. Na chamada Era da Informação, as tecnologias informacionais constituem um dos polos centrais da moderna economia mundial, representando fator-chave dos processos produtivos. O ritmo mais uma vez se acelerou, as informações são imediatas, as distâncias se encurtaram e o os grandes acontecimentos mundiais chegam até nós em tempo real. O relógio, considerado uma das maiores invenções da humanidade, não seria mais a máquina-chave da sociedade industrial moderna. A cada tecnologia nova, temos a expressão dos desejos do homem de romper limites. No final do século XIX, surgem a luz elétrica, o telefone, o avião, o fonógrafo, a máquina de escrever e o cinema. Com o fim da Segunda Guerra Mundial aprofundou-se o uso e a popularização dos instrumentos de comunicação audiovisuais, e a partir do fim dos anos 1970 os computadores despontaram como objetos para consumo. Apesar desses avanços tecnológicos serem relevantes para a História mundial, ainda encontramos no Brasil lugares sem luz elétrica. Nossa História mudou bastante, mas dá para perceber que o desenvolvimento industrial e o tecnológico permanecem desiguais em relação a diversas comunidades pelo mundo?

Por volta de 1950, enquanto a Toyota já revolucionava os modelos de produção industrial, no Brasil começavam a crescer importantes cidades industriais em torno de grandes empresas, que adotavam os paradigmas fordista e taylorista de configuração das tarefas laborais. A extrema pobreza de algumas regiões contrastava com as cidades onde cresciam os grandes conglomerados industriais. Migrantes de todos os cantos se arriscaram em outros territórios na busca de concretizarem seus sonhos de sobrevivência. Os que se incorporaram à dinâmica da cidade industrial passaram a consumir bens materiais e serviços com o fruto de seu trabalho. Junto às grandes indústrias, muitas outras atividades produtivas foram se desenvolvendo e novos postos de trabalho sendo criados. Mas, as novas tecnologias aliadas às novas formas de organização do trabalho começariam, a partir dos anos 1990, a reduzir drasticamente os postos de trabalho e a gerar um desemprego estrutural - as vidas de muitas cidades sofreriam com essas transformações. Mais uma vez, a História nos faz compreender que nossa forma de habitar as cidades mudou em função da reorganização do mundo do trabalho.

Fundamentalmente, nos cabe refletir sobre a complexidade dos fenômenos históricos e sociais e pensar na diversidade de experiências que envolvem o que chamamos de reestruturação produtiva. A teoria social pode sugerir novas questões aos historiadores, assim como estes podem apresentar novas perguntas às teorizações, como bons vizinhos, pois a realidade é bem menos simples do que parece.

Mônica Regina Ferreira Lins é professora dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - CAp-UERJ. Graduada em História pela UERJ e Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ.

* BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Defina reestruturação produtiva e desemprego estrutural.

2 - Diferencie fordismo e toyotismo.

3 - Quais as consequências sociais da flexibilização no mundo do trabalho? Que relação ela apresenta com a ideia de empregabilidade?

Dialogando com a turma

1 - A partir dos exemplos expostos no texto, reflita com seus colegas sobre as mudanças no mundo do trabalho.

2 - A reestruturação produtiva trouxe algum benefício para os assalariados? Por quê?

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2011)

A introdução de novas tecnologias desencadeou uma série de efeitos sociais que afetaram os trabalhadores e sua organização. O uso de novas tecnologias trouxe a diminuição do trabalho necessário que se traduz na economia líquida do tempo de trabalho, uma vez que, com a presença da automação microeletrônica, começou a ocorrer a diminuição dos coletivos operários e uma mudança na organização dos processos de trabalho.

A utilização de novas tecnologias tem causado inúmeras alterações no mundo do trabalho. Essas mudanças são observadas em um modelo de produção caracterizado:

(A) pelo uso intensivo do trabalho manual para desenvolver produtos autênticos e personalizados.

(B) pelo ingresso tardio das mulheres no mercado de trabalho no setor industrial.

(C) pela participação ativa das empresas e dos próprios trabalhadores no processo de qualificação laboral.

(D) pelo aumento na oferta de vagas para trabalhadores especializados em funções repetitivas.

(E) pela manutenção de estoques de larga escala em função da alta produtividade.

2 - (ENEM, 2005)

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As tiras ironizam uma célebre fábula e a conduta dos governantes. Tendo como referência o estado atual dos países periféricos, pode-se afirmar que nessas histórias está contida a seguinte ideia:

(A) Crítica à precária situação dos trabalhadores ativos e aposentados.

(B) Necessidade de atualização crítica de clássicos da literatura.

(C) Menosprezo governamental com relação a questões ecologicamente corretas.

(D) Exigência da inserção adequada da mulher no mercado de trabalho.

(E) Aprofundamento do problema social do desemprego e do subemprego.

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Pesquisando e refletindo

LIVROS

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CARMO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 1995. (Coleção Polêmica).

O sociólogo e filósofo Paulo Sérgio do Carmo demonstra que o trabalho tem sido exaltado ou desprezado em diferentes épocas e nações. O livro trata ainda de novas técnicas empresariais do século XX, como o taylorismo, as relações humanas e também a atenção que o trabalho recebe do Estado.

NASCIMENTO, Aurélio Eduardo; BARBOSA, José Paulo. Trabalho: história e tendências. São Paulo: Ática, 2003.

Este outro livro trata do tema trabalho como atividade social em vários períodos da História da humanidade, destacando principalmente o capitalismo e a globalização da economia.

FILMES

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SEGUNDA-FEIRA AO SOL (Mondays in the Sun, Espanha, 2003). Direção: Fernando Leon de Aranoa. Elenco: Javier Bardem, Luis Tosar, Jose Angel Egido. Duração: 113 min.

Numa cidade ao norte da Espanha alguns estaleiros começam a ser fechados, deixando vários trabalhadores desempregados. Um filme que apresenta a discussão sobre as consequências da reestruturação produtiva do capital na vida cotidiana dos indivíduos.

O CORTE (Le Couperet, Bélgica/Espanha/França, 2005). Direção: Costa-Gravas. Elenco: José Garcia, Karin Viard, Ulrich Tukur. Duração: 122min.

Um executivo francês é demitido. Como não consegue um novo emprego depois de dois anos, fica desesperado. Como saída, ele tenta recuperar seu antigo cargo. Para isso, decide matar aquele que o substituiu e todos os funcionários da empresa que ele avalia que tinham potencial para ocupar esse mesmo cargo.

INTERNET

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FORDISMO


No site de busca do Google Imagens, digite a palavra "fordismo". A partir das imagens da fábrica da Ford, nos Estados Unidos, do início do século XX, faça uma comparação com as imagens das fábricas atuais de automóveis. Com a orientação do professor, destaque as principais mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Acesso: janeiro/2016.

SOCIOLOGIA DO TRABALHO - Entrevista com Ricardo Antunes: http://bit.ly/1e56vca

Site da revista Sociologia, apresentando uma entrevista com o professor da UNICAMP, Ricardo Antunes, um dos principais especialistas da Sociologia do Trabalho no Brasil. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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DANÇA DO DESEMPREGADO - Autor e intérprete: Gabriel O Pensador.

Uma cômica canção que fala sobre a situação do desempregado na sociedade brasileira.

MARVIN - Autores: Sérgio Britto e Nando Reis. Intérpretes: Titãs.

Canção dos Titãs que fala do trabalho na vida de duas gerações: o pai e o seu filho.

FILME DESTAQUE

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TEMPOS MODERNOS

(Modern Times)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Charles Chaplin

Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard

P&B


Duração: 88 min.

(EUA, 1936)

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FONTE: Charles Chaplin Production/ Charles Chaplin

SINOPSE:

Obra-prima do cinema mudo, ambientada durante a Depressão de 1929. Chaplin, através de seu personagem Carlitos, procura denunciar o caráter desumano do trabalho industrial mecanizado, da tecnologia e da marginalização de setores da sociedade.

Juntamente com O Garoto e O Grande Ditador, Tempos Modernos está entre os filmes mais conhecidos do ator e diretor Charles Chaplin, sendo considerado um marco na história do cinema.

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Aprendendo com jogos

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Lutas simbólicas

(Coletivo Entre Olhos, 2011-2014)

QUANDO O "MÉRITO" ESCONDE O PRIVILÉGIO...

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FONTE: Divulgação/ Coletivo Entre Olhos

Este jogo está fundamentado na teoria sociológica de Pierre Bourdieu. O objetivo no jogo é a busca pela distinção e por lugares privilegiados no espaço social. Ganha o jogo quem acumular mais capital simbólico. Como jogar:

1. Leia o capítulo 11 deste livro e as entrevistas com os autores do jogo em: http://controversia.com.br/

2. Você pode informar-se sobre como obter um exemplar do jogo aqui: https://goo.gl/oCPSBD3. Organize-se em grupos junto com os seus colegas de sala para um campeonato.

4. Após o jogo, assistam o documentário Profissão Criança (Centro de Criação de Imagem Popular. Direção: Sandra Werneck. 1993). O vídeo mostra o cotidiano de quatro crianças trabalhadoras. As crianças falam sobre o seu trabalho, os seus sonhos, seus medos e suas revoltas. Afastados da escola, eles têm responsabilidades de adultos, porém "salário de criança". Este vídeo é muito interessante para um debate em sala sobre desigualdade, cidadania e também da própria imagem da infância em nossa sociedade. Um detalhe importante sobre o vídeo: o olhar predominante é o das próprias crianças, que se encontram ao final do documentário e o discutem. Você pode assistir o filme aqui: https://goo.gl/Xle3pS

5. Reflitam sobre a possibilidade das crianças apresentadas no vídeo acumularem capítal cultural ou social suficiente para moverem-se para outra posição da hierarquia social.

6. Escrevam o que aprenderam com o jogo e o documentário sobre as temáticas relacionadas.

7. Esbocem novos jogos, com indicações de desenho das cartas, regras, objetivo, conteúdo relacionado à disciplina e conteúdo das cartas, sendo que cada grupo deverá elaborar um jogo diferente dos demais.





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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Biologia

Chega de meio ambiente! Lutemos por um ambiente inteiro

Lana Fonseca

A frase acima foi um lema muito usado em campanhas pela preservação do meio ambiente no final dos anos 1980, quando as questões ambientais começam a ganhar maior divulgação na sociedade. Palavras como Ecologia, Movimento Verde, Meio Ambiente, Preservação Ambiental começaram a circular cada vez mais, anunciando que algo "novo" estava surgindo.

A Ecologia é um dos ramos da Biologia que vai estudar as relações entre os seres vivos e o ambiente mas, atualmente, essa palavra virou sinônimo de tudo que está ligado à preservação do ambiente.

Na verdade, o termo Ecologia surgiu na segunda metade do século XIX, quando o cientista alemão Ernst Haeckel sugeriu o termo para designar o estudo das relações entre animais e plantas com o ambiente. Entretanto, as preocupações com as relações dos seres vivos entre si e destes com o que era denominado ambiente só vão ganhar força a partir da publicação do livro Primavera Silenciosa,da escritora estadunidense Rachel Carlson, em 1962 (cf. CARLSON, 2010).* Esse livro, ao denunciar as consequências do uso de produtos químicos nas lavouras nos Estados Unidos, detona uma série de ações em defesa do meio ambiente e é considerado como um marco para o movimento ambientalista.

No decorrer do século XX, vimos surgir cada vez mais essa discussão na sociedade e as questões denominadas ambientais ganharam espaço na sociedade de tal forma que hoje podemos afirmar que grande parte da população já ouviu falar em palavras como Ecologia, Ambiente, Movimento Verde.

Contudo, sabemos que até mesmo questões legítimas como a luta da sociedade pela preservação do meio ambiente são apropriadas pelo Capital e hoje a discussão ambiental "está na moda". Consumir produtos orgânicos, usar materiais reciclados, "salvar o verde", preservar o ambiente, enfim, tudo isso se tornou mais uma forma de consumo na sociedade capitalista. Falamos de desenvolvimento sustentável, mas é possível efetivar a sustentabilidade - garantia de condições adequadas de sobrevivência para as gerações atuais e futuras - com a forma de organização de nossa sociedade?

Apesar de inúmeros esforços de diversos setores (movimentos sociais, universidades, dentre outros) para chamar a atenção da sociedade para o fato de estarmos vivendo uma "crise ambiental" sem precedentes na História, continuamos consumindo cada vez mais e mais.

Um bom exemplo para pensarmos esse consumo desenfreado é o aumento do número de celulares no Brasil. Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), de agosto de 2012, revelam que o Brasil atingiu a marca de mais de 256 milhões de celulares em funcionamento no país! Ou seja, há mais celulares que habitantes no Brasil! (O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - estima que, em julho de 2012, contávamos 193.946.886 habitantes). Pense quantas vezes você já trocou de aparelho celular. Você realmente precisava de um aparelho novo? Mas somos todos os dias bombardeados por novos aparelhos, com novos recursos que nos fazem querer sempre o "mais moderno".

Esse ritmo de consumo cada vez mais acelerado traz consequências desastrosas para o meio ambiente, pois, para produzir cada vez mais, precisamos de mais matéria-prima, impactamos mais o ambiente com os resíduos produzidos e ainda temos o problema do descarte daqueles produtos que não queremos mais.

É importante percebermos que todas as ações que realizamos no nosso dia a dia têm impacto direto no meio ambiente e a maioria dessas ações é irreversível.

Lana Claudia de Souza Fonseca é professora da UFRRJ. Graduada em Biologia pela UFRRJ e Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense.

* CARLSON, Rachel. Primavera Silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010.

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Interatividade

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Revendo o capítulo

1 - Defina o significado de aquecimento global e o diferencie de efeito estufa. O que é que a utilização de combustíveis derivados do petróleo tem a ver com isso?

2 - O que é e como surgiu a Sociologia Ambiental? O que ela estuda?

3 - Explique a frase "a poluição não é democrática". Complemente sua resposta a essa questão, pesquisando e explicando o significado da expressão Justiça Ambiental.

Dialogando com a turma

1 - Faça uma pesquisa a respeito da realização, em 1992, no Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como a Conferência da Terra ou ECO 92 e compare-a com o evento da Rio + 20, realizada em 2012. Aproveite para atualizar as informações e conhecer as deliberações sobre as diversas conferências mundiais sobre o clima.

2 - Pesquise e explique que é o Protocolo de Kyoto.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2010)

Se, por um lado, o ser humano, como animal, é parte integrada da natureza e necessita dela para continuar vivendo, por outro lado, como ser social, cada dia, mais sofistica os mecanismos de extrair da natureza, recursos que, ao serem aproveitados, podem alterar de modo profundo a funcionalidade harmônica dos ambientes naturais.

A relação entre sociedade e natureza vem sofrendo profundas mudanças em razão do conhecimento técnico. A partir da leitura do texto, identifique a possível consequência do avanço da técnica sobre o meio natural.

(A) a sociedade aumentou o uso de insumos químicos - agrotóxicos e fertilizantes - e, assim, os riscos de contaminação.

(B) o homem a partir da evolução técnica conseguiu explorar a natureza e difundir harmonia na vida social.

(C) as degradações produzidas pela exploração dos recursos naturais são reversíveis, o que, de certa forma, possibilita a recriação da natureza.

(D) o desenvolvimento técnico, dirigido para a recomposição de áreas degradadas superou os efeitos negativos da degradação.

(E) as mudanças provocadas pelas ações humanas sobre a natureza foram mínimas, uma vez que os recursos utilizados são de caráter renovável.

2 - (ENEM, 2010)

A atmosfera terrestre é composta pelos gases nitrogênio (N2) e oxigênio (O2), que somam cerca de 99%, e por gases traços, entre eles o gás carbônico (CO2), vapor de água (H2O), metano (CH4), ozônio (O3) e o óxido nitroso (N2O), que compõem o restante 1% do ar que respiramos. Os gases traços, por serem constituídos por pelo menos três átomos, conseguem absorver o calor irradiado pela Terra, aquecendo o planeta. Esse fenômeno, que acontece há bilhões de anos, é chamado de efeito estufa. A partir da Revolução Industrial (século XIX), a concentração de gases traços na atmosfera, em particular o CO2, tem aumentado significativamente, o que resultou no aumento da temperatura em escala global. Mais recentemente, outro fator tornou-se diretamente envolvido no aumento da concentração de CO2 na atmosfera: o desmatamento.

BROWN, I. F.; ALECHANDRE, A. S. Conceitos básicos sobre clima, carbono, florestas e comunidades. In:MOREIRA, A.G; SCHWARTZMAN, S. As mudanças climáticas globais e os ecossistemas brasileiros. Brasília: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, 2000 (adaptado).

Considerando o texto, uma alternativa viável para combater o efeito estufa é:

(A) reduzir o calor irradiado pela Terra mediante a substituição da produção primária pela industrialização refrigerada.

(B) promover a queima da biomassa vegetal, responsável pelo aumento do efeito estufa devido à produção de CH4.

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(C) reduzir o desmatamento, mantendo-se, assim, o potencial da vegetação em absorver o CO2 da atmosfera.

(D) aumentar a concentração atmosférica de H2O, molécula capaz de absorver grande quantidade de calor.

(E) remover moléculas orgânicas polares da atmosfera, diminuindo a capacidade delas de reter calor.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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ATLAS DO MEIO AMBIENTE. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2008.

Um dossiê completo sobre as principais questões envolvendo a temática ambiental, com dados estatísticos, mapas e análises sociológicas.

LAGO, Antonio; PÁDUA, José Augusto. O que é ecologia. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Escrito por dois militantes ecológicos, este livro discute os efeitos das brutais agressões mantidas contra o meio ambiente e analisa as possibilidades de um mundo melhor, onde homem e natureza vivam em harmonia.

FILMES

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CÉSIO 137 - O PESADELO DE GOIÂNIA (Brasil, 1991). Direção: Luiz Antonio de Carvalho. Elenco: Paulo Betti, Nélson Xavier, Joana Fomm, Stepan Nercessian. Duração: 115 min.

Baseado nos acontecimentos que ocorreram em Goiânia, em 1987, quando crianças encontraram objeto radioativo no lixo e o levaram para casa, provocando a contaminação e a morte de várias pessoas.

ERIN BROCKOVICH - UMA MULHER DE TALENTO (Erin Brockovich, EUA, 2000). Direção: Steven Soderbergh. Elenco: Julia Roberts, David Brisbin, Dawn Didawick. Duração: 131 min.

Erin, mulher solteira, mãe de três filhos, perde uma ação judicial e exige que o seu advogado a empregue em seu escritório. Organizando arquivos de um caso judicial, ela decide investigar o problema e acaba descobrindo que uma empresa vem contaminando as águas de uma pequena cidade, onde os moradores contraíram câncer.

INTERNET

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ECOSOCIALISMO: entrevista com Michael Löwy - http://bit.ly/15l2Yi8

Entrevista com o sociólogo Michael Löwy. Assista com seus colegas e debata com a turma a respeito das propostas apresentadas. Acesso: janeiro/2016.

INSTITUTO PÓLIS. http://www.polis.org.br/

O Instituto Pólis desenvolve projetos de estudos, formação e assessorias em políticas sociais em colaboração com atores sociais, redes e fóruns que protagonizam a produção de cidades justas, democráticas e sustentáveis. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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BLACKENED (Escureça) - Autores e intérpretes: Metallica.

Letra bastante pessimista a respeito do futuro do planeta, em função do presente de destruição da natureza.

HAGUA - Autores: Seu Jorge, Gabriel Moura, Jovi. Intérprete: Seu Jorge.

Um planeta sem água potável, em razão do desequilíbrio ambiental.

FILME DESTAQUE

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O MUNDO SEGUNDO A MONSANTO

(Le Monde Selon Monsanto)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Marie-Monique Robin

Duração: 109 min.

(França, 2004)

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FONTE: Image et Compagnie/ Marie-Monique Robin

SINOPSE:

Documentário denunciando com informações e dados incontestáveis a multinacional produtora de transgênicos. Apresenta depoimentos inéditos de cientistas, políticos e advogados sobre as manipulações e suas ações corruptas acobertadas pela mídia, assim como as "relações íntimas" da empresa com o governo norte-americano do democrata Bill Clinton (1993-2001), de quem Al Gore, apresentador do documentário A verdade inconveniente, foi vice-presidente. Pode ser assistido no You Tube.

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Aprendendo com jogos

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Food Force

(WFP/ FAO/ Deepend/ Playerthree, 20)

FOME: UMA QUESTÃO POLÍTICA!

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FONTE: Divulgação: WFP

A maior agência humanitária do mundo, WFP (Programa Alimentar Mundial, das Nações Unidas), desenvolveu o Food Force, um jogo educativo gratuito que conta a história de Sheylan, uma ilha fictícia que luta contra a crise de fome. Você vai coordenar uma equipe de experientes voluntários para ajudar a ilha a sair de sua grave crise alimentar!

Como jogar:

1. Baixe e instale gratuitamente o jogo a partir de http://goo.gl/ei4jw0

2. Organize-se em grupos com os seus colegas e jogue.

3. Façam pesquisas sobre a temática da fome no mundo e investiguem motivações políticas, econômicas e históricas.

4. Realizem em aula posterior um breve resumo sobre o que aprenderam com o jogo sobre as temáticas relacionadas.

ECOnomia

(Riachuelo Games, 2010)

CAPITALISMO SUSTENTÁVEL É POSSÍVEL?

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FONTE: Divulgação: Riachuelo Games

Este é um jogo de estratégia cujo desafio é gerir um grande conglomerado empresarial. Você tomará decisões sobre novos investimentos, aquisição de novas empresas e desenvolvimento de tecnologias que beneficiem o meio ambiente. Como principal gestor executivo da empresa, você deve fazê-la desenvolver-se dentro de uma economia sustentável, adquirindo tecnologias e diminuindo a poluição e o impacto de seus negócios sobre o meio ambiente.

Como jogar:

1. Organize-se em grupos com os colegas e realize um campeonato em sala.

2. Se for possível, informe-se sobre como obter uma cópia do jogo em http://goo.gl/xtXimW3. Realizem em aula posterior um breve resumo sobre o que aprenderam com o jogo sobre as temáticas relacionadas.

4. Analise com os seus colegas se é possível a economia capitalista realmente poder diminuir o impacto da produção sobre o meio ambiente (analise criticamente a proposta do game). Para isso, realizem pesquisas sobre desastres ambientais recentes, como o ocorrido em Mariana - MG no final de 2015, em que uma represa da mineradora Samarco rompeu-se e contaminou rios, bacias e extensas porções de terra, levando à morte pessoas e animais, contaminando a água que abastecia diversos municípios e causando prejuízos a uma população enorme.

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Capítulo 13 - "É de papel ou é pra valer?" Cidadania e direitos no mundo e no Brasil contemporâneo

Antes de conversarmos sobre o título acima, precisamos verificar o que cada um de nós entende quando se fala em cidadania.

Consultando a maioria dos dicionários, a palavra cidadania aparece definida como qualidade de cidadão. Cidadão? Pois é, esta palavra, com certeza, você já ouviu alguém falar... Qual é mesmo o seu significado?

Cidadão = aquele que está no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado.

Veja só como a história parece complicada... "direitos"... e, ainda por cima, "civis e políticos" e relacionados ao "Estado"....

Para que possamos entender tudo isso, precisamos primeiro perceber como essas ideias foram sendo construídas através da História e como elas chegaram para nós no mundo de hoje.

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LEGENDA: Milhares de brasileiros catam diariamente nos lixões o seu sustento. Serão eles cidadãos?

FONTE: Christian Tragni/Folhapress

Uma breve história da cidadania

A cidadania tem uma "pré-história". Na Grécia Antiga, "cidadão" era o nome dado ao membro da "cidade". Os cidadãos gregos se responsabilizam pela coletividade, tendo o poder de atribuir e distribuir os postos ligados a funções públicas, envolvendo, por exemplo, a justiça e a política. Portanto, os cidadãos é que cuidavam da administração da cidade-estado grega, a pólis.

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Daí é que vem o termo "política", que significava exatamente essa intenção de se cuidar bem da pólis, da cidade.

Não estamos aqui preocupados em discutir exatamente como era o funcionamento de uma cidade-estado grega ou de outros povos da Antiguidade. Inclusive porque essa ideia de "cidade-estado" difere em muito do que vêm a ser as nossas cidades contemporâneas.

Queremos ressaltar a origem dessas palavras, utilizadas até hoje.

Mas quando falamos em "pré-história" da cidadania, existe um motivo para isso. Como chamamos a atenção, o cidadão é aquele que possui e goza de determinados direitos. Ter direitos significa ter a capacidade e a autonomia para usufruir determinados benefícios legais garantidos pelo Estado aos seus habitantes. Exemplos? Ser possuidor de documentos, tais como certidão de nascimento, carteira de identidade, título de eleitor, carteira de motorista etc.

Poder ter acesso a esses documentos são direitos civis de cada pessoa. Civis é derivado do latim civitas, que também significa cidadão, ou o habitante da cidade. A certidão de nascimento é um direito adquirido logo ao nascer; já a carteira de identidade, só posteriormente. A carteira de motorista, porém, somente pode ser obtida aos dezoito anos. É nesta idade que o indivíduo começa a adquirir o que chamamos de cidadania plena, ou seja, a capacidade legal de responder pelos seus próprios atos diante das autoridades públicas.

Voltando ao que comentamos antes: na Grécia Antiga, poucos eram os indivíduos que tinham acesso a uma cidadania plena. Na verdade, somente aqueles que eram homens gregos, adultos e proprietários de terras é que detinham o poder de decidir sobre os rumos da cidade. Estavam excluídos da cidadania grega as mulheres, os jovens, os pobres, os estrangeiros - e, é claro, os escravos.

Essa "cidadania restrita" também era característica dos primórdios da Roma Antiga, onde somente aqueles que eram considerados nobres - os patrícios - acumulavam direitos, tais como a propriedade da terra e o usufruto do poder político. Já os não nobres - os plebeus - provocaram diversas revoltas contra o poder constituído, para que tivessem acesso a alguns direitos. O que até conseguiram, mas sempre de maneira restrita (aqui você pode recordar das suas aulas de História...). Mas só o fato dos plebeus terem conseguido o acesso a alguns direitos já faz de Roma uma sociedade mais aberta do que a aristocrática Grécia.

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LEGENDA: Ser cidadão na Roma Antiga era uma situação muito diferente comparada com a condição do cidadão no Brasil atual? Na foto, as ruínas do Fórum Romano, que era um dos centros políticos da cidade.

FONTE: Image Source/Bjoern Holland

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Por falar em História, imagine-se viajando numa máquina do tempo! Você pode "visitar" diversos momentos da História da humanidade e tentar perceber como vivem aqueles que detêm o poder político, econômico e religioso, em comparação com a maioria da população. Dá para entender, então, quando falamos em direitos, não é?

Vamos estacionar a "nossa máquina do tempo" na França de 1789. A Revolução que então ocorreu foi um marco para a história dos direitos e da cidadania. A Constituição, elaborada pelos revolucionários, era intitulada Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Dizia, entre outras coisas, que todos nascem livres e que todos são iguais perante a lei. Era a formação de uma nova sociedade, em oposição ao "Antigo Regime", no qual não existiam "direitos", mas somente os privilégios da nobreza e do Clero.

Muito bem! Que maravilha! A humanidade estava encontrando o seu caminho de liberdade, igualdade e fraternidade - exatamente o lema da Revolução Francesa.

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LEGENDA: A Revolução Francesa mudou definitivamente a concepção sobre os direitos humanos na Europa. Tela de Eugene Delacroix (1798-1863): A Liberdade guiando o povo (1830).

FONTE: Acervo do Museu do Louvre (Paris, França)

O que é que não estava sendo dito, infelizmente? Que a Revolução não era de todos, mas sim que se tratava de uma "revolução burguesa", na qual uma classe social em ascensão, já economicamente muito poderosa, começava a adquirir também o poder político, passando a governar a Nação francesa e, em consequência, ter mais direitos do que o restante do povo trabalhador... Não é à toa que um dos mais importantes direitos do homem e do cidadão era o direito à propriedade - que, é claro, poucos detinham.

A história das etapas da Revolução Francesa mostra o quanto a luta pelos direitos dos indivíduos foi uma luta que custou muitas vidas e onde correu muito sangue. Na maior parte do tempo, a alta burguesia fez valer a sua força e exerceu o poder com mãos de ferro. Um exemplo era o direito de eleger os governantes da Nação, em substituição à realeza: foi um direito universal praticado por muito pouco tempo, no período do Governo Jacobino - quase sempre, durante a Revolução, o voto era censitário, ou seja, um direito de quem tinha determinada renda e propriedades.

De qualquer forma, a Revolução Francesa, assim como aquelas que ocorreram antes, as revoluções inglesas, no século XVII, e a americana, também no século XVIII, forneceram os alicerces da cidadania das sociedades contemporâneas. Ideias tais como o respeito aos direitos dos indivíduos, de liberdade e de igualdade entre todos puderam ser perseguidas com maior profundidade a partir dessas experiências concretas desenvolvidas pelo homem. Essas revoluções foram verdadeiros "laboratórios" para as principais ideias defendidas por pensadores de renome como Locke, Rousseau, Montesquieu e Tocqueville. As obras destes filósofos serviram de referência para aquele momento da História e até hoje fornecem a base para as ideias que regem a sociedade em que vivemos. O grande obstáculo a uma igualdade de fato, como veremos a seguir, foi o conjunto de interesses distintos e conflitantes existente entre os seres humanos, a partir da sua posição social na organização da sociedade capitalista - a forma de organização social e econômica que foi vitoriosa a partir das revoluções citadas anteriormente.

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Direitos civis, políticos e sociais

Alguns pensadores entendem a história da sociedade capitalista como uma história marcada por uma evolução dos direitos do homem, de caráter irreversível. Dentre esses autores, o mais citado nesse sentido tem sido o inglês T. H. Marshall.

Marshall estuda a formação do Estado de Bem-estar Social - o Welfare State -, considerado, durante parte do século XX, como um exemplo de que o capitalismo - e não o socialismo - era o sistema econômico, político e social ideal, o único capaz de garantir verdadeiramente a prosperidade e uma vida segura, livre e igualitária para todos os seus cidadãos. Realmente, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início de 1970, os países capitalistas mais avançados, chamados de "Primeiro Mundo", conheceram níveis de progresso e de riqueza nunca vistos antes. E o Estado era o principal responsável em prover a subsistência digna dos seus cidadãos, garantindo para todos educação e saúde públicas de qualidade, saneamento, transporte, rede de energia elétrica e, depois de tudo, uma aposentadoria tranquila. Esse Estado Providência, portanto, tinha como objetivo a garantia de pleno emprego, altos salários e acesso a direitos para todos os indivíduos. Ao lado dessas políticas sociais de caráter geral e universalizantes, havia também a preocupação política no sentido de que a população acompanhasse de alguma forma a gestão pública, através do aprofundamento da democracia como regime de governo, com partidos políticos representativos, inclusive organizados por trabalhadores vinculados a sindicatos - como se apresentavam os partidos identificados com o Estado de Bem-estar, defensores da social democracia e do trabalhismo.

Assistiu-se também à explosão de manifestações culturais de massa, nas artes e na literatura, com a expansão das transmissões de rádio e da TV, com destaques para a indústria do cinema e para a música, principalmente o rock. Seu símbolo máximo como sinal de prosperidade e sucesso individual era o automóvel.

Mas o Estado de Bem-estar Social durou apenas cerca de trinta anos! Por este motivo, estes foram chamados depois de os "Trinta Anos Gloriosos" do capitalismo.

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FONTE: Miguel Paiva

Pois bem: Marshall apresentava esse Estado como uma consequência natural do progresso capitalista. Um progresso que teria acontecido aos poucos na História, a partir da evolução da organização das sociedades que realizaram a Revolução Industrial.

Tomando a Inglaterra como modelo, Marshall (1967) procurou mostrar que, desde o século XVIII, teria acontecido uma "ampliação progressiva" da cidadania. Primeiro, no século XVIII, teriam se constituído os direitos civis, relacionados à liberdade individual e às relações de trabalho. Depois, no século XIX, a cidadania passou a compreender os direitos políticos, ou seja, os trabalhadores passaram a ter o direito de participar no exercício do poder político. Por fim, já no século XX, o Estado de Bem-estar inglês significou a conquista dos direitos sociais, com os quais todos passaram a ter acesso à distribuição da riqueza produzida no país, através da elaboração de políticas sociais universais.

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Neste século XXI alguns teóricos do Direito entendem que a classificação citada acima, elaborada por Marshall na década de 1960 do século passado, não atenderia mais às necessidades dos cidadãos em relação às suas demandas por direitos humanos. Assim, defendem uma nova classificação, que ordenaria os direitos em cinco gerações diferentes. Esta nova classificação foi denominada como a Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais. Essas gerações corresponderiam aos direitos apontados a seguir.

Boxe complementar:

Direitos de primeira geração: seriam aqueles relacionados às lutas históricas da humanidade, correspondendo, como resultado, aos direitos civis e políticos. Os teóricos liberais defendem que esses direitos são relacionados à liberdade do indivíduo, citando como exemplos os direitos à vida, à segurança e à propriedade.

Direitos de segunda geração: corresponderiam aos direitos sociais e coletivos, relacionados à defesa da igualdade e vinculados diretamente ao período histórico de surgimento do Estado de Bemestar Social. Podemos citar como exemplos os direitos à educação, à saúde e ao trabalho.

Direitos de terceira geração: seriam aqueles direitos voltados para a humanidade como um todo. Um bom exemplo é a defesa do meio ambiente, pois sua degradação afeta o planeta inteiro. Podem ser incluídas também como direitos de terceira geração as leis de proteção de crianças e adolescentes e de preservação de tudo que pode ser considerado como patrimônio histórico e cultural da humanidade - mesmo que pertençam à história de determinado povo ou nação específica.

Fala-se também em direitos de quarta e de quinta gerações. Estes, no entanto, são mais polêmicos e carecem de definições mais precisas por parte dos teóricos voltados para esse tema. Entre os de quarta geração, por exemplo, são arrolados os direitos à informação e à democracia. Outros relacionam a quarta geração de direitos com as questões éticas que envolvem, por exemplo, a utilização de técnicas de manipulação genética.

Por fim, os direitos de quinta geração seriam aqueles voltados para a realidade "virtual", sendo ligados ao avanço tecnológico proporcionado pela informática e pela cibernética e as questões éticas envolvidas com a circulação de informações e imagens nas redes sociais. Nesse sentido, enquanto direito, por exemplo, nenhum indivíduo poderia sofrer exposição pública da sua imagem sem a sua prévia autorização expressa. Trata-se de um direito individual, portanto - e aí talvez estejamos retornando à definição da primeira geração, apontada acima. Por outro lado, em um campo totalmente oposto, o jurista Paulo Bonavides, de grande reconhecimento na área do Direito, defende como sendo de quinta geração "o direito da humanidade à paz" - neste caso, ele está propondo a redefinição de um direito que, nessa classificação, é considerado como de terceira geração.

(cf. BONAVIDES, 2008)

Fim do complemento.

Pelo que foi exposto, em função dessas definições, podemos concluir que a Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais trata-se de um debate em aberto, ainda em curso neste século. Deixamos aqui este resumo, de qualquer forma, para que você comece a pensar um pouco a respeito desse tema.




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Cidadania, socialismo e minorias

Vamos voltar um pouco à Revolução Francesa. Babeuf (1760-1797), um dos revolucionários, liderou a proposta de uma nova revolução durante o processo iniciado em 1789. Como ela foi delatada, Babeuf foi guilhotinado. Chamada de Conspiração dos Iguais, ela previa a extinção do direito à propriedade privada da terra; mais do que isso, o direito à propriedade teria que ser sempre limitado pelo interesse de toda a sociedade. Parecia socialismo, não é mesmo?

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Karl Marx e Friedrich Engels, os principais teóricos do socialismo científico, mostraram, em diversos trabalhos, que o capitalismo era um sistema baseado numa injustiça estrutural, já que ele era movido por uma brutal exploração da mão de obra dos trabalhadores. Assim, portanto, uma verdadeira cidadania somente seria possível se o proletariado superasse o capitalismo, através da revolução socialista. Mais adiante, no comunismo, o pleno exercício da cidadania seria estendido a todos os seres humanos.

A experiência socialista, levada a cabo no século XX, a partir da Revolução Russa de 1917, não deu certo. Mas o socialismo será, sempre, apenas uma utopia, um desejo inalcançável?! Uma coisa fica evidente: a História mostrou que o capitalismo, de fato, nunca terá como garantir direitos plenos de cidadania.

Mas na década de 1960 - durante, portanto, o "período glorioso" do capitalismo - a aspiração à cidadania plena foi o motor de diversos movimentos socialistas e libertários, que passaram a exigir dos governantes igualdade de direitos para as mulheres, para os jovens e para as "minorias", como eram chamados os homossexuais, os negros e indígenas nos EUA. Maio de 1968 foi a data-símbolo de explosão desses movimentos, marcados pela liberação sexual e pelo consumo de drogas, embalados pelo som dos Beatles, Rolling Stones, Yardbirds, Beach Boys e outros.

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LEGENDA: Maio de 1968: os jovens tentaram mudar o mundo. Em Paris, estudantes lançam pedras na polícia.

FONTE: Central Press/Getty Images

Cidadania, capitalismo e desigualdades sociais

Reafirmamos que o capitalismo é estruturalmente um sistema baseado na desigualdade social e na exclusão dos seus benefícios da grande maioria da população. Estamos falando de um sistema de caráter global. Assim, podemos dizer que as sociedades capitalistas mais avançadas socialmente - como a Inglaterra citada por Marshall para exemplificar o Estado de Bem-estar Social europeu - só puderam garantir aqueles "trinta anos gloriosos", exatamente porque se tratava de uma situação conjuntural: além da necessidade de se construir um modelo que pudesse se contrapor à atração exercida pelo progresso econômico da URSS, o desenvolvimento do Primeiro Mundo estava diretamente relacionado à intensa exploração das riquezas naturais e da mão de obra barata do Terceiro Mundo (América Latina, África e Ásia) pelas multinacionais americanas, japonesas e europeias.

Sempre foi, portanto, um sistema global caracterizado pela exclusão. A partir dos anos 1970, um fato veio mudar os rumos da História: o conflito armado entre Israel e os países árabes fez explodir uma crise econômica sem precedentes, colocando em risco o modelo de desenvolvimento existente, todo ele baseado tecnologicamente na exploração industrial do petróleo como combustível. Os teóricos capitalistas que, desde a Segunda Grande Guerra, sempre criticaram o Estado de Bem-estar como extremamente dispendioso e contrário às leis naturais da economia, viram nessa nova conjuntura a chance de colocar em prática suas ideias.

E foi exatamente o que aconteceu: inspirados e assessorados por pensadores ultraliberais, como Friedrich Hayek e Milton Friedman, novos governantes foram eleitos prometendo reformas econômicas que afastassem os países mais ricos da crise. Assim, em 1979, a Inglaterra escolhe Margareth Thatcher como primeira-ministra e, em 1980, os Estados Unidos elegem Ronald Reagan como presidente. Inaugurava-se uma nova era, na qual as conquistas sociais e trabalhistas do Welfare State começaram a ser totalmente desmontadas.

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Iniciamos, desde então, a viver sob a hegemonia do neoliberalismo. A luta pela cidadania plena sofreu, então, um duro golpe, do qual até hoje ainda não se recuperou. Um bom exemplo disso foram os inúmeros distúrbios que abalaram os subúrbios da França em 2006 e que se repetiu em outros anos.

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LEGENDA: Margaret Thatcher, primeira-ministra da Inglaterra (1979-1990), inaugurou a chamada "era neoliberal", na qual começaram a ser desmontadas as conquistas sociais e trabalhistas do Welfare State.

FONTE: Niels Andreas/Folhapress

A cidadania no Brasil: uma "corrida de obstáculos"...

Podemos dizer que a cidadania no Brasil cumpriu um longo e tortuoso caminho, desde a sua independência de Portugal, em 1822, até os dias de hoje.

Durante o regime monárquico brasileiro, no século XIX, praticamente não se pôde falar em direitos. O voto, por exemplo, tinha um caráter censitário, onde somente os latifundiários - adultos homens - participavam do poder político. Mas a manutenção da escravidão era a face mais cruel de uma sociedade marcada pela extrema desigualdade.

O fim da escravidão, em 1888, e a proclamação da República, no ano seguinte, não provocaram qualquer tipo de alteração nessa realidade. A proibição do voto do analfabeto manteve a maior parcela da população pobre excluída de direitos políticos. Já o poder político local continuou nas mãos dos grandes proprietários de terras. Eram esses "caciques" locais, os "coronéis", que controlavam, além do voto, o acesso aos cargos públicos existentes e, juntamente com os governadores, acabavam também elegendo o presidente da República.

Os inúmeros problemas sociais eram tratados com a repressão policial, como foi o caso de Canudos, da Revolta da Vacina e das greves operárias que pararam as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo na década de 1910. Mesmo o fim oficial da escravidão não impediu que os marinheiros de baixa patente, pobres e negros, continuassem sendo punidos com castigos físicos, como ficou claro na Revolta da Chibata, liderada por João Cândido, em 1910.

Podemos afirmar, portanto, que continuava inexistindo no Brasil qualquer indício do que chamamos de cidadania, sob todos os aspectos.

A República Oligárquica foi derrubada pela Revolução de 1930, organizada e comandada por setores dissidentes dessa própria elite. Um primeiro avanço, porém, deve ser registrado: o voto feminino, a partir de 1934.

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FONTE: Dalcio/Correio Popular

Mas os direitos políticos duraram pouco tempo, já que, em 1937, Getúlio Vargas implantou a ditadura do Estado Novo, inspirada na onda fascista que tomava a Europa.

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Mas, paradoxalmente, foi no período Vargas, de 1930 a 1945, que se começou a introduzir uma vasta legislação social, que atingiu principalmente os centros urbanos:

Boxe complementar:

- em 1932, foi decretada, no comércio e na indústria, a jornada de oito horas diárias de trabalho;

- no ano seguinte, houve a regulamentação do direito de férias;

- a Constituição de 1934, além de estender o voto às mulheres, determinou a criação de um salário mínimo, calculado como capaz de satisfazer as necessidades básicas de uma família (mas ele somente foi adotado em 1940);

- a previdência começou a ser organizada em 1933, com a criação de institutos por categorias profissionais (marítimos, bancários, comerciários etc.).

Fim do complemento.

O cientista social Wanderley Guilherme dos Santos (1979) formulou o termo cidadania regulada para se referir a esse período: somente tinham acesso aos direitos sociais os trabalhadores urbanos vinculados a categorias reconhecidas pelo Estado que controlava os sindicatos, nomeando suas direções e garantindo-lhe a sobrevivência econômica através de impostos obrigatórios.

Assim, diferentemente da Inglaterra estudada por Marshall, no Brasil os direitos sociais foram implementados antes dos direitos civis, que continuavam totalmente precários, e dos direitos políticos que praticamente deixaram de existir durante o regime autoritário, de 1937 a 1945. Ressalte-se que esses direitos sociais não se apresentaram como uma conquista das lutas dos trabalhadores - apesar de constar da pauta do forte movimento grevista dos anos 1920 -, mas, sim, como uma ação autoritária, de cima para baixo. Como uma concessão do chefe do Estado, autointitulado "pai dos pobres".

Os direitos civis e políticos somente seriam inaugurados no Brasil, na sua primeira experiência democrática, a partir do fim do Estado Novo, com a República que se consolidaria com a Constituição de 1946. Esta manteve os direitos sociais do período anterior - mesmo aqueles herdados da legislação autoritária, como era o caso do direito de greve, que só poderia ser considerada legal se autorizada pela Justiça do Trabalho. Além disso, da permanência dos graves problemas sociais e do poder dos grandes proprietários de terra, os direitos políticos sofreram séria restrição logo em 1947, quando o Partido Comunista teve o seu registro cassado, vítima da Guerra Fria do pós-Segunda Guerra Mundial (sobre este contexto internacional, cf. HOBSBAWN, 2003, p. 223-252).

Em 1964, também no contexto da Guerra Fria, um novo golpe de Estado implantou a ditadura civil-militar, que durou até 1985. Durante a maior parte desse período, os direitos civis e políticos foram restringidos através da violência. Os direitos sociais também foram atingidos, já que o salário mínimo sofreu uma forte queda do seu poder de compra, em consequência do pequeno crescimento econômico (com uma breve exceção entre o final dos anos 1960 e início dos 1970, conhecido como o período do "milagre econômico") e da impossibilidade de organização sindical autônoma por parte dos trabalhadores.

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LEGENDA: Manifestação de estudantes brasileiros durante a ditadura civil-militar de 1964.

FONTE: Folhapress

O Estado militar constituiu uma máquina repressiva poderosa, disposta a calar qualquer voz que se levantasse em oposição. Foi um tempo de prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e exílios políticos, atingindo diversos artistas, lideranças políticas pré-1964 e as lideranças estudantis que organizaram a luta armada contra o regime.

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Podemos nos referir à ditadura como "civil-militar" porque essa máquina de opressão contou com o apoio financeiro de grandes empresas capitalistas nacionais e multinacionais. Estas viam no regime ou no seu apoio expresso ao arrocho salarial e às mudanças que esses empresários impuseram na legislação trabalhista - como o fim da estabilidade no emprego - a garantia de obtenção de maiores taxas de lucro a partir da exploração da mais-valia dos trabalhadores, impedidos de se organizar, com os seus sindicatos totalmente controlados pelo aparato repressivo. Como falar em direitos e em cidadania nessa época?

A partir de 1978, pressionados pelo estrangulamento econômico, trabalhadores metalúrgicos e de outras categorias profissionais começaram a se organizar e a enfrentar o aparato repressivo do Estado. Obteve-se a abertura política, com a legalização de novos partidos, o fim da censura à imprensa, e a anistia a presos políticos e a exilados. Era a retomada da luta pelos direitos civis do povo.

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LEGENDA: O ex-líder sindical dos metalúrgicos do ABC paulista e ex-presidente da República, Lula, discursando em assembleia de metalúrgicos, em 1979, quando exercia a presidência do sindicato de São Bernardo do Campo, SP.

FONTE: Folhapress

Em 1984, comícios com mais de um milhão de pessoas, como foi o caso do Rio de Janeiro e de São Paulo, exigiram o retorno das eleições diretas para a presidência da República. Foi o movimento que ficou conhecido como "Diretas Já!".

Em 1988, é elaborada uma nova Constituição, apelidada de "cidadã" por tentar garantir, de forma extensa, algumas das principais reivindicações dos movimentos sociais que haviam eclodido no país a partir de 1979.

Em 1989, votamos para presidente da República após vinte e nove anos. Mas o presidente eleito, Fernando Collor de Mello, além de promover o famoso "confisco da poupança", lesando as economias que milhares de trabalhadores conseguiram guardar durante anos, se encarregou da tarefa de dar início ao "desmonte" da "Constituição Cidadã", elaborada apenas um ano antes! Esse verdadeiro ataque aos direitos sociais marcou a entrada do Brasil, com dez anos de atraso em relação aos EUA e à Europa, na era neoliberal.

Direitos e cidadania sob "fogo cerrado"...

O neoliberalismo foi completamente vitorioso no Brasil após a posse e o mandato de oito anos (1995-2002) do sociólogo Fernando Henrique Cardoso - vamos chamá-lo de FHC - na presidência da República. Segundo José Paulo Netto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ -, os direitos sociais foram atacados de tal forma que os anos FHC passaram à História, "desde os seus primeiros dias no Planalto, como um governo contra os interesses e as aspirações da massa dos trabalhadores brasileiros" (NETTO, 1999, p. 75).

A principal tarefa cumprida pelo governo FHC foi exatamente a continuidade e o aprofundamento do que havia sido apenas iniciado pelo governo Collor - e que não teve prosseguimento em razão do seu impeachment, em 1992: o desmonte dos direitos sociais contidos na Constituição de 1988 (para uma visão sobre esse período, cf. o livro de SILVEIRA, 1998). O que se pretendia, claramente, era a inserção do país, de forma subalterna, no processo de globalização ou mundialização financeira, segundo os grandes interesses do capitalismo internacional. Para isso, era necessária a redução do papel do Estado brasileiro na economia, que ocorreu sob duas formas:

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Boxe complementar:

- pela privatização e entrega a multinacionais de empresas pertencentes a setores econômicos estratégicos, como bancos, estradas de ferro, mineradoras - cujo maior exemplo foi a riquíssima Companhia Vale do Rio Doce -, e empresas prestadoras de serviços públicos nas áreas de telefonia, eletricidade e fornecimento de água potável;

- pela redução dos investimentos públicos em áreas sociais fundamentais para a população trabalhadora, como saúde, educação, saneamento, previdência, transporte, habitação e assistência social.

Fim do complemento.

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LEGENDA: Há muitas formas de se lutar por direitos e pela cidadania. Na foto, integrantes de sindicatos fazem passeata em São Paulo (SP) contra a corrupção (2005).

FONTE: Flávio Florido/Folhapress

O principal pretexto que o governo utilizou para implementar essas políticas seguiu totalmente o diagnóstico e o receituário neoliberal, ou seja, de que vivíamos em um país endividado e gastador, um dispendioso Estado "protetor". E a forma de superar a crise econômica e a falência desse Estado passava exatamente por esses passos: (1) a diminuição e o controle de todas as despesas - o chamado ajuste fiscal -; (2) a constituição de um caixa capaz de "honrar os compromissos" estabelecidos com os credores internacionais - o chamado superávit primário -; e (3) a atração de investimentos do grande capital internacional que, através da privatização, substituiria o Estado, "com maior eficácia", em diversos setores da economia, como os citados.

Para completar esta situação e como pretexto para impedir a volta da inflação, o Banco Central - agora, com grande grau de "autonomia" política, concedida pelo governo - estabeleceu juros "astronômicos" para as operações financeiras de crédito, como medida para "inibir o aumento do consumo". Como se a maioria dos trabalhadores brasileiros fosse formada por gastadores incontroláveis e as suas famílias tivessem todas as suas necessidades básicas atendidas...

Com tudo isso, segundo os defensores dessa ampla reforma, o Estado brasileiro ficaria mais "livre", com maior capacidade para investimento de recursos nas grandes demandas sociais da população...

Você deve estar se perguntando: "Não entendi! Uma das medidas do governo FHC, para conter os tais gastos, não foi exatamente a redução dos recursos para as áreas sociais?!" Pois é... Foi isso mesmo que você leu... O governo FHC, apesar de eleito pela população, serviu aos interesses do grande capital e "feriu de morte" direitos fundamentais do povo brasileiro!

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LEGENDA: Privatização: uma das medidas tomadas pelos governos federais brasileiros a partir dos anos 1990, que resultaram em consequências para o exercício da cidadania no Brasil. Na foto, manifestação em frente à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 1996, contra a privatização de parte da Rede Ferroviária Federal S/A.

FONTE: Patrícia Santos/Folhapress

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Para não parecer que este texto seja "um discurso político" vazio, segue um pequeno exemplo de redução dos recursos para a área social, na tabela a seguir:

Tabela: equivalente textual a seguir.

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FONTE: Governo Federal/Ministério da Saúde (cf. NETTO, 1999, p. 83). CRÉDITOS: Adaptado pelos autores

O aumento que ocorreu em 1997 foi decorrente da aprovação e recolhimento nesse ano, pelo Governo, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF, um imposto criado para sustentar o volume crescente de gastos da saúde pública. Mas, em pouco tempo, esses recursos começaram a ser utilizados para outros fins - como o já citado superávit primário - e, em 1998, os recursos para a saúde, com CPMF e tudo, foram ainda menores do que aqueles investidos em 1995.

Outros exemplos, como o anterior, deixaremos a cargo das pesquisas que o professor e a turma poderão fazer sobre esse tema.

Direitos e cidadania no Brasil de hoje

Após a Era FHC, o país elegeu, no pleito de 2002, o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, candidato derrotado em todas as eleições anteriores, desde a vitória de Collor de Mello, em 1989. Pela sua origem e pela sua história de luta como carismático e autêntico líder sindical da região industrial do ABCD paulista, no final da ditadura militar, Lula se tornou a esperança do povo brasileiro para a retomada do caminho de conquista dos direitos de cidadania - caminho do qual "nos perdemos" durante a década de 1990.

Entretanto, para decepção de uma parte de seus eleitores, seus dois governos (2003-2010) ficaram muito aquém do que se poderia esperar de um representante direto e legítimo da classe trabalhadora. Logo no seu primeiro ano de mandato, como se acenasse simbólica e positivamente para o grande capital internacional, "assustado" com a vitória de um líder metalúrgico, uma das suas primeiras medidas foi a aprovação de uma lei que o Governo FHC tentou, mas não conseguiu implementar: o fim da aposentadoria integral dos servidores públicos! (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 174).

Depois, viriam outras medidas que também atacaram os direitos conquistados pelos trabalhadores através da mobilização e da luta, tais como as restrições ao direito de greve do servidor público.

Outras medidas de grande alcance social continuaram extremamente tímidas. Um exemplo que pode ser dado nesse sentido é a Reforma Agrária, que permitiria (1) a fixação do homem no campo, contribuindo para a diminuição da violência rural e urbana, e (2) o investimento na agricultura familiar, barateando a alimentação do povo brasileiro. Ao contrário desse tipo de ação, a principal aposta como política social do Governo Lula foi direcionada para o programa "Bolsa Família", que permitiu o aumento temporário da renda dos brasileiros mais pobres, principalmente do interior do país, mas sem fornecer alternativas para a futura autonomia dessas famílias. Esse programa, no entanto, recebe cada vez mais recursos, por ter um retorno eleitoral incomparável, em relação a qualquer outra política.

Contraditoriamente ao que sempre defendeu quando era oposição, Lula manteve as políticas de arrocho salarial dos trabalhadores, de ajuste fiscal e de superávit primário. Este alcançou um volume de recursos nunca antes visto - tanto que o presidente anunciou, em 2008, que a poupança existente no país permitiria que se quitasse integralmente nossa histórica dívida externa. Mas ele "se esqueceu" de comentar sobre outras dívidas que persistiram e aumentaram assustadoramente...

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FONTE: Sérgio Lima/Folhapress

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FONTE: Lula Marques/Folhapress

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LEGENDA DAS FOTOGRAFIAS: Três presidentes e duas "eras" da recente política brasileira: quais seriam as semelhanças e diferenças?

FONTE: Dorivan Marinho/Fotoarena/Folhapress

O Banco Central ganhou status de Ministério, mas adquiriu uma autonomia ainda maior do que na Era FHC, sendo dirigido por um ex-banqueiro do Bank of Boston, Henrique Meireles. E os juros que remuneram o capital internacional e aqueles que inibem o consumo e arrocham os créditos dos trabalhadores alcançaram níveis "estratosféricos". Parodiando as falas do presidente da República, "nunca antes os grandes bancos privados haviam obtido tantos lucros e nunca os trabalhadores se endividaram tanto na História deste país!"

Com a Era Lula e a continuidade das políticas neoliberais - inclusive por parte da sua sucessora, sua ex-ministra, a economista Dilma Rousseff (2011-2018), eleita e depois reeleita também pelo Partido dos Trabalhadores -, teve fim a ilusão de muitos trabalhadores brasileiros, no sentido de acreditar que mudanças substanciais, em termos de promoção de igualdade de direitos e de cidadania, seriam possíveis nos marcos do modelo capitalista.

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FONTE: © Angeli - FSP 25.06.2004

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Filosofia

A difícil arte de ser cidadão

Antonio Castro Alves

Sentido que os gregos, os inventores da democracia, davam ao cidadão, certamente limitava-se ao fato de que ele deveria ser homem e nascido na pólis. Porém, o que nos legaram foi a indicação de que o conflito de interesses entre cidadãos só podia ser mediado pelo debate, pela palavra (lógos, em grego) expressa no Espaço Público (ágora, praça pública). Os destinos da cidade - portanto, de todos - estavam ligados indissoluvelmente ao exercício da palavra que dava visibilidade ao cidadão. É sobre este aspecto, que a filósofa Hanna Arendt1 define a importância do Espaço Público: "Ser visto e ouvido por outros é importante pelo fato de que todos veem e ouvem de ângulos diferentes. É este o significado da vida pública...".

Entretanto, já em nossa era, a partir do século XV, a Modernidade instaura o predomínio do Espaço Privado. O que foi a Modernidade? Podemos caracterizá-la de inúmeras maneiras. Mas, sem dúvida, podemos sintetizá-la, a partir do fim dos laços sociais que caracterizam o mundo medieval, como o momento da Cultura Ocidental em que surge a ideia de indivíduo, sujeito cujos laços sociais são, desde então, regidos pelo aparecimento da figura-modelo do homem burguês.

Segundo o historiador Richard Sennett2, o Espaço Público vai perdendo gradativamente o papel que possuía para o exercício da cidadania, ou seja, o do exercício da civilidade: "A civilidade tem como objetivo a proteção dos outros contra serem sobrecarregados por alguém". Trata-se agora, ao contrário, da ascensão do Espaço Privado. Ou, segundo a expressão de Sennett3, da "tirania da intimidade". O que significa tal expressão? A concepção moderna de subjetividade, limitada à ideia de que somos apenas indivíduos (do latim, aquele que é indiviso), privilegiaria o Espaço Privado na medida em que nele exerceríamos algum poder sobre as nossas vidas privadas. (É muito comum certa concepção de liberdade como naturalmente exercida por minha vontade, pelos meus desejos). "As pessoas tentaram, portanto, fugir e encontrar nos domínios privados da vida, principalmente na família, algum princípio de ordem na percepção da personalidade". Esta afirmação introduz na vida cultural um novo viés para a compreensão do ser do homem: o homem psicológico, aquele que pertence ao mundo privado dos sentimentos pessoais. Um intimismo que, segundo Sennett, se apresenta nas relações sociais, sob a forma do narcisismo.

Muitos filósofos acentuam a característica do narcisismo, tais como a filósofa brasileira Marilena Chauí, para compreender os obstáculos ao exercício da cidadania. Para ela, é decisiva a produção massiva de subjetividades que se orientem pelas imagens midiáticas do mundo como espetáculo, da vida como um show, do consumo como condição única da existência. Entretanto, para compreendermos melhor tais subjetividades narcísicas, é preciso que pensemos em um conceito que as sustenta: o fetichismo da mercadoria, momento em que as condições sociais de produção de bens de consumo são "apagadas" para que sejam realçados os objetos em si mesmos, caso em que "as mercadorias adquirem um sentido, um mistério, um conjunto de associações que não tem nada a ver com o seu uso".

Certamente, a predominância do Espaço Privado como determinante das relações sociais e as expressões de uma subjetividade narcísica não elimina a herança grega da ideia de Espaço Público. Mas ainda é possível manter esta herança em decorrência das transformações definitivas ocasionadas pelo Espaço Privado? Ou precisaríamos criar um novo conceito de Espaço Público, para dar conta do efetivo exercício da cidadania?



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Antonio Benedito de Castro Alves é professor de Filosofia da Rede Estadual de Ensino e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ. Graduado em Filosofia pela UERJ e em Comunicação Social pela UFRJ. Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica - PUC, do Rio de Janeiro.

1. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983, p. 67.

2. SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 323.

3. SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 318.

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Interatividade

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

Revendo o capítulo

1 - O que significam direitos civis, políticos e sociais?

2 - Defina e caracterize cidadania, conforme é apresentada no texto, e a ideia de "cidadania regulada"?

3 - Por que o texto afirma que a construção da cidadania no Brasil é uma "corrida de obstáculos"? Exemplifique com base na nossa História.

Dialogando com a turma

1 - Monte, em equipe, um quadro que estabeleça uma comparação histórica entre a trajetória dos direitos, na Inglaterra e no Brasil, segundo as visões defendidas por Marshall e por Wanderley Guilherme dos Santos.

2 - Faça uma pesquisa a respeito dos recursos investidos em políticas sociais pelos governos FHC, Lula e Dilma, comparando-os (cada equipe pode ficar responsável por uma determinada política social: educação, saúde, saneamento, habitação etc.). Durante esse trabalho, monte um glossário que explique termos tais como ajuste fiscal, superávit primário, dívida externa, dívida interna etc.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 1998)

Depois de estudar as migrações, no Brasil, você lê o seguinte texto:

O Brasil, por suas características de crescimento econômico, e apesar da crise e do retrocesso das últimas décadas, é classificado como um país moderno. Tal conceito pode ser, na verdade, questionado se levarmos em conta os indicadores sociais: o grande número de desempregados, o índice de analfabetismo, o déficit de moradia, o sucateamento da saúde, enfim, a avalanche de brasileiros envolvidos e tragados num processo de repetidas migrações (...)

(adap. VALIN,1996, pág. 5. In: Migrações: da perda de terra à exclusão social. São Paulo: Atual, 1996).

Analisando os indicadores citados no texto, você pode afirmar que:

(A) o grande número de desempregados no Brasil está exclusivamente ligado ao grande aumento da população.

(B) existe uma "exclusão social" que é resultado da grande concorrência existente entre a mão de obra qualificada.

(C) o déficit da moradia está intimamente ligado à falta de espaços nas cidades grandes.

(D) os trabalhadores brasileiros não qualificados engrossam as fileiras dos "excluídos".

(E) por conta do crescimento econômico do país, os trabalhadores pertencem à categoria de mão de obra qualificada.

2 - (ENEM, 2011)

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LEGENDA: Movimento dos Caras-Pintadas. Disponível em: http://www1.folha.uol. com.br. Acesso em: 17 abr. 2010 (adaptado).

O movimento representado na imagem, do início dos anos de 1990, arrebatou milhares de jovens no Brasil. Nesse contexto, a juventude, movida por um forte sentimento cívico:

(A) aliou-se aos partidos de oposição e organizou a campanha Diretas Já.

(B) manifestou-se contra a corrupção e pressionou pela aprovação da Lei da Ficha Limpa.

(C) engajou-se nos protestos relâmpago e utilizou a Internet para agendar suas manifestações.

(D) espelhou-se no movimento estudantil de 1968 e protagonizou ações revolucionárias armadas.

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(E) tornou-se porta-voz da sociedade e influenciou o processo de impeachment do então presidente Collor.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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ALENCAR, Chico (Org.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.

Coletânea de artigos que discorrem sobre a situação dos direitos em nosso país, com a avaliação de vários especialistas no tema. Apesar de ser um livro do final da década de 1990, sua temática e suas reflexões continuam bastante atuais.

DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. 23ª ed. São Paulo: Ática, 2012.

Escrito pelo jornalista Dimenstein para debater o tema "cidadania", o livro procura discutir o papel dos jovens como cidadãos, com seus direitos e deveres.

FILMES

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CRONICAMENTE INVIÁVEL (Brasil, 2000). Direção: Sérgio Bianchi. Elenco: Cecil Thiré, Dan Stulbach, Zezé Mota. Duração: 101 min.

O filme mostra trechos das histórias de seis personagens, mostrando a dificuldade de sobrevivência mental e física em meio ao caos da sociedade brasileira, que atinge a todos independentemente da posição social ou da postura assumida.

QUANTO VALE OU É POR QUILO? (Brasil, 2005). Direção: Sergio Bianchi. Elenco: Herson Capri, Joana Fomm, Lázaro Ramos. Duração: 110 min.

Analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração da miséria pelo marketing social no Brasil, que forma uma "solidariedade de fachada" através de Organizações Não Governamentais.

INTERNET

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CORREIO DA CIDADANIA: http://www.correiocidadania.com.br/

Segundo seus organizadores, "o Correio da Cidadania é editado por uma sociedade sem fins lucrativos, a Sociedade para o Progresso da Comunicação Democrática, fundada em 1996, com o objetivo de colaborar com a construção da mídia democrática e independente". O Portal apresenta informações diárias atualizadas, comentando os acontecimentos mais importantes que ocorrem no Brasil e no mundo. Acesso: janeiro/2016.

BRASIL DE FATO: http://www.brasildefato.com.br/

Assim como o jornal, o Brasil de Fato é mais um instrumento de informação sobre as questões envolvendo a cidadania em nosso país. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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BRASIL - Autores: Cazuza, Nilo Romero, George Israel. Intérprete: Cazuza.

Um hino contra a corrupção política e a alienação provocada pela mídia.

CIDADÃO - Autor: Lúcio Barbosa. Intérprete: Zé Geraldo.

Uma excelente reflexão sobre a condição da cidadania no Brasil, sob o ponto de vista da classe trabalhadora.

FILME DESTAQUE

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ELES NÃO USAM BLACK-TIE

FICHA TÉCNICA:

Direção: Leon Hirszman

Elenco: Gianfrancesco Guarnieri, Fernanda Montenegro, Bete Mendes, Carlos Alberto Ricelli, Lélia Abramo, Milton Gonçalves

Duração: 134 min.

(Brasil, 1981)

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FONTE: Embrafilme/ Leon Hirszman

SINOPSE:

Baseado na peça de teatro, originalmente escrita por Gianfrancesco Guarnieri, na década de 1960, o filme é ambientado em São Paulo, em 1980, e retrata, através da ficção, o momento de ascensão das lutas sindicais no ABCD paulista, no fim da ditadura militar.

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Aprendendo com jogos

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Escravo nunca mais!

(ONG Repórter Brasil/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2004)

CONHEÇA OS SEUS DIREITOS

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FONTE: Divulgação: Repórter Brasil

Você é um trabalhador sem emprego, e que precisa colocar comida na mesa da sua família. Um dia lhe oferecem um trabalho com todas as proteções ao trabalhador garantida (alimentação, salário, residência). Mas ao chegar ao local prometido, pegam seus documentos, as condições de trabalho são insalubres e a carga de trabalho é exaustiva. Cabe a você procurar pistas e informações para conseguir sair da situação de trabalho escravo, denunciar seu "patrão" e ajudar outros trabalhadores.

Como jogar:

1. Acesse gratuitamente o jogo em http://goo.gl/ WEcBj4

2. Organize-se em grupos com os seus colegas e, após lerem o capítulo 13 do livro, realizem uma Competição pela cidadania.

3. Os grupos devem identificar que ações o personagem toma que o levam ao trabalho escravo.

4. Depois, devem responder quem seria o culpado para esta situação: o proprietário? O Estado? O capataz? O cara que alicia os trabalhadores? O próprio trabalhador?

5. Procure notícias em jornais, em revistas ou na internet que descrevam ações do Ministério Público do Trabalho de combate ao trabalho escravo no Brasil.

6. Por fim, procure notícias em jornais, em revistas ou na internet que mostrem quais movimentações políticas no Congresso Nacional têm relação a favor ou contra o trabalho escravo.

7. Apresente para a turma o que descobriram e realizem um debate sobre Cidadania no Brasil. Aproveitem para consultar a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, principalmente o Artigo 5º. Reflitam sobre como o trabalho escravo ofende os princípios e direitos básicos da cidadania.

8. Solicitem representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público do Trabalho para falarem sobre direitos do trabalhador e trabalho escravo no Brasil.

9. Organizem uma Feira de Exposição em sua escola, com notícias, imagens e informações sobre o trabalho escravo no Brasil. Nessa mesma Feira de Exposição, apresentem alguns direitos básicos de nossa Constituição.

10. Convidem colegas de uma outra classe para julgar os resultados dos grupos e decidir pelo melhor trabalho realizado, que será do grupo vencedor.

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Capítulo 14 - "O Estado sou eu." Estado e Democracia

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LEGENDA: Congresso Nacional, uma das sedes do Poder Legislativo no Brasil.

FONTE: Dorivan Marinho/Folhapress

A frase do título foi atribuída a Luiz XIV, rei da França entre 1643 e 1715. Imagine se o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995 a 2002, e o ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de 2003 a 2010, dissessem esta mesma frase. Seria um escândalo, certo?

Eles jamais poderiam ter dito isto, pois, ao contrário da época de Luiz XIV, hoje vivemos numa sociedade considerada democrática, onde os governantes são eleitos pelo povo para administrar o Estado, uma importante instituição social presente com muita força em nossa sociedade.

Porém, há 500 anos, na Europa, se algum indivíduo desagradasse ao rei, seria enforcado ou decapitado. Não era possível falar mal do governo (no caso, o rei, seus herdeiros e seus aliados pertencentes à nobreza), fazer oposição ou sequer desobedecer às ordens de uma família real. Isso acontecia porque o Estado tinha "dono": alguém que se dizia investido da autoridade de Deus. Ou melhor, se fazia o representante de Deus, na Terra.

Ainda bem que hoje é diferente! Concorda? Podemos dizer: elegemos o governo, temos leis que protegem o cidadão e as autoridades não podem fazer o que quiserem, quando bem entenderem. O Estado, hoje, é uma estrutura organizada que, através de leis, rege a vida em sociedade. Deus não elege ninguém para comandar os indivíduos.

Mas, que ideia é essa de Estado no mundo moderno?

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Utilizamos o conceito de Estado, hoje, para definir a forma como as sociedades se organizam no aspecto jurídico, econômico e político, diferentemente de estado do Brasil, que é a unidade federativa do país (como, por exemplo, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás etc.).

Todos fazemos parte de um Estado. Quando nascemos, nossos pais têm que ir ao cartório registrar nosso nome numa folha carimbada e reconhecida pelo Estado. Crescemos e tiramos o diploma escolar reconhecido pelo Estado. Completamos dezoito anos e tiramos carteira de identidade, CPF, Carteira de Trabalho, PIS etc., tudo para sermos reconhecidos pelo Estado.

O Estado moderno se caracteriza por um conjunto de instituições, que regem, através da chamada ordem jurídica, o funcionamento da sociedade. A ordem jurídica é constituída por um leque de normas aplicadas pelo Estado e reconhecidas, em geral, por todos os cidadãos.

O Estado compreende basicamente três funções:

- elaborar leis;

- administrar os serviços públicos e executar as leis;

- julgar a aplicação das leis, quando estas não estiverem sendo devidamente cumpridas.

É isto que faz com que existam os chamados "três poderes": Executivo, Legislativo e Judiciário.

Este tema do Estado sempre foi um elemento de grande debate na Sociologia. O sociólogo Max Weber discutiu, assim como outros sociólogos, a questão do Estado.

Weber (1974) afirmou que o Estado podia ser caracterizado por dois elementos principais: "o aparato administrativo destinado à prestação de serviços e o exercício do monopólio legítimo da força." O que ele queria dizer com isso?

Em primeiro lugar, o que significa falar em "aparato administrativo destinado à prestação de serviços"? Muito simples: Weber está se referindo a todo o corpo de funcionários que trabalham nas instituições pertencentes ao Estado, assim como ao conjunto de prédios e repartições públicas, às leis que regem o funcionamento dessas instituições e ainda aquelas que são vigentes em uma determinada nação. Tudo isto forma um "aparato administrativo", com suas normas e rotinas de funcionamento. Como faz parte do Estado, esse aparato precisa estar disponível a todas as pessoas, sem distinção.

Já a segunda frase exige algumas explicações a mais. Afinal, por que "o exercício do monopólio legítimo da força"?

Ora, não basta a existência de uma determinada lei ou norma, para que ela seja de fato obedecida pela maioria da população. É só pensarmos em certas regras presentes no nosso cotidiano, por exemplo, as que são comuns a quem frequenta espaços públicos, "não pise na grama" ou "não jogue lixo na praia". Sem algum tipo de coerção mais efetiva, essas regras não são cumpridas. Há algumas décadas as pessoas fumavam em ambientes fechados, como ônibus, lojas e bares, sem a mínima preocupação com quem estava ao seu lado e não queria aspirar a fumaça. Regras mais rígidas foram implantadas, com multas tanto para os estabelecimentos que permitiam este hábito para não perder os seus clientes fumantes... como a punição para estes. O mesmo vale para a prática de ingerir bebida alcoólica e depois dirigir. Isto sempre foi muito comum - até o momento em que, em função da constatação cada vez maior da associação direta entre álcool e acidentes graves de trânsito, elaborou-se uma legislação que passou a punir com rigor os motoristas que bebiam.

O que estamos comentando, então, tendo em vista essa conceituação apresentada por Max Weber, é que a aplicação das leis em geral, para que sejam obedecidas por todos, pressupõe algum tipo de coerção por parte do Estado sobre todas as pessoas (isto nos faz lembrar Durkheim, correto?). Essa coerção é exercida pelo Estado através, num primeiro momento, da legislação; num segundo momento, da força policial. Somente o Estado é "autorizado" a fazer isso; melhor dizendo: é o Estado que detém o monopólio nesse sentido - trata-se de uma "exclusividade" legal, um procedimento que não pode ser executado por qualquer outro grupo ou instituição, a não ser de forma ilegal, "fora da lei".

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O Estado, portanto, é a única instituição social reconhecida por todos como "legítima" no sentido de aplicar a lei ou, se esta não for obedecida, a força. Daí é que vem o segundo termo presente na frase que estamos explicando: a ideia de legitimidade.

E agora, ficou mais fácil de entender a ideia de Weber?

Pois bem, voltando: era necessário que o Estado tivesse legitimidade para governar e, assim, exercer o seu poder. A legitimidade do Estado seria dada, portanto, através das leis elaboradas por suas instituições políticas.

A outra característica do Estado identificada por Weber está diretamente relacionada a isso e se refere ao monopólio das armas e ao exercício da violência, quando necessário.

Entendido isso, vamos em frente, avançando um pouco mais na teoria sociológica de Max Weber.

O poder do Estado é definido por Weber como legítimo, exercendo uma forma de dominação legal, pois sua autoridade e seu poder são reconhecidos por aqueles que se submetem a ele, com o seu aparato de leis e normas, sustentadas pela burocracia.

Para o sociólogo Julien Freund - um estudioso das teorias de Max Weber - a dominação é a expressão prática e empírica do poder (cf. FREUND, 1980, p. 161), ou seja, é através da dominação que o poder é exercido de fato. No caso da citada dominação legal, a desobediência às leis por parte de um indivíduo ou de um grupo social significaria, como reação imediata, a autorização para o uso legítimo da força por parte do Estado.

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LEGENDA: Getúlio Vargas (1882-1954) governou o Brasil por dois períodos: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Podemos dizer que ele exerceu no Brasil uma dominação carismática?

FONTE: Folhapress

Além da dominação legal, Weber formula duas outras formas de dominação possíveis, tão legítimas quanto o poder do Estado: a dominação carismática e a dominação tradicional. A primeira se dá quando há uma obediência voluntária a uma personalidade reconhecida socialmente por todos. Essa personalidade, segundo Weber, deteria um "poder mágico", entendido como uma característica dessa liderança carismática. Já a segunda pode ser entendida como aquela que é exercida por uma liderança reconhecida historicamente pelos indivíduos pertencentes a uma determinada instituição ou grupo social. Trata-se de uma obediência dada pelo hábito, pela tradição. Um exemplo seria o poder exercido pelo Papa da Igreja Católica: no caso dos membros que pertencem à hierarquia da Igreja, sua autoridade tem "força de lei", pelo fato de pertencerem à instituição, mas no caso dos fiéis católicos, a sua autoridade tem como fundamento, além da fé, a tradição, dada pela história da constituição da própria Igreja.

Você poderia perguntar: nesse exemplo, não seria o caso de uma "dominação carismática"? Não necessariamente. Poderia ser um caso também, de fato, comparando-se com a liderança exercida por alguns pastores protestantes ou por determinados políticos. Mas, independente dele ser "carismático" ou não, apresentando características nesse sentido, o que determina a sua autoridade é a tradição.

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Voltando ao debate sobre o Estado: quem exerce de fato o poder, enquanto forma de dominação legal?

É o governo. Este é compreendido como sendo a direção e a administração do poder público.

Como no senso comum há certa confusão entre os conceitos de "governo" e de "Estado", vamos tentar esclarecer isso através de um exemplo sobre o Brasil atual.

No período do governo Lula, falava-se que ele, um operário, "está no poder". Esta afirmação não é verdadeira. A função do presidente da República é a de "exercer o governo", ou seja, administrar os órgãos do Estado vinculados ao Poder Executivo.

Já o Estado é mais amplo; trata-se de uma instituição de caráter permanente. Quando um presidente termina o seu mandato, outra pessoa é eleita para governar o Brasil. Já o Estado, na sua essência, continua o mesmo.

Resumindo, podemos ter as seguintes definições:

Boxe complementar:

Estado: é um conjunto de instituições permanentes, distribuídas entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Estes, segundo suas atribuições específicas, servem de "suporte" legal para o funcionamento da sociedade.

Governo: é uma ação política e administrativa vinculada principalmente ao Poder Executivo. A ação do governo é orientada por um conjunto de programas e projetos, apresentados por um ou mais partidos políticos - no caso das democracias representativas, escolhidos através do voto, durante as eleições. Esses programas e projetos são transformados pelo governo em diferentes políticas públicas (saúde, educação, meio ambiente etc.). As políticas públicas são de caráter periódico, modificando-se de acordo com o grupo de interesses que detém o poder político naquele momento específico da História.

Fim do complemento.

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LEGENDA: A Revolução Francesa, pela sua importância, é considerada como o marco de inauguração de uma nova era da História da humanidade. Tomada da Bastilha (1789) de Jean-Pierre Louis Laurent Houel (1735-1813)

FONTE: Acervo da Biblioteca Nacional da França

Mas, não existem governos que não foram eleitos? Correto! Portanto, precisamos estudar e compreender as várias formas de governo.

No início do texto falávamos que, na Europa de cinco séculos atrás - e até há bem pouco tempo - tínhamos o poder exercido pelos reis e pela família real. Aquele tipo de governo era denominado monarquia. No Brasil, também tivemos a nossa, a partir da Independência, em 1822, e durante quase todo o século XIX, com Dom Pedro I, sucedido pelo seu filho, Dom Pedro II.

A queda das monarquias na Europa abrangeu os séculos XVII a XIX. Seu fim foi decorrência de uma série de mudanças nas ideias políticas, culturais e religiosas que se mantinham desde a Idade Média, mas que, a partir de um certo momento, passaram a servir de obstáculos à expansão e à consolidação do capitalismo. Daí a eclosão de diversas revoluções sociais - de que são exemplos a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, e a Revolução Francesa -, e o consequente surgimento das democracias liberais, expressas principalmente numa forma de governo denominada república. Esta se caracterizava pelo fato de os membros do governo serem eleitos periodicamente pelo povo.

Citamos aqui a Inglaterra - e a sua forma de governo continua sendo a monarquia, não é? Isto é para percebermos que essas definições não são tão simples assim...

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Quando citamos a queda das monarquias como forma de governo, estávamos nos referindo, na verdade, ao fim do Estado absolutista, no qual os reis representavam exatamente o que pensava Luís XIV, citado no início deste capítulo: "O Estado sou eu". Essa forma de governo não poderia ter tido continuidade em uma sociedade com tantas mudanças, provocadas pela ascensão do capitalismo e a defesa dos interesses políticos e econômicos da burguesia. Por outro lado, nada impediria que a monarquia pudesse continuar existindo "formalmente" - ou seja, desde que fosse somente uma função mais "protocolar", sem poder decisório. Assim, tanto no Reino Unido, como em diversos países que fizeram suas revoluções capitalistas, a monarquia, de certa forma, sobreviveu até os dias de hoje. Mas o governo, na quase totalidade dos casos, é exercido por um Parlamento, em que seus membros são eleitos como representantes da população. Os parlamentares, depois, escolhem o seu primeiro-ministro, que é aquele que de fato exerce o Poder Executivo.

Esta forma de governo é chamada de monarquia parlamentar constitucional - ou seja, o rei obedece à Constituição -, mas o seu regime político é a democracia representativa.

São exemplos, hoje, de monarquias parlamentares constitucionais, além do Reino Unido, a Espanha, a Suécia, a Holanda, a Dinamarca, a Bélgica, e os pequenos principados de Mônaco e Luxemburgo.

Outra definição de Estado - entendido sob um ponto de vista diferente daquele defendido por Max Weber - é aquela vinculada às teorias formuladas originalmente pelos pensadores Karl Marx e Friedrich Engels. Segundo esta visão, o Estado teria surgido, na História da humanidade, como resultado do conflito existente entre classes sociais antagônicas. Assim, o Estado teria se tornado uma necessidade concreta das classes economicamente dominantes, objetivando a criação de novos meios de dominação política, de repressão e de exploração das classes oprimidas.

Perceba, nas palavras de Friedrich Engels, em uma obra publicada em 1884, como essa concepção - conhecida como "histórico-crítica" - trata o papel do Estado através da História, a partir dessa ideia de conflito entre as classes:

Boxe complementar:

(...) Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. Entretanto, por exceção, há períodos em que as lutas de classes se equilibram de tal modo que o poder do Estado, como mediador aparente, adquire certa independência momentânea em face das classes. Nesta situação, achava-se a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que controlava a balança entre a nobreza e os cidadãos; de igual maneira, o bonapartismo do primeiro império francês, e principalmente do segundo, que jogava com os proletários contra a burguesia e com esta contra aqueles.

(ENGELS, 2005, p. 194)

Fim do complemento.

Refletindo sobre o texto de Engels, podemos dizer que o Estado não seria apenas um instrumento de dominação da classe dominante. De acordo com o momento histórico, como ele destacou, o Estado poderia se transformar em um "mediador" dos conflitos entre as classes sociais. Será?! Voltaremos ao assunto mais à frente.

No século XX, enquanto proliferavam as democracias liberais, apareciam também as chamadas ditaduras. Esta forma de governo apresentou-se de maneiras distintas, através da História: umas, com grande adesão da população; outras, legitimadas por alguns grupos e classes sociais; outras, ainda, comandadas por militares etc. As ditaduras tiveram origem a partir do aprofundamento de crises sociais e políticas, determinadas por fatores relacionados à História específica daquelas sociedades, conjugados com aspectos relacionados à conjuntura externa.

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Podemos citar como exemplos de conjunturas de crise ou pós-crise o final da Primeira Grande Guerra Mundial, em 1918, ou o período da Guerra Fria, que durou desde o final da II Grande Guerra, em 1945, até o fim da URSS e a queda do Muro de Berlim, no período de 1989 a 1991. Assim, são exemplos de ditaduras durante o século XX: a Alemanha nazista, comandada por Adolf Hitler; a Itália fascista, dirigida por Mussolini; o Brasil durante o Estado Novo, presidido por Getúlio Vargas (1937-1945); as diversas ditaduras militares que foram implantadas, no Brasil e na América Latina, durante os anos 60, 70 e 80, do século XX; a ex-URSS, a partir da ascensão de Stálin etc.

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E onde fica a democracia nesta história?

Boxe complementar:

APRENDENDO A VOTAR

O voto? A resposta do senso comum costuma vir rápida: um ato de cidadania, um direito e um poder, uma garantia livre de opinião política, símbolo da democracia. Ou, segundo as definições mais conceituais dos dicionários: "modo de manifestar a vontade ou opinião num ato eleitoral ou numa assembleia; sufrágio"; "ato ou processo de exercer o direito a essa manifestação, e seu resultado".

Este modo ou ato de exprimir princípios tão abstratos pode ser lido e visualizado, em todo o seu desenrolar, nos códigos jurídicos, nas reportagens das TVs e nas fotos de jornal. A cada eleição, imagens jornalísticas registram os movimentos e gestos familiares do cidadão-eleitor dirigindo-se à sua sessão eleitoral para realizar esse ato pleno de referências simbólicas, utilizando-se de objetos concretos, que parecem ter sempre feito parte de nossa realidade (cédulas, cabines, título de eleitor, mais recentemente urna eletrônica etc.). De tão rotineiros na nossa vida política, deslembramos o fato de que a prática desses gestos e o uso desses objetos nos foram, progressivamente, impostos e codificados ao longo de dois séculos (...).

(Extraído do texto da professora Letícia Bicalho Canêdo. In: PINSKY, J.; PINSKY, C. B. (Orgs.), 2003, p. 517)

Fim do complemento.

Já apresentamos a ideia de cidadania e direitos e, a seguir, o Estado e o governo. Agora, vamos retomar o tema da cidadania, mas, desta vez, trocando algumas ideias sobre uma das formas de exercício da chamada cidadania política. O que queremos dizer com esse termo?

A forma mais comum, usual, de nos referirmos à cidadania política é identificar essa ideia com o direito que o cidadão tem de eleger, pelo voto direto, os seus representantes, sejam eles vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores ou presidentes da República.

Nesse caso, o voto cumpre o papel de ser um instrumento regular de "renovação do poder político", ou seja, de tempos em tempos, em um prazo pré-estabelecido em lei (de quatro em quatro anos, por exemplo), o eleitor se dirige ao seu local de votação e escolhe aqueles que irão representá-lo no cuidado com a coisa pública - daí a palavra "república", formada pela expressão romana res publica, que subentende que as coisas públicas devem ser de interesse de toda a população.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: O voto é um instrumento regular de renovação do poder político (urna eletrônica brasileira).

FONTE: Tuca Vieira/Folhapress

Como chama a atenção o trecho retirado do artigo escrito pela professora Canêdo nem sempre foi assim. Apesar de ter se transformado em uma prática bastante comum na História recente do Brasil, o ato de votar periodicamente foi uma conquista da população organizada, obtida a partir do enfrentamento com o poder ditatorial que se instalou no país com o golpe civil-militar de 1964. Após esta data, as primeiras eleições consideradas "livres" ocorreram somente em 1982.

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Mas, para a presidência da República, somente voltamos a exercer o direito ao voto em 1989 - vinte e cinco anos depois do golpe. Portanto, uma geração inteira de brasileiros teve a sua cidadania política cassada, não tendo como eleger de forma direta os seus governantes.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: A Grécia Antiga é considerada como o berço da democracia. Ruínas do Parthenon (1880) - Tela de Sanford Robinson Gifford (1823-1880), acervo Concoran Gallery of Art (Washington DC-EUA).

FONTE: Public-domain-image.com

Mas, o que será que isso significa? Será que é realmente importante para as nossas vidas escolher os nossos governantes e parlamentares através do voto? Qual o significado das eleições para a vida da população em geral? Qual tem sido o resultado concreto dessa prática rotineira, retomada aos poucos durante a década de 1980? Estas questões merecem uma boa reflexão, não é mesmo?

Como veremos ainda neste capítulo, a cidadania política não deve ser identificada apenas pelo exercício periódico do voto. Existem outras formas de participação política ativa das pessoas em geral, muitas vezes mais eficazes sob o ponto de vista dos seus resultados práticos, do que, simplesmente, votar e eleger seus representantes. No momento, entretanto, vamos conversar um pouco mais sobre a ideia de democracia.

Afinal, o que é mesmo democracia?

A palavra democracia, que significa "governo do povo" (das palavras gregas demos = povo + kratein = governar), foi utilizada pela primeira vez pelo historiador Heródoto, no século V a.C., para se referir a um tipo de experiência de exercício do poder que aconteceu durante um determinado período, na Grécia Antiga.

A democracia grega era bastante limitada: afinal, o cidadão que detinha direitos políticos era somente o homem grego adulto e proprietário de terras, pertencente à classe dominante - portanto, uma minoria da população. Estavam excluídos da democracia grega os jovens, as mulheres, os estrangeiros, os pobres e os escravos.

A democracia grega era uma democracia direta, ou seja, o povo governava tomando as decisões políticas, em assembleias que poderiam reunir, segundo os historiadores, até seis mil pessoas.

Até o final do século XVIII, o que se entendia como democracia era essa forma direta. Essa era, por exemplo, a compreensão que tinha na época o filósofo iluminista francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que desenvolveu sua tese a respeito numa obra clássica intitulada O contrato social - por causa dessa ideia de "contrato", esses pensadores são também chamados de contratualistas. Para Rousseau, a vontade geral do cidadão somente poderia ser exercida por ele próprio, de forma direta, reunido em assembleia com o restante do povo. A vontade geral, assim, deve ser entendida como aquela que permitiria a coincidência entre os interesses de cada pessoa e os interesses de todos. O acordo entre esses interesses, decidido em assembleia, é que constituiria o chamado contrato social (cf. ROUSSEAU, 1973).

Mas o modelo de democracia que acabou prevalecendo entre os iluministas foi aquele formulado por outro contratualista, o filósofo inglês John Locke, que viveu entre 1632 e 1704 - portanto, antes do nascimento de Rousseau. Locke foi contemporâneo da Revolução Gloriosa, de 1688, que pôs fim ao Absolutismo na Inglaterra do século XVII.

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Na sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil, escrito em 1690, Locke (1978) defende que o poder monárquico deveria ser controlado através de um contrato, mediante a elaboração de uma Constituição. Como já estudamos em História, a revolução da qual Locke foi contemporâneo significou a ascensão do poder da burguesia na Inglaterra que desde então, e até hoje, consagra o regime político da Monarquia Constitucional, no qual "o rei reina, mas não governa". Quem exerce o poder de fato é o Parlamento, que elege para o cargo de governante o primeiro-ministro. Vem daí a expressão "rainha da Inglaterra", quando queremos nos referir a alguém que aparenta ter o poder, mas que de fato "não apita em nada".

O primeiro-ministro inglês é o chefe do Poder Executivo, coordenando uma equipe de ministros de Estado. Nestes casos, o primeiro-ministro é escolhido de forma indireta, ou seja, não foi eleito pelo voto do povo, mas do Parlamento (cujos deputados - estes sim - são eleitos pelo povo). Mas, como o exercício do poder cabe ao Parlamento, intitulamos esse tipo de sistema de governo de Parlamentarismo.

De outra forma, se o exercício do poder cabe ao presidente da República, temos então o sistema de governo intitulado Presidencialismo, que é outra forma de exercício do Poder Executivo, já que, nele, o presidente eleito e os ministros por ele escolhidos têm como principal função, além de administrar o Estado, a execução e o cumprimento das leis.

Devemos observar que, no Presidencialismo, o chefe do Executivo pode ser eleito ou não de forma direta. É dessa forma que ocorre, por exemplo, no caso do Brasil e da maioria dos países que adotam esse sistema de governo. Esse não é o caso, porém, dos Estados Unidos da América, onde o presidente é eleito por um Colégio Eleitoral, cujos representantes são votados em cada estado da federação norte-americana, de acordo com uma determinada regra de proporcionalidade.

A teoria da "divisão entre os poderes" também teve origem no Iluminismo, mas elaborada por outro pensador francês influenciado por Locke, chamado Montesquieu (1689-1755). Na sua obra O espírito das leis, Montesquieu - que, diferentemente dos demais filósofos citados, tinha origem na nobreza - criou uma tipologia de formas de governo na qual uma não sobressaía sobre a outra, fosse ela a monarquia constitucional, a república ou o despotismo. Não existiria uma forma ideal para qualquer povo ou nação, mas sim aquela que fosse mais adequada a fatores de ordem climática ou geográfica.

Mas foi a "doutrina dos três poderes" a maior contribuição de Montesquieu à teoria política contemporânea. Ele entendia que o governo precisava dividir o seu poder em três setores: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, com cada um deles limitando a força dos outros dois. Em linhas gerais, o Poder Executivo deveria exercer o poder a partir das leis elaboradas pelo Poder Legislativo, sendo ambos controlados pelo Poder Judiciário que administraria os conflitos que eventualmente ocorressem entre os outros poderes.

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LEGENDA: A Revolução Americana marcou a eclosão da era das revoluções liberais. Cena da assinatura da Constituição Americana, tela de Howard Chandler Christy (1873-1952).

FONTE: Acervo do Capitólio dos Estados Unidos da América.

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A partir da maior difusão das ideias iluministas na Europa e nas Américas, e a consequente eclosão das revoluções liberais, como foi o caso da Revolução Americana, (1775 - 1783), e a Revolução Francesa, entre 1789 e 1815, a democracia assumiu um caráter mais amplo, representando o regime que garantiria os direitos políticos de todos os cidadãos, no qual "todos os homens são iguais perante a lei". Na prática, é claro que não foi isso o que aconteceu, já que a burguesia francesa, com as lutas que se travaram nesse período, se apoderou do poder político e se impôs desde então como a classe social dominante, subjugando o proletariado. Mas o lema revolucionário "Igualdade, Liberdade, Fraternidade" não foi alterado, atestando que aquilo que está escrito não precisa, necessariamente, corresponder à realidade dos fatos... Estava sendo inaugurada, com isso, a era das democracias liberais.

A ascensão da democracia liberal

A democracia liberal representou a tentativa de consolidação do poder e da dominação de classe da burguesia, significando a interseção entre as ideias políticas defendidas pelo Iluminismo, com as mudanças sociais e econômicas desencadeadas pela Revolução Industrial.

Em relação à economia, os pensadores que defendiam os interesses da burguesia ficaram conhecidos como pertencentes à Escola Clássica, com as suas ideias intituladas de liberalismo econômico. Entre outros membros dessa escola, podemos destacar os pensadores Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus e Jean-Baptista Say. A obra que pode ser considerada como de maior influência da economia clássica foi A riqueza das Nações, escrita por Adam Smith e publicada em 1776. Nela, Smith defende uma ampla liberdade econômica para a burguesia, atacando qualquer forma de intervenção por parte do Estado - naquela época, ainda caracterizado pela Monarquia Absolutista e pelo mercantilismo.

As Revoluções Americana e - principalmente pelas suas características - a Francesa, sob a inspiração das ideias iluministas, representaram, portanto, a derrubada definitiva do Antigo Regime e das classes que o sustentavam, a nobreza e o clero, pondo fim ao Absolutismo. Esse processo de mudanças teve as suas idas e vindas durante o século XIX, quando as classes sociais que representavam o Antigo Regime ainda tentaram retomar o poder político - como aconteceu durante a chamada restauração, ocorrida na França e na Europa a partir da derrota de Napoleão Bonaparte para as forças conservadoras que se reuniam em torno do Congresso de Viena (1814-1815), como a Rússia, a Áustria e a Prússia que pretendiam "restaurar" a ordem feudal-absolutista. Porém, a partir de 1830, uma nova onda revolucionária varreu a Europa, comandada pela burguesia e seus ideais liberais e nacionalistas, dando um fim à tentativa de retomada do poder político por parte das classes sociais do Antigo Regime.

Entretanto, podemos dizer que a consolidação da democracia liberal como modelo político se configurou somente durante o século XX, em meio a diversos outros conflitos e embates, tanto com a alternativa autoritária do capitalismo - fornecida pelos regimes fascistas - quanto contra a alternativa socialista, representada pela revolução Russa, ocorrida em 1917.

Com a derrota do fascismo, ao fim da II Guerra Mundial, em 1945, o capitalismo viveu uma era inigualável de rápido desenvolvimento social e econômico, com a produção de uma extrema riqueza e a implementação de diversas políticas sociais de bem-estar, como destacamos anteriormente. Nesse contexto, a democracia liberal foi a forma de governo implantada com sucesso nos principais países capitalistas, tendo como principal característica a consolidação da democracia representativa, com eleições periódicas e alternância de poder entre os partidos políticos.

A grave crise econômica que afetou o capitalismo a partir dos anos 1970, no entanto, provocou a crise também desse modelo político liberal tradicional, trazendo mudanças que ainda se encontram em curso neste século XXI.

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LEGENDA: A Estátua da Liberdade, localizada na Ilha de Ellis, Nova York, EUA, é considerada como o maior monumento do planeta em homenagem à democracia liberal. Seu nome oficial é A Liberdade iluminando o mundo, foi inaugurada em 1886, sendo um presente da França aos Estados Unidos, durante a comemoração do centenário da assinatura da sua Declaração de Independência.

FONTE: Márcio Pena/Folhapress

Recentemente, foi criado um novo conceito: o de democracia participativa que ainda não pôde ser considerada como uma nova forma de governo, pois não foi experimentada em nível nacional. A discussão sobre a democracia participativa surgiu a partir dos grupos sociais subalternos que se organizaram para reivindicar, do poder público, melhorias na qualidade de vida das suas cidades, através da execução de políticas que atendessem às necessidades da maioria da população. Esses grupos chegaram à conclusão de que as democracias liberais não garantiam nada além de uma democracia formal. Ou seja, o cidadão que "cumpria o seu dever" de pagar em dia todos os impostos recebia, em troca, o direito de participar da escolha dos seus representantes, nos poderes Executivo e Legislativo, através do voto direto. Nada mais!

Mas, o que significa a democracia participativa?

Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2002), a ideia de democracia participativa tem a intenção de resgatar o caráter revolucionário que a democracia tinha por ocasião da Revolução Francesa, contribuindo para que o povo perceba que ele próprio é o verdadeiro sujeito e a razão de ser do poder político. Segundo Santos, algumas características da globalização "têm devorado as promessas do progresso, da liberdade, da igualdade, da não discriminação e da racionalidade" (SANTOS, 2002, p. 17) e que, portanto, a democracia participativa surge como uma nova alternativa de governo, visando exatamente recuperar esses ideais perdidos de igualdade, liberdade e fraternidade.

Assim, a democracia deveria deixar de ser entendida simplesmente como um sistema formal de regras eleitorais, no qual o compromisso do cidadão se resume ao ato do voto. Esse modelo de democracia vigente na maioria esmagadora dos países capitalistas - ou seja, a democracia liberal exclusivamente representativa - não seria suficiente para dar conta das questões sociais mais urgentes e construir a cidadania a partir dos interesses da própria população.

A democracia participativa seria caracterizada pela constituição de mecanismos baseados na ideia de democracia direta, recuperada do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, mas adaptada à realidade das sociedades atuais. Nesse novo modelo, a partir da implementação de uma série de dinâmicas e de regras decisórias, a população de uma cidade poderia ser convidada a debater os seus problemas concretos e mais imediatos, estabelecendo prioridades através do voto e acompanhando a destinação das verbas públicas, por meio da criação de Conselhos.

No Brasil, a experiência de democracia participativa, considerada por diversos estudiosos como de maior sucesso na sua execução, foi o Orçamento Participativo, desenvolvido pela Prefeitura de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a partir de 1989, sob a administração do Partido dos Trabalhadores - PT. A participação efetiva da população da cidade na definição das prioridades de investimento de parte do orçamento público municipal, segundo diversas análises, teria sido a principal responsável pela permanência do PT por dezesseis anos, ininterruptos, à frente do Executivo local, assim como pela difusão dessa experiência para diversas cidades do país, inclusive outras capitais como Recife e Belo Horizonte.

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Outro exemplo de democracia direta implantada em algumas cidades brasileiras são os Conselhos Populares - espaços públicos onde a população e setores organizados da sociedade podem discutir e decidir, em conjunto com o poder público, as políticas voltadas para determinadas áreas, como saúde e educação.

Além dos exemplos acima, que são experiências desenvolvidas em nível local e, por isso, de participação direta mais efetiva, existe ainda a possibilidade de utilização de outros mecanismos de democracia direta no plano nacional. A Constituição Federal Brasileira de 1988 instituiu instrumentos de participação direta, tais como o plebiscito, o referendo e a iniciativa legislativa popular. Esta última, por exemplo, garante a apresentação de uma proposta de lei ao Congresso, à Assembleia Legislativa estadual ou ainda à Câmara de Vereadores de qualquer município, desde que subscrita por um determinado número de eleitores. Esse tipo de iniciativa legislativa foi utilizada com grande força pelos movimentos sociais organizados durante o processo de elaboração da Constituição de 1988, com a apresentação de projetos de lei ao Congresso que, na época, reuniram milhares de assinaturas.

Em 1993, houve uma grande mobilização nacional para a votação em um plebiscito, previsto por ocasião da elaboração da Constituição de 1988, que poderia mudar o sistema de governo vigente no país, de Presidencialista para Parlamentarista. A proposta foi recusada pela maioria da população, assim como, no mesmo plebiscito, foi rejeitada pela maioria dos brasileiros eleitores a possibilidade de mudança da forma de governo, pois a Constituição de 1988 também incluiu na consulta a possibilidade de retorno da Monarquia.

Devemos registrar que esse tipo de instrumento de participação direta, apesar de não constar como uma regra constitucional, já havia sido utilizado em 1963. Naquela época, em função da renúncia do presidente eleito em 1960, Jânio Quadros, e a crise política e militar que se instaurou com a possibilidade da posse do vice-presidente João Goulart, o Congresso Nacional, através de um golpe, deliberou pela mudança do sistema de governo para o Parlamentarismo, impedindo a posse de Goulart com seus plenos poderes de presidente, entregando a função mais alta do Poder Executivo a um primeiro-ministro. No entanto, por meio de um plebiscito, ocorrido em 1963, os eleitores definiram que o sistema de governo brasileiro deveria ser o Presidencialismo, devolvendo o pleno exercício do poder a João Goulart.

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LEGENDA: Em Belém, festa de comemoração pelo resultado do primeiro plebiscito realizado no Brasil para dividir um estado, em 2011. A população rejeitou a proposta de divisão do Pará em três novos estados.

FONTE: Raimundo Pacco/Frame/Folhapress

Existem diversas limitações e lacunas nas iniciativas de democracia participativa contemporânea. Uma delas diz respeito ao fato de que, no caso das experiências de Orçamento Participativo, por exemplo, percebermos o percentual mínimo ou a parcela bem reduzida do orçamento público que é reservada para efeito de deliberação popular. Outra limitação que pode ser apontada é que essas experiências ficaram restritas aos governos locais, não alcançando populações de maior porte, como os estados e o país como um todo - nessas esferas de poder as alternativas de democracia direta se restringem, principalmente, aos mecanismos previstos na Constituição citados anteriormente.

A adoção dessas alternativas teve como um dos seus objetivos a tentativa de revitalizar a democracia representativa. Esta não é excluída nesses processos decisórios, nos quais a democracia participativa acaba por assumir um caráter complementar.

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De qualquer forma, a crítica principal que pode ser feita hoje em dia, após décadas de Orçamento Participativo, Conselhos Populares e os mecanismos previstos pela Constituição de 1988, é no sentido de perceber que essas experiências, em nenhum momento, alteram o caráter extremamente excludente e antidemocrático do capitalismo - uma característica que faz parte da sua própria existência e desenvolvimento histórico.

O que é a democracia representativa num mundo neoliberal? A História política recente do Brasil como exemplo

Como afirmamos, anteriormente, o Estado Providência, de pleno emprego, altos salários e plenos direitos para todos os indivíduos, apresentava a democracia como forma de governo, com partidos políticos representativos, inclusive dos trabalhadores - como se apresentavam os partidos identificados com o Estado de Bem-estar, defensores da social democracia e do trabalhismo. Estes poderiam ser definidos como partidos progressistas. Mas existiam também os partidos que eram representantes do capital, sempre apresentando uma visão política conservadora, isto é, contrária a mudanças que pudessem colocar em risco os interesses dos setores privados.

E como é hoje, num mundo neoliberal, onde o desejo dos capitalistas em privatizar tudo e flexibilizar ao máximo as relações de trabalho, com o objetivo de aumentar a acumulação de capital pelas grandes empresas?

Pensando na História recente do Brasil - nestes últimos trinta anos entre a década de 1980 e os dias de hoje -, muita coisa aconteceu. Promulgou-se uma nova Constituição em 1988. Realizaram-se eleições diretas para presidente: em 1989 (a última tinha ocorrido em 1960!), com a vitória de Fernando Collor de Mello; após o impeachment deste (1992), ocorreram eleições em 1994 e 1998, ambas vencidas pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso; as duas eleições seguintes (2002 e 2006) foram vencidas pelo ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva. Este ainda contribuiu para eleger e reeleger a sua sucessora, a economista Dilma Rousseff, em 2010 e, depois, em 2014 - Dilma veio a ser a primeira mulher a ser eleita para o cargo máximo do Poder Executivo.

Além disso, desde o final dos anos de 1970, presenciamos uma série de movimentos sociais, manifestações e eventos históricos, que refletem o grau de participação e mobilização do povo brasileiro, tais como as greves operárias do ABCD paulista, o movimento negro, o movimento feminista, o movimento popular nos bairros de periferia, os sem-terra, os sem-teto, o movimento estudantil, o movimento das Diretas Já!, o impeachment de Fernando Collor de Mello e os jovens "caras pintadas" etc.

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LEGENDA: Um dos momentos da História recente do Brasil: a campanha pelo retorno das eleições diretas para presidente da República, após a ditadura civil-militar instaurada em 1964. A campanha, com ampla participação popular, ficou conhecida como Diretas Já! Na foto, a população de Brasília vai às ruas com faixas e cartazes, em 6 de junho de 1984.

FONTE: Jorge Araújo/Folhapress

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Muitas vezes, esses movimentos que ocorrem na sociedade se traduzem na organização de partidos políticos, que defendem as suas causas em torno de um Programa Político, elaborado pelos seus filiados e aprovado em uma Convenção Partidária. Para se entender o emaranhado de "diferentes" partidos é necessário o recurso à história das ideias políticas e a uma análise da sua trajetória e de sua composição, ou seja, quem são as suas lideranças e quais são os interesses que elas defenderam e/ou defendem. Mas essa tarefa, às vezes, é bastante difícil. Talvez, mais adiante, você entenda o porquê dessa afirmação.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

FONTE: © Angeli - FSP 04.10.2000

Segundo o sociólogo Robert Michels (1982), os partidos políticos em geral, independentemente da ideologia que defendem, tendem à burocratização e à elitização, transformando-se num instrumento de poder de um pequeno grupo (oligarquia), que o controla totalmente, impedindo a formação de novas lideranças - a não ser que essas sejam subordinadas ao grupo que controla a "máquina partidária". Essa tese de Michels, escrita originalmente em 1914, ficou conhecida como a lei de ferro das oligarquias.

As eleições livres e periódicas, com regras pré-definidas, são sempre apresentadas como o principal referencial e termômetro da democracia representativa liberal. São também o instrumento de consolidação das propostas políticas dos partidos em sua busca pelo governo de um determinado país. Mas será que esse mecanismo - eleições - funciona de fato? Para ajudar-nos a pensar, tentaremos, agora, provocar uma reflexão a esse respeito.

Em primeiro lugar, vamos remeter nossa conversa novamente à História.

Você já ouviu falar, quando se discute política, de uma maneira geral, nos termos DIREITA e ESQUERDA? Esse tipo de classificação tem origem na Revolução Francesa (1789), e significavam, simplesmente, a posição dos partidos políticos durante a Assembleia Nacional (a Convenção): à direita, sentavam-se os parlamentares da Gironda, representantes da alta burguesia, defensores sem tréguas da propriedade privada e da ampla liberdade para os negócios; à esquerda e ao alto, situavam-se os membros da Montanha, conhecidos como jacobinos, representantes da pequena burguesia e defensores dos direitos dos trabalhadores urbanos e camponeses. Os jacobinos eram tidos como radicais, mas eram a favor da propriedade privada, desde que vinculada ao bem-estar social. Admitiam que o Estado pudesse controlar de alguma forma a economia.

Existia também um partido de CENTRO, a Planície - também chamada, jocosamente, pelos seus adversários jacobinos, de Pântano. Seus membros, apesar de também representarem a alta burguesia, tentavam mediar os conflitos entre a direita e a esquerda. Na maior parte da História, aliaram-se à Gironda, que eram os seus parceiros de classe social.

Da Revolução Francesa aos nossos dias, virou uma espécie de "senso comum" relacionar a esquerda com o desejo de se lutar pela igualdade, pela justiça social, pelos direitos dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos. Portanto, os partidos socialistas e os comunistas passaram a ser entendidos como de esquerda.

Já a direita ficou associada à elite econômica da sociedade capitalista, à burguesia - àqueles que defendiam os seus interesses.

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Assim podem ser entendidos tanto os partidos liberais, como também aqueles que entendiam que o capitalismo somente se tornaria viável através da intervenção econômica e do autoritarismo, como é o caso dos partidos totalitários, contrários à democracia como forma de governo.

O chamado centro seria ocupado por aqueles partidos que tentariam conciliar as necessidades do capital com a preocupação com algumas questões sociais e uma relativa ampliação dos direitos dos trabalhadores - alguns acham isso possível! Na verdade, esses partidos de centro eram formados por representantes da burguesia, com a diferença de que apresentavam uma maior preocupação social, sempre com vistas à manutenção de uma pretensa "paz social". Entendendo-se dessa forma, poderíamos vincular historicamente o centro, por exemplo, àquela que ficou conhecida como a social-democracia europeia. Hoje, com o fim do Estado de Bem-estar Social, os partidos de centro se definem quase sempre como sociais-liberais.

Boxe complementar:

A esquerda, portanto, é aquela que luta pela reforma agrária, pela distribuição de renda, por políticas de inclusão e de assistência aos pobres e desvalidos, por mais verbas e maior qualidade para a saúde e a educação públicas etc. É identificada com os partidos que propõem a mudança do status quo.

Já a direita pode ser nomeada como a defensora intransigente da propriedade privada (daí ser contra a reforma agrária), da privatização das empresas públicas (ou seja, a venda de estatais lucrativas para os empresários nacionais e estrangeiros), da "liberdade" econômica (com o consequente livre fluxo do capital externo no país), dos interesses das escolas particulares (megaempresários da educação, que abrem uma faculdade em cada esquina) e da saúde privada (os empresários dos planos de saúde, cuja razão de ser é dada pelo "fracasso" provocado da saúde pública) etc. É, pois, identificada com os partidos conservadores, preocupados em preservar a estabilidade do sistema político.

Paralelamente, o centro procuraria conciliar esses dois interesses antagônicos, propondo pequenas e pontuais reformas (ou, seguindo a sabedoria popular, preferindo "entregar os anéis para não perder os dedos").

Como os partidos políticos na sociedade capitalista precisam eleger os seus representantes com o voto popular (a grande maioria da população é composta pelos trabalhadores e pelos pobres em geral), configura-se uma situação curiosa: num país como o Brasil, com uma maioria de eleitores composta por trabalhadores, além de pobres e miseráveis, quase todos os governantes e parlamentares eleitos são ricos e de direita...

É possível entendermos por que esse tipo de situação acontece? Bem, vamos tentar. Primeiro, buscando na teoria política e, segundo, na análise da História e da composição dos partidos.

Fim do complemento.

Conversando "teoricamente" a esse respeito sobre o nosso país (pois na prática, sob certas circunstâncias, pode ser um pouco diferente), os partidos legais mais à esquerda, no Brasil, são aqueles que se definem programaticamente como comunistas ou como socialistas. No primeiro caso, podemos situar, além de pequenos partidos que continuam clandestinos por opção própria, três partidos legalmente constituídos, o PCdoB - Partido Comunista do Brasil, o PCO - Partido da Causa Operária e o PCB (este partido se transformou em PPS, deixando de ser considerado como de esquerda - mas depois um pequeno grupo conseguiu recuperar a sigla). No segundo caso, estariam o PT, o PSB, o PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, e um partido formado em 2005, o PSOL - Partido Socialismo e Liberdade. Deve-se registrar que, caso nos aprofundemos em nossos estudos, verificaremos que os partidos citados neste parágrafo apresentam grandes diferenças entre si, apesar de um ou outro apresentarem uma mesma origem em comum (como é o caso do PSTU e do PSOL, que surgiram a partir de divergências entre militantes do PT).

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Mas o critério que tomamos como referência, até o momento, é a autodefinição desses partidos como comunistas ou socialistas.

Os partidos ideologicamente de direita seriam aqueles que se autointitulam defensores radicais do liberalismo ou aqueles que defendem, de alguma forma, a solução para os problemas do país pela via autoritária - apesar de, contraditoriamente, apresentarem candidatos nas eleições em geral.

No Brasil atual, não há exemplos declarados como de direita, apesar de já terem ocorrido casos assim na nossa História, como o foram os extintos partidos ARENA - Aliança Renovadora Nacional e PDS - Partido Democrático Social, que, no Congresso Nacional, deram sustentação à ditadura civil-militar. Vários políticos que ainda hoje atuam no país têm origem nesses partidos. Já o primeiro caso - de defensores intransigentes do (neo)liberalismo - poderíamos relacionar principalmente o DEM - Democratas (que também já se chamou PFL - Partido da Frente Liberal), além do PP - Partido Progressista, o PR - Partido da República, o PSD - Partido Social Democrático, PROS - Partido Republicano da Ordem Social e o Solidariedade. Deve-se observar que vários componentes do DEM e do PP fizeram parte da ARENA e do PDS.

Por fim, do ponto de vista teórico, o centro seria ocupado pelos social-democratas e pelos trabalhistas: PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira, PPS - Partido Popular Socialista, PV - Partido Verde, PDT Partido Democrático Trabalhista, PTB - Partido Trabalhista Brasileiro e REDE - Rede Sustentabilidade.

Geralmente, os programas políticos dos partidos citados acima coloca-os ideologicamente da forma como estamos destacando neste texto. Outros ficariam mais ou menos "indefinidos". É o caso, por exemplo, do PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

A partir dessa breve definição, vamos refletir sobre algumas ideias básicas e você mesmo chegará à conclusão de quem é de direita, de centro ou de esquerda.

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FONTE: Bruno Ortiz

Se levarmos em conta o processo de privatizações vivido pelo Estado brasileiro a partir da eleição de Collor, em 1989, - com a consequente evasão de divisas do país e a sua subordinação à globalização neoliberal - é necessário situar como ideologicamente de direita os partidos que conduziram ou deram sustentação política a esse processo, aprovando as leis necessárias no Congresso Nacional. Pesquisando na internet, junto com seu professor, verifique quais foram esses partidos.

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Por outro lado, na mesma pesquisa, veja os partidos que foram críticos e se posicionaram totalmente contrários às medidas tomadas, principalmente, pelos governos de Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso.

Considerando o número de políticos conservadores e ligados diretamente aos interesses capitalistas, oriundos historicamente da UDN, do PSD, da ARENA e do PDS, que serviram de base política para a ditadura civil-militar ou que apresentam um programa claramente autoritário, quais partidos atualmente podemos situar como de direita?

Se considerarmos a manutenção de práticas de controle do voto da população nas cidades do interior do país, assim como em favelas e bairros pobres dos centros urbanos, e se pudermos também identificar a posição social das suas principais lideranças, poderemos definir como direita quais políticos e personalidades?

E quanto às práticas de corrupção política, com o desvio de recursos públicos que poderiam ser investidos na saúde e na educação da população trabalhadora: pensando na história da corrupção em nosso país, teríamos como enquadrar essas práticas como vinculadas a partidos de direita, de centro ou de esquerda? O que você acha?

Se levarmos em conta a implementação de práticas políticas que contribuam para que a maior parte da população tenha participação ativa na política, assim como a sua inserção nos diversos movimentos sociais (ou o contrário: a participação de lideranças desses movimentos no partido), podemos situar a esquerda em quais partidos ou personalidades?

Depois da pesquisa, tente chegar a alguma conclusão. Será que todos concordam com as análises que teoricamente fizemos sobre quem seria de direita, de centro ou de esquerda? Estaria faltando ou "sobrando" algum elemento importante? Existiria algum tipo de "confusão" em relação a essas definições quanto ao posicionamento político? Como analisamos os partidos daqueles que atualmente ocupam os governos federal, estaduais e municipais, levando-se em conta as questões e reflexões levantadas?

Tantas perguntas... Tantas possíveis respostas...

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FONTE: Folhapress/ Glauco

Vamos ao debate, então, começando pela seguinte pergunta: como você, estudante, se situa em relação à política: como de direita, de centro ou de esquerda? Por quê?

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Interdisciplinaridade

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Conversando com a Matemática

A matemática das eleições proporcionais

Raphael Alcaires

Se um candidato do partido X ao cargo de vereador de um município receber mais votos válidos (excluídos os votos brancos e nulos) do que um candidato do partido Y, então com certeza ele será eleito vereador, certo? Errado! Para se eleger vereador não é suficiente que se tenha um número maior de votos válidos do que o de outro candidato. Por que isto acontece? Para entendermos como funciona a eleição para vereador precisamos entender como funciona o sistema eleitoral brasileiro. De forma resumida, temos: as eleições proporcionais para os cargos de deputados estaduais, deputados federais e vereadores; eleições majoritárias com um ou dois eleitos para o Senado Federal; e eleições majoritárias para presidente, prefeito e governadores. Estas últimas poderão ocorrer em dois turnos, se um candidato não obtiver mais de 50% dos votos válidos. No caso de prefeitos, a regra dos dois turnos vale somente para cidades com mais de 200 mil eleitores.

Mas o que nos interessa neste texto são as eleições proporcionais! Vamos entendê-las. As eleições proporcionais podem ser realizadas de duas formas: em lista fechada, em que o eleitor vota só no partido e este decide a ordem de classificação de seus candidatos; e em lista aberta, usada no Brasil. Nesta, o eleitor pode votar no candidato ou no partido e a ordem de classificação é obtida pelo número de votos dos candidatos. Nas eleições proporcionais cada partido terá direito a certa quantidade de vagas para o cargo de vereador (ou deputado) que será obtida após alguns cálculos, donde teremos o quociente eleitoral e o quociente partidário. Para entendermos estes cálculos vamos dar um exemplo.*

Na eleição de 2012 para o cargo de vereador no Rio de Janeiro, o número de votos válidos foi de 3.113.599 e havia 51 vagas para este cargo.** Com estes dados calculamos o quociente eleitoral (Qe) que é definido pelo Código Eleitoral*** como sendo o resultado da divisão do número de votos válidos pelo número de lugares a preencher, desprezando a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior. Isto significa que se o resultado da divisão for, por exemplo, 50.400,49, então o quociente eleitoral será igual a 50.400, e caso seja 50.400,51 então o quociente eleitoral será igual a 50.401. Assim, temos Qe = 3.113.599/51 = 61.050, 961, ou seja, Qe = 61.051. Agora devemos calcular o quociente partidário (Qp) cuja definição é o resultado da divisão do número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas pelo quociente eleitoral, desprezando a fração. Este valor define quantas vagas cada partido tem direito. No nosso exemplo, utilizaremos o partido PDT que obteve 126.811 votos válidos. Então este teve direito a 2 vagas, pois Qp = 126.811/61.051 = 2,077. Após determinar o número de vagas que tem o PDT vemos os dois candidatos do PDT que mais receberam votos, estes são eleitos. No entanto, ocorre que após todos estes cálculos somente 41 vagas foram preenchidas. Então, neste caso está previsto no Código Eleitoral que as outras vagas serão preenchidas usando o método das médias. A média (M) é calculada como sendo o resultado da divisão do quociente partidário pelo número de cadeiras (c) conquistado pelo partido mais um, ou seja, M = Qp/(c+ 1). O partido que obtiver a maior média tem direito a mais uma cadeira. Com este resultado recalculam-se as médias de todos os partidos e o que tiver maior média recebe mais uma cadeira. E repete-se este processo até obter o restante das vagas.

Agora que você entendeu, discuta com seus colegas se este tipo de eleição é democrático. O que você acha? Você também já está apto a debater a pergunta colocada no início deste texto.

Raphael Alcaires de Carvalho é professor de Matemática do IFRJ - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, lotado no campus Rio de Janeiro. Licenciado em Matemática pela UFRJ e Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ.

* Tudo que explicaremos a seguir, utilizando como exemplo as eleições para vereador, é válido também para os cargos de deputados estaduais ou distritais e federais.

** Cf. UOL - Eleições 2012. Apuração 1º Turno. Disponível em: http://goo.gl/MLa4KJ. Acesso: março/2013.

*** O Código Eleitoral corresponde à legislação que rege as eleições em nosso país. O que se encontra em vigência foi instituído pela Lei Nº 4.737, de 15 de julho de 1965, sofrendo diversas modificações desde então. Neste texto, as informações apresentadas, a seguir, tomam como base os seus artigos 106, 107 e 109, alterados por duas leis diferentes, de 1985 e 1997.

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Interatividade

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

Revendo o capítulo

1 - Explique as três funções do Estado e os seus "três poderes". Por que podemos falar em monopólio legítimo da força por parte do Estado?

2 - Pode-se entender ex-presidentes da República como Getúlio Vargas, Fernando Henrique Cardoso e Lula como exemplos de lideranças carismáticas, segundo a definição de Weber? Por quê?

3 - O que é democracia? Defina também democracia representativa e democracia participativa.

Dialogando com a turma

1 - Pense a respeito dos tipos de dominação definidos por Weber e cite exemplos retirados da História ou da vida cotidiana.

2 - Realize uma pesquisa sobre os principais partidos políticos brasileiros, apresentando as principais ideias e as leis que cada um deles defende atualmente.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2011)

A consolidação do regime democrático no Brasil contra os extremismos da esquerda e da direita exige ação enérgica e permanente no sentido do aprimoramento das instituições políticas e da realização de reformas corajosas no terreno econômico, financeiro e social.

Mensagem programática da União Democrática Nacional (UDN) - 1957.

Os trabalhadores deverão exigir a constituição de um governo nacionalista e democrático, com participação dos trabalhadores para a realização das seguintes medidas:

a) Reforma bancária progressista;

b) Reforma agrária que extinga o latifúndio;

c) Regulamentação da Lei de Remessas de Lucros.

Manifesto do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) - 1962

Nos anos 1960 eram comuns as disputas pelo significado de termos usados no debate político, como democracia e reforma. Se, para os setores aglutinados em torno da UDN, as reformas deveriam assegurar o livre mercado, para aqueles organizados no CGT, elas deveriam resultar em:

(A) fim da intervenção estatal na economia.

(B) crescimento do setor de bens de consumo.

(C) controle do desenvolvimento industrial.

(D) atração de investimentos estrangeiros.

(E) limitação da propriedade privada.

2 - (ENEM, 2010)

"A gente não sabemos escolher presidente

A gente não sabemos tomar conta da gente

A gente não sabemos nem escovar os dentes

Tem gringo pensando que nóis é indigente

Inútil. A gente somos inútil"

(MOREIRA, R. Inútil,1983)

O fragmento integra a letra de uma canção gravada em momento de intensa mobilização política. A canção foi censurada por estar associada:

(A) ao rock nacional, que sofreu limitações desde o início da ditadura militar.

(B) a uma crítica ao regime ditatorial que, mesmo em sua fase final, impedia a escolha popular de presidente.

(C) à falta de conteúdo relevante, pois o Estado buscava, naquele contexto, a conscientização da sociedade por meio da música.

(D) à dominação cultural dos Estados Unidos da América sobre a sociedade brasileira, que o regime militar pretendia esconder.

(E) à alusão à baixa escolaridade e à falta de consciência do povo brasileiro.

Pesquisando e refletindo

LIVROS

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LEBRUN, Gérard. O que é poder. São Paulo: Brasiliense, 1984.

O autor define o que é poder percorrendo a história das teorias políticas e sociológicas.

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PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla B. (Orgs.). História da Cidadania. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2003.

Uma obra de referência sobre o tema da cidadania, contando com artigos escritos por vários especialistas nas questões abordadas.

FILMES

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INTERVALO CLANDESTINO (Brasil, 2005). Direção: Erik Rocha. Duração: 95 min.

Documentário realizado durante as eleições gerais de 2002, no Brasil, capta o estado de espírito do povo brasileiro diante da realidade social, política e econômica da época.

NO - ADEUS, SR. PINOCHET (NO, Chile/França/ EUA, 2012). Direção: Pablo Larraín. Elenco: Gael García Bernal, Alfredo Castro, Antonia Zegers. Duração: 110 min.

O ditador chileno Augusto Pinochet, no poder desde o sangrento golpe militar ocorrido em 1973, com o apoio dos EUA, convocou em 1988 um plebiscito em razão de pressões internacionais. A consulta tinha como objetivo decidir se os militares continuariam governando o país por mais oito anos. Nas campanhas na TV, eram concedidos apenas quinze minutos a cada partido para defender o "sim" e o "não" - sendo este último "bandeira" dos partidos de oposição. Um filme importante para debater, entre outros temas, as diferenças entre ditadura e democracia; as questões envolvendo o passado e o futuro que se pretende construir; o papel da mídia e do marketing nas decisões políticas. Concorrente ao Oscar 2013 de Melhor Filme Estrangeiro.

INTERNET

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TRANSPARÊNCIA BRASIL: http://www.transparencia.org.br

Segundo os responsáveis pelo site, "a Transparência Brasil é uma organização independente e autônoma, fundada em abril de 2000 por um grupo de indivíduos e organizações não governamentais comprometidos com o combate à corrupção". Assim, visando ao cumprimento desse objetivo, o Portal apresenta pesquisas, artigos e publicações que discutem o tema da corrupção política existente no país. Acesso: janeiro/2016.

CONSCIÊNCIA.ORG - "Teoria e Ciência Política": http://goo.gl/htlFfQ

Site apresentando resumos, ebooks, artigos acadêmicos e resenhas de textos clássicos e contemporâneos da teoria política. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

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PESADELO - Autores: Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro. Intérpretes: MPB 4.

Um hino de resistência contra a ditadura militar brasileira instaurada em 1964, reafirmando que a liberdade será sempre vitoriosa contra toda forma de repressão política.

VAI PASSAR - Autores: Chico Buarque e Francis Hime. Intérprete: Chico Buarque.

Música que marcou o período de transição política brasileira na década de 1980, celebrando a superação da ditadura, a luta contra a corrupção e a esperança por um futuro melhor.

FILME DESTAQUE

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O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?

FICHA TÉCNICA:

Direção: Bruno Barreto

Elenco: Alan Arkin, Fernanda Torres, Pedro Cardoso, Luiz Fernando Guimarães, Cláudia Abreu.

Duração: 105 min.

(Brasil, 1997)

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FONTE: Columbia Pictures Televvision Trading Company/Bruno Barreto

SINOPSE:

Em 1964, um golpe civil-militar derruba o governo democrático brasileiro e, após alguns anos de manifestações políticas, é promulgado, em dezembro de 1968, o Ato Inconstitucional nº 5, que acabava com a liberdade de imprensa e os direitos civis. Nesse período vários estudantes abraçam a luta armada.

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Aprendendo com jogos

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Investigando a Ditadura Militar no Brasil

(Pretty Simple/ Ubisoft Entertainment, 2012)

DEMOCRACIA É FEITA DE QUÊ?

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FONTE: Divulgação: Google Play

O seu objetivo é conseguir completar as diferentes fases e resolver o mistério. A cada fase você encontrará cenários com pistas e provas que o levam a compreender noções sobre Democracia e Estado Moderno. A ideia do jogo é que, ao reunir essas informações e com a possibilidade de desvendar os mistérios, você compreenda o que foi a Ditadura Civil-Militar no Brasil a partir de 1964. Torne-se um detetive da nossa História! Esta proposta é inspirada no jogo social Criminal Case.

Como jogar:

1. O game é gratuito e você pode baixar uma cópia para celular ou tablet neste endereço: https://goo.gl/0jvvvJ

2. Organize-se em grupos com os colegas de sala e joguem em grupo. É necessária uma conta no Facebook para jogar.

3. Após o jogo, busquem nos jornais e em revistas algumas notícias sobre as prisões de manifestantes durante as manifestações mais recentes no país, a partir de 2013. Ponham-se no papel de um investigador do game. O mistério a ser desvendado é a repressão contra as manifestações populares por parte do Estado.

4. Exponham no grupo as suas opiniões sobre as violências policiais e as prisões: os aspectos jurídicos ou legais encontrados, os motivos ou as necessidades das prisões realizadas e o resultado dessas prisões, os diferentes pontos de vista. E, principalmente, como tais prisões afetaram a nossa democracia. Agora, vocês estão investigando a História brasileira.

5. Relacionem com a ditadura militar pós-64, na qual muitos presos políticos estavam em manifestações públicas antes de serem detidos ilegalmente. Ao se focar nos "motivos" das prisões que ocorreram em 2013, por exemplo, pode-se fazer um paralelo de como o Estado pode intervir com força, mesmo em uma democracia, e abafar um movimento político e social. Comparem as histórias de repressão de um período e outro. Neste ponto, é obrigatório que o grupo "construa um caso", utilizando para isso pesquisar nos seguintes endereços: http://goo.gl/ CPP7rm e http://goo.gl/KtmJHA

6. Após o jogo e as investigações do grupo (sobre a repressão na Ditatura e em 2013), todos devem sentar em um círculo (incluindo o professor) para socializarem os resultados encontrados.

8. O (A) professor(a) sorteará um papel e começará a dinâmica dizendo uma única palavra que faça referência ao tema sorteado. Os temas que estarão dentro da caixa serão os mesmos conceitos trabalhados no capítulo 14 do livro.

9. O (A) professor(a) deverá dar o papel sorteado ao aluno ao lado e ele deverá falar uma palavra que faça referência ao conceito ou tema e continuar com o tema até que todos(as) tenham participado.

10. A cada rodada um(a) aluno(a) voluntário(a) deve ficar no quadro anotando todas as palavras faladas por seus colegas, de modo a debater as ideias posteriormente. No entanto, não pode ser falado uma palavra já mencionada anteriormente, por isso o papel de quem anotará as palavras no quadro também se torna essencial.

11. Após concluírem, debata com os seus colegas sobre as ideias levantadas e para isso utilize as palavras no quadro para reflexão e (des)construção do conteúdo abordado.

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Capítulo 15 - "Não é só pelos R$ 0,20 centavos!" Movimentos sociais ontem e hoje

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LEGENDA: Os movimentos sociais existem em todo o mundo. Na foto, manifestação no Rio de Janeiro contra o aumento das passagens, em junho de 2013.

FONTE: Sergio Moraes/Brazip/Phto press

Em junho de 2013, milhões de pessoas foram às ruas protestarem contra a corrupção, os políticos, a crise, contra o aumento e R$ 0,20 das passagens de ônibus etc. Vejamos o que afirmou o Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL) a respeito desse momento:

Boxe complementar:

"Tomando as ruas, as Jornadas de Junho de 2013 rasgaram toda e qualquer perspectiva técnica acerca das tarifas e da gestão dos transportes que procurasse restringir seu entendimento aos especialistas e sua "racionalidade", a serviço dos de cima. Ao reverter o aumento das passagens em mais de cem cidades do país, as pessoas deslocaram momentaneamente - e com impactos duradouros - o controle político da gestão do transporte. Forjou-se, no calor das barricadas, uma experiência de apoderamento que não se resume à ocupação física das cidades, mas estende-se à maneira como se organizam os transportes no país. É essa tomada de poder que assusta os gestores estatais e privados, que tentam agora reocupar o espaço que perderam para os trabalhadores urbanos."

(Movimento Passe Livre - São Paulo apud, MARICATO, 2013, p. 17)

Fim do complemento.

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Ao final do texto, o MPL informa que os protestos de junho de 2013 não começaram naquele ano e não era algo novo, como vemos no quadro abaixo:

Boxe complementar:

Cronologia

2003 - Revolta do Buzu em Salvador (agosto-setembro).

2004 - Revolta da Catraca barra o aumento em Florianópolis (junho) e aprova Lei do Passe Livre estudantil (26 de outubro); surge o Comitê do Passe Livre em São Paulo.

2005 - Plenária de fundação do MPL-Brasil no V Fórum Social Mundial em Porto Alegre (janeiro); luta contra o aumento em São Paulo (fevereiro); II Revolta da Catraca barra o aumento em Florianópolis (junho); mobilizações revogam o aumento em Vitória (julho).

2006 - Encontro Nacional do Movimento Passe Livre (junho); luta contra o aumento em São Paulo (novembro-dezembro).

2008 - Grande luta contra o aumento no Distrito Federal (outubro).

2009 - Aprovação do Passe Livre estudantil no Distrito Federal (julho); ocupação da Secretaria de Transportes em São Paulo (novembro).

2010 - Luta contra o aumento em São Paulo (janeiro).

2011 - Luta contra o aumento em São Paulo e em várias capitais (janeiro-março); mobilizações revogam aumento em Teresina (agosto).

2013 - Lutas na região metropolitana de São Paulo conquistam revogação do aumento no Taboão da Serra (janeiro); mobilização derruba aumento em Porto Alegre (abril); Jornadas de Junho conquistam revogação do aumento em mais de cem cidades.

Fonte: (Movimento Passe Livre - São Paulo apud, MARICATO, 2013, p. 18)

Fim do complemento.

Por que surgem estes movimentos? Por que jovens, mulheres e homens resolvem lutar contra o aumento das passagens? Como vimos no quadro "Cronologia", este movimento de 2013 se organizava desde 2003. Estas ações quase nunca são divulgadas pelos grandes meios de comunicação. Aliado a isso, nem sempre essas pessoas que lutam contra este estado de coisas são vistas com "bons olhos". Por que será?

Nos dias de hoje, de vez em quando, ouve-se falar dos movimentos sociais. Mas, em geral, quando a mídia traz alguma notícia a respeito deles - como, por exemplo, os movimentos dos sem-terra, dos sem-teto, ou do passe livre em São Paulo -, as informações são quase sempre negativas ou condenatórias das suas atividades e muitas vezes descritas como coisas de vândalos. Mas, antes de entrarmos nesse debate, devemos perguntar: o que são os movimentos sociais? O que pretendem? Como e por que surgem em diversos momentos históricos? Como são constituídos?

Definindo e caracterizando os movimentos sociais

Os movimentos sociais estiveram e estão presentes na História de todas as sociedades. Temos que compreendê-los como um fenômeno intrínseco às sociedades e resultantes sempre de algum tipo de "conflito". Entendendo-o dessa forma, podemos dizer que os movimentos sociais estão relacionados ao tema que intitulamos, em Sociologia, como mudanças sociais. Essas transformações ocorrem porque sujeitos ou grupos que não concordam com determinada situação procuram diversas maneiras para modificá-la, lutando pela conquista de direitos sociais, econômicos e políticos.

Dessa forma, numa perspectiva ampliada, podemos entender, como exemplos de movimentos sociais através da História, as lutas entre patrícios e plebeus e as revoltas de escravos em Roma, na Antiguidade Clássica; assim como as inúmeras rebeliões camponesas que ocorreram na Idade Média, como as jacqueries francesas do século XIV.

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Os exemplos citados representam movimentos sociais com características bem diferentes: enquanto os plebeus e os escravos, em momentos históricos distintos, lutavam em Roma pelo que hoje chamaríamos de direitos políticos, os camponeses franceses se sublevaram em razão da sua condição servil, marcada pela sua submissão ao trabalho pesado nos feudos, e onde a miséria da população não impedia a cobrança de impostos absurdos e o confisco das propriedades camponesas, pelos senhores feudais.

Saltando na História para a Inglaterra pós-Revolução Industrial e o surgimento do proletariado como classe social explorada pelo capital, são exemplos de movimentos sociais o ludismo, no século XVIII, no qual os operários promoviam o quebra-quebra de máquinas, e o movimento cartista, em 1830, em que o proletariado organizado reivindicava a representação política no Parlamento.

Tomando como referência os dois parágrafos anteriores, fica fácil de entendermos que a reivindicação de direitos é o elemento gerador dos movimentos sociais. Estes, portanto, devem ser entendidos como o resultado de conflitos sociais, presentes nas diversas sociedades. E por que se chega a estes conflitos? Simplesmente porque, como vimos por diversas vezes neste livro, as sociedades não são homogêneas e se dividem a partir de interesses de classe, gênero, etnia, ou, até mesmo, de orientação sexual e de geração. A existência de grupos de opressores e de oprimidos, em relação a estas questões, sempre significa a reafirmação de algum tipo de conflito que se encontra na origem ou na organização de movimentos sociais em uma determinada sociedade, muitas vezes gerando a carência de bens materiais e culturais de uns em relação a outros.

A partir disso, grupos sociais que se sintam prejudicados ou oprimidos, de alguma forma, vão se organizar a fim de eliminar ou, pelo menos, amenizar a opressão. A essa união chamamos de ações coletivas, que é um objeto de estudo importante para a Sociologia e para a Ciência Política.

É necessário saber que os movimentos sociais possuem também uma relação de conflito com o Estado, pois, como vimos, nem sempre este satisfaz a vontade coletiva, se restringindo à vontade daqueles que dominam os recursos materiais da sociedade e aos seus interesses.

Enquanto os movimentos sociais desejam modificações, mudanças, o Estado, na maioria das vezes, deseja manter a ordem das coisas ou, como dizem os especialistas, o status quo, já que quase sempre ele representa os interesses das classes dominantes.

Um movimento social só tem força quando possui uma proposta, ou seja, quando se organiza de maneira objetiva para conquistar os fins que almeja alcançar. Por isso, há a necessidade de um projeto, a ser desenvolvido de acordo com a orientação política do movimento. A ideologia também é um fator importante, já que reflete a visão de mundo dos indivíduos que participam do movimento, suas perspectivas, as mudanças que ambicionam, o mundo que esperam combater ou construir de forma alternativa.

Você já participou ou pensou em participar de algum movimento social em que momento como por quê

LEGENDA: A organização e a mobilização são essenciais para o sucesso político do movimento social. Na foto, assembleia dos professores municipais do Rio de Janeiro, em agosto de 2013.

FONTE: Acervo dos autores

Por fim, a organização é muito importante, porque ela é a base do movimento, essencial para o seu sucesso político. Afinal, sem instrumentos eficazes de comunicação e sem recursos financeiros mínimos, os movimentos sociais acabariam apresentando resultados bastante limitados na sua ação política.

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